A questão do preço do imobiliário em Macau e os preços empolados pela especulação são referidos por alguns opinadores como uma "loucura", mas a palavra mais adequada seria "palhaçada". Ainda no outro dia estava a passar perto da Igreja de S. Lourenço quando me detive por um minuto a olhar para o preço das fracções autónomas numa agência ali próxima, e as que estavam na montra vinham com localização, área em pés quadrados e preço, além de fotografias do interior da moradia. Quanto pagaria o leitor num apartamento de 50 e poucos metros quadrados num prédio com 30 ou mais anos, com as paredes e o tecto a cair de podres, casas-de-banho a fazer lembrar as retretes das estações de comboio mais imundas do interior da China, soalho de madeira com tacos soltos, colchões encostados à parede e pouca ou nenhuma luz natural? Quanto? E que tal dez vezes isso? Sim, por esta maravilhosa proposta de habitação que aqui vos apresentei pede-se qualquer coisa como 3 ou 3,5 milhões de patacas. É pegar ou largar.
O pior é que há quem dê esta quantia por uma casa que poucos arrendariam sequer, mesmo em desespero de causa e arriscando-se a dormir na rua durante os próximos tempos. Há quem dê dois milhões por um rectângulo de 4 metros quadrados desenhado no chão de uma cave escura e miasmática e a que chamam "parque de estacionamento". A especulação imobiliária nestes moldes é um jogo, um "bluff". É como se agentes e proprietários estivessem numa sala de um qualquer casino, mas a brincadeira sai cara, e tem reflexo na qualidade de vida da população. É uma sala VIP onde em vez de fichas se apostam pessoas, e as casas do tabuleiro são estas moradias paupérrimas. Quando o deputado Pereira Coutinho se referia ao subsídio de residência dos funcionários públicos, que é actualmente de 1500 patacas como insuficiente "até para arrendar uma sanita" não estava a brincar. Em alguns casos mal chega para se pagar o condomínio. Para muitos que estão a pagar uma hipoteca é necessário reservar a maior parte do vencimento mensal para cumprir com as prestações da hipoteca.
Para quem não tem um ou dois milhões para investir neste mercado imobiliário da treta de modo a pedir ao banco que lhe empreste o resto para comprar uma caixa de fósforos destas e precisa de um tecto, não lhe resta senão arrendar. O preço do arrendamento pode ser considerado acessível, comparado com a da aquisição, e por um apartamento daqueles que descrevi acima ainda se pede tão pouco quanto 4500 ou 5000 patacas mensais. Não valem isso, mas as opções passam por um cantinho debaixo da ponte ou pelo parque de campismo de Hac-Sá. Para quem tem um salário superior a 15 mil patacas alugar um T2 por cinco mil significa dispender um terço do orçamento, e para quem é solteiro economiza partilhando a despesa com um parente ou amigo. Na eventualidade de ser um casal em que ambos aufiram o rendimento acima mencionado, fica tudo mais fácil, mas há casos em que dois casais dividem a renda, tornando esse sacrifício menos dispendioso. O dinheiro que se quer investir no pagamento da hipoteca alheia é proporcional à importância que se dá ao conforto e à privacidade. Os trabalhadores não-residentes empregados na restauração ou como ajudante familiar não se importam de dividir o lar com oito, dez ou mais pessoas, pois afinal estão em Macau apenas a prazo, pelo menos inicialmente.
Quando me separei, vai para dois anos e meio, nunca me passou pela cabeça outra opção que não viver sozinho. Apesar de não me poder queixar da sorte e auferir bem mais que 15 mil patacas (não o triplo disso, nem sequer o dobro, entenda-se) parti à procura de um T1, que como o nome parece indicar, é ideal para uma pessoa. Um quarto, uma casa-de-banho e uma cozinha é quanto baste, além de uma sala para o tempo de lazer - e nem precisa de ser muito grande - e já agora um cantinho para arrumar as tralhas. O mínimo indispensável. Partilhar a renda com outra pessoa com quem não se dorme na mesma cama é algo que me causa arrepios. Já tive essa experiência, quando tinha 20 anos e saí de casa dos pais, e não correu nada bem. Digamos que das coisas desta vida que não se partilham, além da escova de dentes e da mulher, há ainda a acrescentar a casa-de-banho e o frigorífico. Certos hábitos do foro pessoal são ainda factores de peso para que uma vida comunitária desta natureza esteja condenada ao fracasso.
O problema da casa-de-banho é óbvio, e nem é preciso entrar em grande detalhe, e o do frigorífico pode levar à contagem de espingardas, ou neste caso a contagem de latas de refrigerante, fatias de fiambre, gramas de queijo ou restos de comida. E não é só. Por muito amigos que sejam, os co-arrendatários encontram sempre no outro defeitos que os tornam insuportáveis. Diferendos relacionados com quem deixa o quê onde, quem deita o quê fora e em que lugar, de quem a vez de lavar a loiça, ou deitar fora o lixo, e já agora quem faz mais lixo, e nem pensar em levar convidados, e muito menos parceiros sexuais. São mil e uma razões para que pense duas vezes, e que se procure um lugar mais pequeno, mais modesto, mas que se pode disfrutar na plenitude. Sozinho posso chegar à hora que me apetecer, sozinho ou acompanhado, dormir às horas que quiser. deixar a roupa suja no meio da sala os dias que entender, deixar o lava-loiça cheio de pratos, a luz acesa todo o dia - afinal sou eu que pago a conta de electricidade - ver o canal de televisão sem ninguém dar palpites, ouvir a minha música favorita sem incomodar outros, e o meu favorito, andar em casa todo nu no Verão. É o preço da liberdade, meus amigos. Cada um põe o seu.
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