segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Comê qui cuza?


Ofereceram-me o livro "Comê Qui Cuza?", da autoria de Carlos Alberto Anok Cabral, que conhecia apenas das peças dos Doçi Papiaçam di Macau, de que é elemento, e do programa "Ui di Sabroso", onde foi um dos convidados, e cozinhou o prato Fula Papaia com Caranguejo. Carlos Cabral, carinhosamente conhecido por "Calito" entre a comunidade macaense, é o pai, mãe, padrinho, avô e tio deste projecto, que é nem mais que um livro de culinária macaense. Todas as 36 (!) receitas contidas no livro são presença habitual à mesa das famílias macaenses, e sem desprezo pelos restantes autores e autoras de compilações desta riquíssima gastronomia, esta é a mais completa que alguma vez encontrei. E o livro está bem apresentado também. Com excepção da revisão, que contou com a contribuição de Maria Helena Gorgulho Coelho, a obra é inteiramente da autoria de Carlos Cabral.

Como já referi, Carlos Cabral é um dos elementos do grupo Doçi Papiaçam, e por isso o patuá não podia ser deixado de fora. Além do prefácio assinado por Miguel Senna Fernandes, são incluídos comentários do autor em "lingu maquista" um pouco por todo o livro. Na sua apresentação, Carlos Cabral fala da sua relação com a representação, e sobretudo com a culinária macaense. Confessando-se um entusiasta da cozinha desde pequeno, sonhou sempre em publicar um livro onde divulgaria as suas receitas, ideia que ficou reforçada em 2004, aquando da participação de um Concurso da Culinária Macaense, integrado em mais um encontro das comunidades, realizado em Macau nesse ano.

Assim que abri o livro, certifiquei-me que estavam lá os quatro pratos macaenses que adoro e com os quais preciso de "acertar": Lacassá (é logo o primeiro), Porco Balichão Tamarinho (o meu favorito), Capela, e Tacho, esta último também conhecido por Chau-chau pele, como lhe gusto de chamar. O Chau-chau pele é o Cozido à Portuguesa à moda de Macau, o que vale por dizer que quem não gosta deste "prato nacional", não é "filo da terra" que se preza. E agora que se aproxima o Inverno, é altura de começar a pensar em aquecer o bucho com um bom Chau-chau pele. Não faltam ainda o Porco Bafassá, o Sambal Margoso, e claro, o Fula Papaia Caranguejo, além de aperitivos, sobremesas, sopas, e até uma receita de Balichão Macaense.

No livro há ainda três receitas de Minchi, e quando se fala de Minchi, todos ralham e ninguém tem razão - e há pão que chegue e sobre, neste caso Minchi. As receitas de Minchi, um prato de carne de porco e de vaca picada, são um pouco como as impressões digitais: toda a gente tem uma diferente. É um pouco como acontece com todo o receituário macaense, e ninguém chega a um consenso sobre quem faz melhor os inúmeros petiscos desta riquíssima gastronomia. Há ainda um certo ressentimento com o facto de muitos dos especialistas não quererem revelar os seus "segredos", alegando que lhes deu "muito trabalho" para acertar com os ingredientes certos nas proporções ideais. Certamente que o próprio Carlos Cabral será acusado de omitir algum "ingrediente secreto" nas suas receitas.

Mas este jovem autor apresenta-se como um "carola" destas lides da cozinha, numa obra despretenciosa, mas com um cunho especial. Alguns dos pratos são "à sua maneira", e assim temos o Arroz Gordo à Moda do Calito, ou as Pêras Bêbadas à Moda do Calito - ele não comete a arrogância de dizer que é assim que se faz, mas é assim que ele faz. O nosso mestre-cuca faz ainda uma homenagem à sua tia Rita Cabral, outro elemento dos Doçi Papiaçam, acumulando o papel de consultora com o de actriz, mesmo que apenas de recurso. Assim a tia Rita contribui para esta obra com a sua Galinha com Vinho Tinto. São mais de 200 páginas com receitas em versão trilingue: português, inglês e chinês, para que ninguém fique a passar fome. Parabéns a Carlos Alberto Anok Cabral, e já agora, obrigadinho.

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