sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Uma Galáxia de papelão


Antes do "boom" dos hotéis, dos casinos e dos hóteis-casinos, as festas de Natal da Função Pública realizavam-se em restaurantes normais, de preferência com karaoke, para aquela malta mais desinibida entreter os outros com as suas palhaçadas. Existiam poucos desses restaurantes com serviço de bar-karaoke que se pudessem alugar durante uma noite para a malta ir lá brindar ao Menino Jesus, e as diferentes repartições acabavam por ir sempre aos mesmos, e a única "ginástica" que se fazia era combinar a data. Hoje vamos todos para os "buffets" desses casinos com um hotel e "shopping mall" à volta, que é para isso que eles ali estão. Perdeu-se um pouco do toque humano, pois além do da meia dúzia de mesas que o serviço reserva para a festa, partilhamos o restaurante com dezenas de desconhecidos. Mas pronto, do que é que me estou a queixar? Vou ali para comer e não para tomar banho, e quando fica o papo cheio, fazem-se os salamaleques da praxe, e vou à minha vidinha. Só não lhes digo que não se engasguem nas rabanadas porque estaria a ser hipócrita.

Como referi no "post" anterior, este ano foi a vez do Galaxy acolher o jantar de Natal da malta. Esta é a primeira vez que entrei no Galaxy desde que foi inaugurado, já nem me lembro quando. E interessa quando foi? Não acredito que vão celebrar o centenário qualquer dia. Neste momento alguns leitores estão com os olhos prestes a saltar das órbitras, a cobrir a boca para evitar aspirar os papéis que estão em cima da secretária, tal é o espanto. "Leocardo, nunca foste ao Galaxy???". Nope, e porque haveria eu de lá ir? O que tem o Galaxy de especial anyway? O que tem ele que os outros não tenham? Pelo que me foi dado a observar, o que este Galaxy tem de diferente do resto da casinada chuleca e rasca do COTAI não augura nada de bom. É uma facada na matriz de Macau, na traça característica do território e na sua cultura em geral. Mas já lá vamos. Uma desgraça de cada vez.

Quando inauguraram o Sands, fui espreitar a novidade. Quando abriu o Wynn, dei lá um pulinho durante meia-hora, alguns dias depois. Chegou a vez do Venetian, de longe o mais ambicioso, original, que tanto prometia, e fui lá ver qual era a razão de tanto deslumbramento. Não só não fiquei convencido, como achei que tinha ficado tudo visto. Casino é casino, e tudo o que o rodeia é secundário. Fico contente que a vinda deste investimento tenha criado tantos postos de trabalho, mas tenho dúvidas que tenha contribuído de algum modo para a melhoria da qualidade de vida da população em geral. No início ainda se viam famílias locais inteiras a passear no Venetian, deslumbrados com a novidade, mas cedo se aperceberam que aquilo não era bife para os seus dentinhos. Os preços proibitivos de algumas lojas de produtos de luxo ou de marcas internacionais só permitiam mesmo olhar para as montras e exclamar "waaa..." com carinha de pateta. Os tais "entretenimentos espectaculares" em que as concessionárias prometeram investir a bem da diversificação das opções de lazer nunca chegaram, e o que interessa mesmo é o lucro. Dos casinos, entenda-se. Não foi para fazer a malta de cá feliz que fizeram aqueles aterros que unificaram a Taipa e Coloane.

Foi sem elevadas expectativas que entrei pela primeira vez no Galaxy. E sim, chegado aos paços do hotel-casino, tinha a certeza que era a primeira vez. Já fui a um casamento ou dois no Four Seasons, tenho a certeza disso, estive no City of Dreams, uma vez, e achei horrível, e ainda não entendi muito bem onde fica o Crown. E já agora, o Mandarim fica em Macau não é? Algures no NAPE? Para mim é tudo "same same, but different". O meu filho dizia-me que tinha estado uma vez no Galaxy, e quando lhe perguntei o que achou, disse "nada de especial". Mas a quem me fui lembrar de pedir a opinião. Para ele ver uma tartaruga gigante das Galápagos bater o recorde mundial dos 100 metros "não é nada de especial". Quem já lá foi elogiou as novas salas de cinema, e mais um ou dois detalhes. Foi com isso em mente que me atrevi a passar a fronteira final e entrar no Venetian com as antenas bem sintonizadas, de modo a não perder pitada.

