sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A RAEM sopra as velinhas


E como hoje se comemora o aniversário da criação da Região Administrativa Especial de Macau, nada como o artigo de ontem do Hoje Macau, que vem mesmo a propósito. Bom feriado!

A nossa mui estimada Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) comemora amanhã 14 anos de existência. Quem diria. Ainda parece que foi ontem que estava eu no Largo Senado em boa companhia, fazendo jus à ladainha da amizade secular entre Portugal e a China. No ecrã gigante instalado no Largo do Senado, discursavam os presidentes dos dois países que faziam a passagem do testemunho. O primeiro, Jorge Sampaio, falava muito e não dizia nada, como sempre nos habituou, mas o seu homólogo chinês Jiang Zhemin proferiu uma frase que me ficou na memória: “Macau está bem, e os portugueses fizeram um bom trabalho, e agora cabe-nos fazer ainda melhor!”. Bem, as intenções eram as melhores, com toda a certeza, mas passados 14 anos, que balanço podemos fazer? Está melhor, de facto, para alguns. Muito poucos, os mesmos de sempre. Está assim-assim para os restantes, e há quem já se dê por satisfeito por não estar muito pior. Sim, há mais dinheiro, mas como diziam aqueles rapazes lá de Liverpool, “o dinheiro não me compra o amor”.

A génese da RAEM foi única, foi singular, foi original. Não tem pai nem mãe, foi criada em laboratório. Não como um bebé proveta, mas mais como um clone. A RAEM é como a ovelha Dolly, mas numa versão revista e aumentada. Sendo uma menina (“A” região), os 14 anos são uma idade complicada, os anos da rebeldia. É a idade de começar a fumar às escondidas dos pais – se é que não o faz, a julgar pela qualidade do ar que se respira. Aos 14 já é menstruada, o seu corpo está em constante transformação, e isso desperta-lhe a curiosidade. Como não tem Educação Sexual ou os pais para esclarecer as dúvidas, o mais provável é que venha a aprender com gente mal intencionada. É preciso ter cuidado com as más companhias. A sua irmã RAEHK vive do outro lado do rio, mas julga-se superior, corre-lhe sangue azul nas veias, e acha-se demasiado importante para aconselhar a mais pequena.

Mas os padrinhos da RAEM, que sobre ela exercem o poder paternal na ausência de um pai e de uma mãe que lhe amor e afecto, não estão muito preocupados com ela. Sabem muito bem o que têm lá em casa. A RAEM é uma menina feia, gorda, peluda, pouco atraente e muito desenvolvida para a idade. Uma matulona. A culpa é daqueles que a quiseram fazer crescer depressa, que a queriam ver produzir, e que dela se aproveitaram. O plano para que a pequena RAEM se desenvolvesse rapidamente, que se dotasse de um espírito vencedor e se tornasse numa campeã precoce, é mais sinistro que o plano da ex-RDA para as suas atletas de alta competição. Depois de tanta testosterona, nitrofuranos, e sabe-se lá que outras hormonas e drogas maravilhosas, a jovem RAEM já nem sabe bem quem é. Perdeu a identidade, e começa a desistir de a procurar. Está muito pesada, e por isso cansa-se com facilidade. Começa a dar alguns passos na rua, e já está lavada em suor, e só pensa em voltar depressa para casa, para a gaiola dourada que criaram à sua medida. É um frágil florzinha de estufa.

Os homens que a exploram retalharam o seu corpo, e como que num toque de Midas, tornaram o árido e inóspito em convidativo e fértil. Construíram-lhe palácios, cobriram-na de jóias, de sedas de todas as cores, compraram-lhe roupas e adereços de luxo, levam-na em carros de topo de gama a lugares onde tem as luzes da ribalta apontadas só a ela. Ela gosta do dinheiro, claro, mas sente que lhe falta qualquer coisa, um carinho genuíno, um amigo sincero, um abraço apertado antes de adormecer. É um senhor muito rico do outro lado da fronteira que lhe paga todos estes luxos, e os mais cépticos dizem que ela vale muito menos do que aparenta, e que tudo o que a rodeia é perecível, e o seu reino é de plástico. Ouviu falar de uma tal Macau, que existia antes dela, bela, misteriosa, sedutora, e que do seu ventre saíram milhares de filhos de todas as raça, fruto do seu amor por homens de todas as origens, credos e raças. Confusa, pede conselhos ao padrinho, que lhe diz que não dê ouvidos às aves de mau agoiro, e que esqueça a tal Macau: a história começou com ela, faz amanhã 14 anos.

A pobre RAEM vive na sua própria realidade virtual, no seu “Truman Show”, no qual somos todos meros actores. Quando nos pergunta se é eterna, dizemos-lhe que sim, quando todos sabemos que aos 50 partirá deste mundo que nunca chegará a conhecer realmente. Somos todos cúmplices de um crime perfeito. Porquê? Porque sim, querem que eu tire uma razão do rol? E que tal “não vale a pena remar contra a maré”? Dói-nos a alma, vê-la assim, tão ingénua, tão indiferente aos que lhe querem mal. Mas gostamos de a ver sorrir. E por isso amanhã vamos vesti-la bonitinha, com um laçarote rosa no cabelo, e soprar as velas com ela. Vamos esquecer os desgostos, do tio maroto que lhe quis fugir com o mealheiro, ou do actual padrinho, mais frio e distante que o anterior, que também tem culpas no cartório. E o que lhe oferecer? Bom, do jeito que isto está, que tal um plano poupança habitação?

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