terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Voando sobre um ninho de ratos


Não sei se os seguidores desta madrassa onde não se aprende nada repararam, mas faz algum tempo que não falo do sr. rato. Onze dias, para ser exacto, e da última vez as coisas não andavam lá muito bem entre nós. Pois quero que saibam que não nos falamos mais, pronto, está decidido. Não é que ele alguma vez me tenha falado de todo, pois é um parvo, um lingrinhas, um palerma que foge sempre que me vê, a mim, que lhe deixava comidinha todos os dias. Leram bem, deixava. Depois de ter andado a procurar a dieta ideal para o sr. rato, encontrei uma que ultrapassa o limite possível da optimização: nada. Desde há mais de uma semana que lhe deixo diariamente deliciosas colheradas de nada, ora recheadas com nicles, ora com molho de porra nenhuma. Ele tem adorado, oui, oui, pelo menos não me deixa cascas de nada debaixo do cadeirão da sala, e não me obriga a deitar fora restos de nada que ele rejeitou. E quanto ao pratinho com o desenho do Templo da Barra que ele se divertia a empurrar depois de encher a pança de rato às minhas custas? Ora, substituí-o por um lindo nada, igualmente com o desenho do Templo da Barra, só que invisível. Adoro o barulho produzido pelo empurrar do nada. Lindo, lindo.

Mas isto quer dizer que o sr. rato fez a trouxa e foi procurar outro trouxa? Quer dizer que bazou? Naaa....isso queria eu, batatinhas! Mas ele lá é rapaz, ou rato-rapaz, para deixar um lar destes, mesmo que eu só lhe deixe nada dentro do nada, quando há um caixote do lixo e outros excrementos domésticos para fuçar? No outro dia deixei o lixo à porta mas depois fez-se tarde e fiquei com preguiça de o deitar no latão. Eram seis da manhã quando o oiço a ratar para dentro do saco, como se fosse um tesouro. Resolvi fechar a porta, virar-me para o lado e dormir. Na manhã seguinte o saco do lixo parecia uma piñata, e lá dentro estava todo feliz o sr. rato, a deliciar-se com os restos de sopa na parede da lata, as migalhas dos pacotes de "snacks", o docinho do topo das latas de refrigerantes, sei lá mais o quê que deitei fora porque me parecia intragável, até para um rato. Mais uma vez enganei-me.

Sei que a maioria dos seguidores destas aventuras do sr. rato fica a torcer para que a peste rabuda tenha um final feliz, certo? Se isto fosse o Tom & Jerry, eu era o gato (nunca sei bem qual é qual), o saco de pancada. Se por acaso há aí um sádico a ler, e que gostaria de ver o sr. rato regressar ao estado de matéria anterior ao de ter adquirido forma de rato, estará certamente a pensar: "Mas se tinhas o rato preso no saco, porque não o esmagaste com o armário mais à mão, ó saloio?". Pronto, vou ignorar essa do saloio, mas respondo já, meu impaciente gafanhoto: "Não vim para esta casa assassinar um residente que já cá estava antes". Se isto apenas por si não quer dizer nada, demito-me da espécie humana, mas só para ter a certeza, gostaria de acrescentar que não tenho por hábito matar barbaricamente criaturas que não me fizeram mal, e nada indica que venham a fazer. Se calhar sou apenas maluco, sei lá, mas não me apetece esmagar um mamífero indefeso e muito mais pequeno que eu.

Mas não pensem que o sr. rato anda fugido. Agora que estou de férias vejo-o praticamente o dia todo, várias vezes por dia. Afinal acho que o bicho sofre de insónias. Ou é hiperactivo. O que mais me irrita é a forma parva como se deixa surpreender. Tem sido dia sim, dia sim, enquanto estou em frente ao computador, tenta descer pelas escadas do sótão, e quando volto a cabeça, atrapalha-se todo e volta a subir. Quer dizer, ele deve substimar-me, ao pensar que não o vou ouvir a descer as escadas de metal com as suas unhas de rato. Ou pensa que sou surdo? Talvez seja vergonha. Sim, isso. Cometeu o pecado original, "cumó outro", e agora pensa que está nu. Depois espreita por cima do alçapão, para ver se eu ainda lá estou, e de facto estou, ali mesmo de pé a olhar para ele. E o que resolve então fazer? Tenta descer outra vez a escada, a meio lembra-se que estou ali, e zás!, volta para trás outra vez. Responda algum curioso em ratologia: os ratos também sofrem de Alzheimer? Acho que este fugiu de algum laboratório.

No outro dia uma cena hilariante, digna de um filme de Chaplin a fazer de Charlô, ou um dos mais dementes do Jerry Lewis. Mesmo vendo-me ali na sala a olhar para ele, arrisca descer, pula para cima do frigorífico, dá com os cornos de rato na traseira do micro-ondas, e plosh!, lá vai ele caindo por ali abaixo tentando agarrar-se aos fios. Uma vez com as patas bem assentes na terra, esconde-se entre a parede e um dos lados do frigorífico, um túnel onde mal dá para enfiar uma mão - não estava a brincar quando disse que o sr. rato é pequeno e esguio. É neste momento que me apercebo que o sr. rato não está a bater bem daquela unha do dedo mindinho de massa cinzenta que tem entre as orelhas, e vou buscar o telemóvel. É desta vez que o apanho e mostro à malta do Facebook. E completamente nu!