Logo à entrada começo a torcer o nariz: muitas das placas com os nomes dos lugares e com as direcções estão escritas em chinês simplificado, e mais nada. Isto torna-se ainda mais grave à medida que se vai chegando à área de jogo, o casino. Nada em inglês, e já nem falo do português, pois no COTAI a História de Macau começa quando começa o COTAI. Mais tarde notei que trabalham ali alguns portugueses, pois encontrei pelo menos dois no restaurante onde decorreu o jantar. Estão a ali a fazer pela vida como outro trabalhador qualquer, e não soubessem falar pelo menos inglês, não arranjavam emprego nem a varrer o chão. À entrada estão alguns posters dos filmes em exibição nos tais cinemas, e resolvi ir lá espreitar. Vejo que estão a passar "The Secret Life of Walter Mitty", o novo filme com Ben Stiller, uma produção bastante recente. Sei disto não graças ao cartaz, pois tudo o que reconheci dele foi o próprio Ben Stiller. Quanto ao resto, está completamente escrito em chinês, e nada, absolutamente nada, nem o título estão em inglês. Porquê? Não é preciso responder, é uma pergunta retórica.

Foi já com alguma azia que entro no recinto do Galaxy propriamente dito, com a ligeira sensação de que não era bem-vindo. Sentia que não me iam meter na rua, lógico, mas era como se estar ali ou não estar fosse exactamente a mesma coisa. Não tenho cara de quem vai gastar um milhão numa loja de malas ou numa ourivesaria, ou que trazia dez milhões para trocar em fichas. No "lobby" estava um grupo de travestis em exibição. Ladyboys, shemales, gajas com pila, chamem-lhe o que quiserem, vocês sabem do que se trata. Não sei se eram tailandeses ou filipinos, mas podiam até ser suecos, tal eram os quilos de argamassa que traziam no rosto. O meu filho diz de pronto: "pai, pai, olha para aqueles gajos; bué da feios". Podia ter dado um toque no miúdo e dizer-lhe para ser discreto, mas para quê? Eles não percebem, e se estávamos a olhar, eles sabem muito bem porquê. E porque deveria eu repreender o miúdo por dizer a verdade? Estes travestis não estavam ali por acaso - representam tudo aquilo que o Galaxy é: falso, estéril, uma reles imitação.

Como ainda era cedo para jantar, fomos dar uma voltinha para ver as lojas. Nada de novo a oeste. Entre o luxo das jóias e das roupas de marca, e o lixo das tascas de "char siu" ou de "chau mein" iguais às que encontramos na rua, só que mais caras e com uma apresentação melhor, é apenas mais do mesmo. Um restaurante coreano? Uau, outro. Um tailandês? Fazia imensa falta. Yum-cha? Dim-sum? Ainda não tinhamos. Um Jelly Bean? Sim, sei o que é, já vi muitos. Uma Spaghetti House? Mostrem-me lá algo que eu nunca tenha visto. Para quem fica muito impressionado e pensa que aquilo é modernidade, sofisticação e classe, recomendo que apanhe um barco de uma hora e vá passar um dia na RAE vizinha, e pode ser que fique esclarecido. Imagino o que pensam os gajos de Hong Kong quando ali vão. Devem rir a bom rir com aquela foleirice, e da nossa saloiice. Ah pois, têm inveja, o dinheiro e não sei quê. E depois? O que ganhamos nós com o sucesso da Galaxy e companhia? Um cheque de nove mil por ano? Contentai-vos com pouco, ó arraia miúda.

Mas não pensem que estou aqui dizer que o Galaxy é feio, ou alguma espécie de chungaria. Nada disso. É imponente, majéstico, novo, tem um ar super-caro, e está arrumadinho e limpinho. A casa-de-banho está tão imaculada que dava para comer no chão - não se nota um travo a peidinho que seja. O problema é que aquilo não me enche as medidas. Desculpem se discordam deste ponto de vista, mas o Galaxy é uma cópia dos restantes empreendimentos do COTAI, ou até de Macau, para esse efeito. Esta "galáxia" é tal e qual o céu azul daquela praça do Venetian: tudo a fingir, de plástico e de papelão. A água da torneira que corre nos canais do Venetian deve desaguar na tal praia artificial do Galaxy. Quando se aproximava a hora do jantar, perguntei a um empregado onde ficava o restaurante. O rapaz, que até era bem intencionado, só falava chinês, e nem o nome do restaurante conseguiu reconhecer. Da próxima vez que lá for tiro antes um curso intensivo de Mandarim. Em caracteres simplificados, claro.

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