Um tema que tenho adiado, mas de que agora resolve finalmente abordar, é o da comunidade filipina em Macau. E aqui há tanta coisa por dizer que nem uma enciclopédia de vinte volumes ia conseguir abranger tudo. Pode-se mesmo dizer que todos os dias há qualquer coisa nova para se dizer sobre os filipinos, esse povo que ninguém entende muito bem - nem eles próprios. Se considerarmos os chineses, tanto os de Macau como os do continente uma comunidade apenas, os filipinos serão a segunda maior comunidade da RAEM, com mais de dez mil elementos. Mas é difícil avançar com um número exacto, pois assim como as ilhas do seu arquipélago, que são mais quando a maré está baixa, é possível que habite no território uma quantidade significativa de filipinos em situação ilegal.
Os filipinos são há muito um ingrediente da massa humana que compõe a região do delta do Rio das Pérolas, ou seja Macau e Hong Kong. As ex-colónias do sul da província de Cantão são destinos de eleição para a massiva vaga migratória das Filipinas, pois a adaptação é mais fácil do que a outras paragens, como o Japão ou os países da peninsula arábica, onde existe também uma grande diaspora. Se me perguntarem o que penso dos filipinos numa frase apenas, digo-vos em português escorreito e vernáculo e sem atender a quaisquer factores sociais, culturais, étnicos ou linguísticos: "têm a mania que são espertos".
A este ponto gostava de dizer que não tenho nada contra filipinos, nem de longe nem de perto. Tenho e sempre tive amigos filipinos praticamente desde que cheguei vai para mais de vinte anos. No entanto por alguns que tive sorte em conhecer, há outros que desejava nunca ter conhecido. Quer dizer, compreendo que estejam cá numa situação de inferioridade, e que precisem de se defender com as poucas armas que têm, mas podiam ser mais criativos nos "truques" que usam, e já agora menos descarados nas mentiras que contam. As empregadas domésticas, por exemplo "matam" a mãe e o pai uma ou duas vezes por ano para justificar ausências prolongadas ao trabalho, e se deixam alguém no seu lugar quando vão de férias, garantem ser "uma prima", e "da maxima confiança", mas na verdade é alguém que conheceram há quinze dias no Largo do Senado. Têm ainda um grande defeito: enganam mais facilmente quem os trata bem do que quem deles quer mal. O pior é que esperam que acreditemos nas suas patranhas, o que significa que ainda por cima nos tomam por parvos.
Espero que nas entrelinhas entendam que não estou a generalizar, de todo. Aliás os "maus" Filipinos são uma minoria, e de um modo geral são um povo simpático, acessível e trabalhador, contando que tenham o mínimo de motivação. A maioria só quer saber da sua vida, trabalha, manda o dinheiro para casa, vai à igreja no dia de folga e não chateia ninguém. As "más sementes" são por vezes indivíduos que até chegaram a Macau com as melhores das intenções, mas entretanto a vida correu-lhes mal, foram também eles enganados por outros, envolveram-se com más companhias, caíram nas malhas do jogo ou da droga, ou por outra razão qualquer, e infelizmente há um vasto leque de razões. Apesar de tudo não se portam assim tão mal. Quem segue regularmente a página "do Crime" no Jornal Tribuna raramente vê filipinos envolvidos em delitos com maior gravidade.
É natural que tenham desenvolvido um mecanismo de defesa próprio, mesmo que por vezes vá para além dos limites do razoável. Imaginem que deixavam o vosso país em busca de uma vida melhor, e uma vez num país estranho eram explorados, enganados, maltratados e discriminados, isso quando não assediados sexualmente. Imaginem ainda que tinham que suportar estas humilhações e outras, pois lá na vossa terra natal há pessoas que dependem do dinheiro que mandam todos os meses. Compreende-se que tenham criado uma "rede" que os permita sobreviver, uma vez que o estatuto de trabalhador não-residente confere-lhes poucos ou nenhuns direitos. Mesmo que os métodos estejam já ultrapassados, têm que se desenrascar de algum jeito.
Mas depois há o reverso da moeda, o lado escuro. A questão do assédio sexual, por exemplo, pode ser aproveitada em benefício próprio. Basta frequentar alguns bares da moda ao fim-de-semana para perceber o que quero dizer. Depois há um certo miserabilismo da sua parte. Quem já foi às Filipinas já reparou como inventam taxas por tudo e por nada, e mesmo quando marcamos e pagamos antecipadamente viagens, alojamento e todo o resto, eles arranjam sempre um jeito de "sacar" mais 100 ou 200 pataquitas. A quantia é o menos importante, pois 100 ou 200 paus não nos fazem muita diferença, mas se para eles significa que vão poder comer durante uma semana, fico feliz. O problema é que eu nunca trairia a confiança de ninguém por menos de um milhão de patacas, e mesmo assim dependia de quem estamos a falar.
Mas nem só de TNRs é feita a comunidade filipina; existe ainda um número considerável de residentes permanentes naturais das Filipinas ou de etnia Filipina. Não sei o número ao certo, mas penso serem por volta de dois mil, e o número tem aumentado, pois há quem se tenha fixado há muitos anos e produzido uma nova geração de filipinos - e desses vou falar depois. Os filipinos residentes adquiriram este estatuto através do casamento com outro residente, ou através de outros meios, mas actualmente apenas casando com um residente permanente ou sendo filho de um residente permanente se pode obter este estatuto. E mesmo assim apenas na condição de residente não-permanente durante os primeiros sete anos, no caso dos primeiros.
