sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O mau mausoléu


O primeiro-ministro japonês Shinzo Abe está debaixo de fogo cerrado, depois de ter visitado ontem o santuário de Yasukini por altura do seu primeiro ano à frente do Governo do país do sol nascente. O santuário xintoísta foi erigido em 1869 e é dedicado a todos que perderam a vida ao serviço do país, e estão ali gravados os nomes de quase 2,5 milhões de soldados nipónicos caídos em combate, desde a guerra de Boshin em 1867 até à II Guerra Mundial, que culminou em 1945 com a derrota do Japão e pôs um fim à tradição belicista e expansionista do império. Entre os soldados homenageados neste santuário estão 14 considerados criminosos de guerra da II Guerra, entre eles Hideki Tojo, responsável pelo ataque à base naval norte-americana de Pearl Harbour, dando início à Guerra do Pacífico e à participação dos Estados Unidos no conflito. Finda a guerra, Tojo seria julgado num tribunal marcial e condenado à morte por enforcamento, e executado em 1948.

A controvérsia teve início em 1985, com a visita do então primeiro-ministro Yasuhiro Nakasone, a primeira vez que um líder do Executivo japonês prestou homenagem aos mártires de Yasukuni. O acto, que se revestiu de carácter oficial, como todos os seguintes efectuados por primeiros-ministros japoneses, foi censurado pelos líderes dos países vítimas do expansionismo nipónico dos anos 30 do século passado, com ênfase para os vizinhos da China e da Coreia do Sul. Não foi por acaso que Nakasone é tido como o responsável pela revitalização do nacionalismo japonês. A iniciativa foi condenada pelo imperador Hirohito, que tinha visitado o santuário pela última vez em 1975. A ideia de incluir o nome dos criminosos de guerra no "registo simbólico de divindades" de Yasukini data de 1966, mas não seria concretizada até 1978 pelo sacerdote Nagayoshi Matsudaira, o responsável pelo santuário que nunca reconheceu a agressão japonesa como sendo "crimes de guerra".

A polémica só começou a ganhar visibilidade durante o governo de Junichiro Koizumi, que visitou Yasukuni pelo menos uma vez por ano entre 2001 e 2006 - foi então que o mundo passou a conhecer o santuário. Depois de Koizumi seguiu-se um interregno de sete anos até esta visita de Abe, mas o lume da controvérsia nunca se atenuou, com os governos chineses e sul-coreanos a alertar constantemente para os perigos da glorificação do passado belicista do Japão, e do qual ainda há sobreviventes. Ainda no ano passado um grupo de mulheres sul-coreanas obrigadas a prostituir-se por soldados japoneses, as tais "mulheres de conforto", manifestaram-se, exigindo compensação pela angústia a que foram sujeitas durante a ocupação. A China - que convém recordar, tem os seus próprios esqueletos guardados no armário - não se cansa de exigir a Tóquio que se retrate do seu passado recente, e além das visitas a Tasukuni, condena também a omissão destes factos nos livros de História.

O santuário de Yasukuni é gerido por particulares e não tem qualquer ligação com o estado japonês, e portanto qualquer um é livre de o visitar e prestar as homenagens que quiser a quem quiser - até Shinzo Abe, o cidadão; mas nunca Shinzo Abe, o primeiro-ministro do Japão. Com esta atitude considerada provocatória o executivo japonês está a passar uma mensagem difícil de entender. Por um lado admitiram os crimes, pagaram por eles e viraram uma página negra da História, mas por outro lado teimam em escrevê-la fazendo constants remissões a essa página que ninguém quer ver novamente escrita. Tenho a certeza que o Japão não faz planos de repetir a gracinha que custou a morte a milhões de inocentes na região Ásia-Pacífico, mas precisa se "sintonizar" a diplomacia para a estação do politicamente correcto. O que diriamos se a chanceler Merkel fosse visitar um monumento a criminosos de guerra nazis?

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