sábado, 28 de dezembro de 2013

Dois grandes passos em frente


O Comité Nacional Popular da República Popular da China decidiu em congresso extraordinário abolir os campos de reeducação pelo trabalho, confirmando assim a proposta emanada pelo Partido Comunista Chinês o mês passado. Os campos de reeducação pelo trabalho foram instaurados por Mao Zedong há 50 anos, e curiosamente esta decisão surge dois dias depois da China ter assinalado o seu 120º aniversário. Durante a reunião de seis horas, ficou também decidido aligeirar a política do filho único, sendo permitido agora aos casais terem um segundo filho, contando que pelo menos um dos seus elementos seja ele próprio filho único. Estas medidas são consideradas progressos significativos na situação dos direitos humanos da China, e espera-se que se mexa ainda em temas sensíveis como a liberdade de expressão ou a pena de morte.

Os campos de reeducação pelo trabalho foram uma medida criada para contornar os preceitos burocráticos legais, sendo permitido às autoridades deter alguém sem acusação formada e sem julgamento até um periodo de quatro anos. Esta opção tem servido para oprimir contestatários ao regime ou cidadãos insatisfeitos com decisões dos tribunais ou com situações que consideram injustas, bem como utilizada para que se cometam abusos de autoridade, ou para resolver questões do foro pessoal. Os campos de reeducação pelo trabalho não são prisões, mas andam lá perto; os seus "hóspedes" são sujeitos a trabalhos forçados e lavagens cerebrais, um método usado amiúde por regimes totalitaristas de ideologia marxista-leninista, e muito criticada por governos estrangeiros e associações de defesa dos direitos humanos. Uma decisão que se saúda, e que só peca por tardia.

No que toca à política do filho único, imposta em 1979 para travar a explosão demográfica, tem servido também para que se cometam todos os tipos de atrocidades. Os casais que tenham mais que um filho arriscam-se a pagar uma avultada multa, e são impedidos de registar o recém-nascido. Mulheres grávidas denunciadas por terceiros foram obrigadas a abortar, e a preferência dos casais por uma criança do sexo masculino leva-os por vezes a interromper voluntariamente a gravidez quando sabem que estão grávidas de uma menina. Estas práticas resultaram num desiquilíbrio em número entre os géneros, existindo actualmente 115 homens para cada 100 mulheres no país. Campanhas de esterilização forçadas, encorajamento à prática do aborto ou a perseguição a mulheres grávidas têm sido comuns, e alguns casais que perdem o único filho por acidente ou doença ficam sem alguém lhes dê apoio na velhice.

A política do filho único foi apenas aligeirada, o que significa que não será permitido ter mais de dois filhos, e recorde-se, apenas quando pelo menos um dos casais for também filho único. É discutível se devia existir liberdade plena para os casais terem o número de filhos que bem entenderem, pois é sabido que isto teria um impacto negativo no tecido social da China, onde a pobreza, o analfabetismo e a falta de conhecimentos sobre planeamento familiar são uma realidade. No entanto estas decisões do Comité Nacional Popular são duas decisões que a juntar à da não utilização dos orgãos de prisioneiros executados aproximam mais a China da modernidade, e amenizam os protestos da comunidade internacional. Claro que há ainda um longo caminho a percorrer para que o país do meio se aproxime dos padrões mínimos no que toca ao cumprimento dos direitos individuais fundamentais consagrados nas cartas de liberdades e garantias, mas é um bom começo. Sempre é melhor que nada.

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