Mais uma vez recordo que não estou a generalizar, mas entre os filipinos com o estatuto de residente permanente que são óptimas pessoas, trabalhadores, honestos, e que apesar da sorte que tiveram continuam a ser humildes. Há outros que uma vez com o BIR na mão tornam-se nuns senhores filhos da puta com o rei na barriga. Julgam-se no direito disto e daquilo, pensam que estão acima da lei, pois afinal "são membros de pleno direito da sociedade", portanto isto é tudo seu, e tratam os seus compatriotas TNR abaixo de cão. É como se passando à situação de residente tivessem evoluído para o Homo Sapiens, enquanto os restantes continuam neandertáis. Para não pensarem que estou apenas a cuspir para o ar, vou dar dois exemplos que presenciei, para ter a certeza que a escarreta não aterra na minha tola:
- Uma professora portuguesa de uma escola em língua veicular portuguesa tinha um colega filipino, residente permanente, e eram ambos professores de línguas. Um dia foram ambos para casa dela trabalhar, e o professor em causa trocou dois dedos de conversa com a empregada da colega, para depois lhe traduzir todas as inconfidências, incluindo o facto da empregada ter dito que a patroa era "muito chata".
- Um casal de residentes permanentes aceitou receber na sua casa uma compatriota sua que havia passado de TNR para a situação de ilegal. Inicialmente sentiram "pena" dela, e pediram-lhe apenas que os auxiliasse a cuidar do filho pequeno de ambos, mas pouco tempo depois começaram a tratá-la como uma escrava, gritando com ela e humilhando-a constantemente. Uma noite levaram os insultos longe demais, a pobre coitada respondeu-lhes, exigindo o mínimo de respeito, e posto isto agrediram-na, e meteram-na na rua sem destino, passavam das duas da manhã.
Estes são casos de que tenho conhecimento, e não estou sequer em contacto permanente com a comunidade. Iguais ou piores que estes devem existir muitos mais, e é pena. Se há algo que os filipinos têm em comum, sejam eles residentes de Macau, cidadãos dos Estados Unidos, TNR ou ilegais, é o facto de todos terem nascido filipinos, e deviam dar as mãos, em vez de morderem a mo do vizinho. E o facto de terem BIR não lhes atribui super-poderes, nem revela uma inteligência acima do normal. O acaso contribui com 99% para que isso aconteça, não o mérito. E isto leva-me ao meu próximo assunto, os filhos dos filipinos residentes, que já nasceram residentes.
E é ao falar desta segunda geração de filipinos com BIR que passo a explicar o título deste "post", e se tiveram a paciência para ler até agora, devem estar com curiosidade. "Laki sa layaw" quer dizer em tagalog "mimado", ou "menino/a mimado/a". E de facto é mesmo assim. Não me canso de repetir que não quero generalizar, mas muitos destes jovens filipinos e Filipinas que conheci não fazem a minima ideia do que é a vida. A maioria nasceu em Macau, e outros vieram para cá ainda novos, e não imaginam sequer o que é emigrar, ganhar a vida, lutar pela próxima refeição, sujeitar-se a privações várias, como os seus compatriotas que aqui chegam numa condição muito pior do que a deles. Sentem-se filipinos, claro, e vão à terra dos pais de férias uma vez por ano. Gostam daquilo, acham piada, e têm resmas de parentes, primos, tios e tias, que olham para eles de baixo, sentindo uma ponta de inveja.
Não existindo em Macau escolas filipinas, estudam nas escolas chinesas ou nas internacionais, os que podem. Muitos falam cantonense, outros falam português (os que têm um pai ou mãe português, e nem todos), mas todos dominam o inglês. A maior parte deles fala tagalog, mas outros nem por isso, ou falam pouco, o que não deixa de ser lamentável. São uma juventude descontente, uma geração X. Nasceram cá mas não são chineses, e como não beneficiam do mesmo desconto que é dado aos portugueses, os chineses olham para eles como sendo "filipinos", e pouco importa que tenham ou não BIR. O seu papel na RAEM do futuro é uma grande incerteza.
Aquele personagem na imagem em cima é Juan Dela Cruz, a personificação do espírito e da unidade do povo "pinoy", o equivalente do Tio Sam para os americanos, ou do nosso Zé Povinho. O folclore filipino tem ainda um contraponto a este símbolo, um tal Juan Tamad, que era tão preguiçoso ("tamad" quer dizer preguiçoso) que se sentava debaixo da árvore à espera que a fruta lhe caísse na mão. Não considero que os filipinos sejam preguiçosos, antes pelo contrário - têm muito mais de Juan Dela Cruz do que de Juan Tamad. O que os leva a ser por vezes rejeitados pelo mundo "globalizado" é o facto de serem um povo singular, com uma cultura e uma identidade muito próprios, em suma, são especiais. Agora só precisam de decidir de que forma desejam ser considerados especiais. No bom sentido, ou no sentido dos "Special Olympics"? Querem fazer-se respeitar, ou continuar a ser os eternos coitadinhos?
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