A minha estratégia era fotografá-lo quando tentasse fugir da nesga onde se enfiou para a cozinha, onde estão o seu nada de cada dia, bem como o seu caixote do lixo predilecto. O sacana aproveita um segundo de distração da minha parte e flash!, mete-se na cozinha numa fracção do segundo que demorei a coçar os tomates. Raios o partam! Qual Usain Bolt, qual carapuça. Não perdi a esperança e fui até à cozinha. Como aparentava estar combalido e confuso, podia ser que estivesse à mão de semear, tentando recompôr a táctica defensiva, para ver se não era desta que levava com um armário em cima, como sugeriu o leitor malvado. E não me enganei, estava ali ele, meio perdido, sem saber bem para onde ir, a fazer o sua própria reflexão sobre Gaugin, o D'où Venons Nous/Que Sommes Nous/Où Allons Nous dos ratos. Se calhar também esteve no Taiti e foi picado pela "mosca", coitado. E ali estou eu, pronto para registar a imagem do sr. rato, em pêlo e pulgas, e o que faz ele? Volta atrás! Não para cantar esta canção, como a "Portuguesa Bonita" do José Cid: para trás do frigorífico.

O sr. rato surpreende com o seu repentismo, que aliado à sua criatividade e a esperteza de quem quando vê que as balas não incomodam o inimigo, atira-lhe com a pistola, são muita areia para a camioneta de um pobre humano como eu. Quando eu esperava que fugisse para trás das caixas com o detergente, da bilha de gás ou isso, lá está ele a surpreender, a inovar, a criar arte, e faz uma fuga para a rectaguarda, ficando ainda mais distante do seu destino final. Estou a pensar em baptizar o sr. rato de Forrest Gump, o que acham? Fica na pilha do "nim", até ver. Bem, fazia-se tarde e resolvi ir dormir. Não estava com paciência para ficar ali e no fim vê-lo subir de regresso ao ponto de partida, o sótão, e descer ainda mais na minha consideração. Isto foi quando? Na quinta? Não, na sexta. Sim, porque a noite seguinte foi Sábado, e o que se passou é inominável. Pessoas sensíveis, virgens, sofredores de doenças cardíacas e de diarreia explosiva: a partir deste parágrafo seguem por vossa conta e risco. Considerem-se avisados.

Pois é, chegamos a Sábado, e que grande bosta, que não pára de chover. O tempo não está para andar na rua a meter-me com desconhecidas na esperança de encontrar sexo casual, portanto vou comprar umas guloseimas e ficar em casa a curtir a depressão. Fui até ao filipino comprar uns petiscos - coisas com chocolate, resumidamente. Gostei especialmente de uma tal Fudge Barr, um bolinho de chocolate que se come em três dentadas, e a melhor é a segunda: apanha-se todo o recheio...de chocolate. Bem, embebedei-me de doces até às três da matina, e depois fui cozer a mousse de chocolate para a cama. Acordo pelas 8:30 com um barulho do sr. rato diferente do habitual. Mas...seria possível? O filho da grande rata caminhava por cima da minha secretária? A mesma de onde vos escrevo estas linhas? Tudo indicava que sim. Com a excepção do dia em que trouxe para aqui a secretária e ele cagou nela, porque eu ainda não me tinha mudado, nunca o sr. rato ousara trespassar o meu santuário. Mas...porquê???



Pois, eu tinha avisado as pessoas sensíveis e etcetera, não foi. Agora chorem. Bem, voltando ao sr. rato. Então porque estava ali o bicho em cima do meu escritório, pois, fiquei aí. Ora como sou um génio, mesmo quando estou apenas semi-acordado, deduzi facilmente porquê. Não era para escrever um ratter (versão do twitter para ratos) a falar mal de mim. Era o chocolate filipino que ali o levava, e a forma como esgravatava o saco e os pacotes dava a entender que sim, que era isso. Coisas destas é que eu não tolero, porque se o menino quer doces fora da hora das refeições, pede, e se não for muito incómodo, lava as patinhas primeiro, também. Dei-lhe dois segundos de avanço, que para ele chega e sobra, e estico o braço para acender a luz da sala, antes de sair do quarto. Claro que o sr. rato já se tinha enfiado num canto qualquer, e os Fudge Barrs estavam imaculados - graças a Deus pelas embalagens de alumínio.

E pronto, já me tinha dado uma "espertina", e já não voltei para a cama. Vejo o resto do 24 horas, faço o pequeno-almoço, consulto os resultados da bola, enfim, a treta do costume aos Domingos de manhã. Devia passar das dez horas, e quando já nem me lembrava dele, eis que sai o sr. rato de trás da televisão e plim! desaparece pelo buraco da casa-de-banho. Este deve ser o tempo recorde entre uma televisão e um sanitário. Nem os programas do Quim Roscas e do Zé Estacionâncio são capazes de tornar essa distância tão curta. O mais engraçado é que o sr. rato parecia mesmo um desenho animado, pois no arranque mexia as pernas traseiras à ordem das 1200 R/M, e não saía do mesmo lugar. Quanto a mim, ia morrendo de susto. E essa é a conclusão desta epopeia.

E é assim, sr. leitor. Com esta chuva que não cessa desde Sábado, de férias, e obrigado a ficar em casa apenas na companhia do sr. rato, sinto-me como o Conde de Monte Cristo. Com a diferença que tenho TV, internet, aquecimento, uma cama confortável, comida espectacular no frigorífico, e posso sair se quiser - só que depois molho-me. Sou mais o Conde de Monte Crespo. E ele tem andado por aí sim, a mostrar-me aquele truque muito engraçado do escada-abaixo-escada-acima. "Ai que estou nuzinho, e tenho muito medo deste gajo, portanto vou esperar que ele durma, e depois enfio o meu focinho no seu lixo". Pensando bem, podia ser num sítio pior, sr. rato.

Um dia, sr. rato. Um dia...





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