A timidez do sr. rato começa a ser demais. Dizem que o rato é um animal inteligente, e não é por acaso que é testado, esquartejado e dissecado em laboratório, em nome das experiências dos humanos. Posto isto, porque é que continua a evitar-me, quando lhe deixo paparoca tão jeitosa todos os dias no pratinho com o desenho do Templo da Barra? Por acaso pensará que o quero matar, quando divide com ele o queijo "mozzarella" que me custa 55 patacas, ou lhe preparo as maçãs que compro de propósito para ele? O bicharoco é tão inocente que já podia ter morrido de "morte macaca". Bastava ter misturado estriquinina numa das suas guloseimas favoritas, e uma bela manhã estaria esticado no meio da cozinha, teso e duro, com o seu sopro de vida evaporado. Era tão fácil que nem que o quisesse matar optava por essa via.
Portanto deixo-lhe no prato um jantar de "gourmet", ora com o seu queijo favorito, sumarentas maçãs, e chocolate de vez em quando. E continua a fugir de mim, o sacana. E atabalhoadamente, também; sempre que apareço à sua frente, arranca com tracção às patas da frente, escorregando no arranque e batendo com a bunda de rato nos objectos à sua volta. E que tal um "obrigado pelo lanche, pá"? Ora essa, volta amanhã para comeres outra vez de borla os manjares que preparei de propósito para ti, sem terem passado pelo lixo, no meio das sopas azedas e das fraldas cagadas. Quer dizer, não ambiciono a ser um Park'n'Shop dos ratos, com frescura garantida e preços competitivos, mas prefiro que comas bem em vez de andares por aí a pegar doenças nas patas e depois andares a passear pela minha casa. A nossa casa, quer dizer, que se quer limpinha. Quando é que começas a fazer a tua parte, seu focinho de funil?
Sabes bem que te deixo a comida no prato a horas decentes, ó rabudo. Não vens mais cedo porque não queres. Enquanto estou em frente ao computador, ao serão, bem te oiço a esgravatar no sótão, a afiar as tuas unhas de rato antes de atacares o pitéu que não te custou a ganhar. Quer dizer, já que não fazes a ponta de um corno o dia todo, bem que me podias fazer companhia. Em alternativa, podias pelo menos entrar com a conta da água, que são só 50 rufas por dia, menos que eu gasto contigo em "mozzarella", maçãs e chocolates. Já pensaste nisso? Andas mal habituado. Não me digas que também jogas no casino.
Em vez de te fazeres útil, esperas que eu vá dormer e sais pela calada da noite, no escuro, comes do prato com o desenho do Templo da Barra e depois fazes a tua farra. Sabes quantas vezes acordo às cinco ou seis da manhã com o barulho que fazes a empurrar o prato ou a mergulhares na caixa de cartão onde guardo os sacos de plástico, os artigos de limpeza, as luvas de borracha e a vassoura. Na quarta-feira encontrei uma barata moribunda no meio da sala a mexer as pinças, entre a vida e a morte. Violentaste a bicha durante a tua festança, não foi ó dentuço? Ontem às seis precisei de me levantar e ir até a cozinha com uma sapatilha para ver se paravas com aquele escarcéu. Vê lá se te portas bem, pá, senão qualquer dia levo para casa um "señor gato", e tu com essa bunda larga não és nenhum Speedy Gonzalez.
Sem comentários:
Enviar um comentário