Acordei hoje pelas duas da tarde, o que ninguém diria, a julgar pela ténue e dócil luz do dia que entra pelas cortinas em côr creme bem clarinho do quarto, depois de previamente filtradas pelas paredes do patio onde vivo. Levantei-me, inteirei-me da hora, e fui tartar da minha "toilette", enquanto aquecia umas massas no micro-ondas. Já sentado em frente ao PC desjejuando enquanto via o resto do noticiário da RTPi em diferido no canal 1 da TDM tomei consciência de um facto alarmante: hoje é dia 23, amanhã é a consoada e ainda não comprei nada de nada. Como o pânico não é um dos meus muitos defeitos (quando parece que estou a entrar em pânico é porque tenho mesmo motivos de sobra, e estou sempre com a razão do meu lado), fiquei calmo, ignorei as seis chamadas perdidas e as três mensagens no telemóvel, e acabei de comer - depois eu ligo. Agora um café para me trazer de vez de volta à Terra, uma banhoca, roupa lavada, e vamos lá sair. São três da tarde. Já agora respondo à chamadas e às mensagens antes de sair de casa.
Tinha uma ideia do que ia comprar no departamento das prendas, portanto só me faltava mesmo fazer as encomendas de doces, salgados e derivados, mas apenas como contribuição para a ceia da Consoada, que como já é da praxe, vou fazer fora de casa. E foi essa a minha primeira preocupação: encomendar os pastéis e restantes clichés da mesa de Natal. Só tive penas de não encontrar azevias com recheio chila, e precisar de me contentar com as de batata doce. Este ano em vez da lampreia de ovos, indutora de doenças coronárias e cáries dentárias, optei pelo salame de chocolate. Acho graça ao aspecto dos dentes e dos dedos depois de se comerem duas fatias de salame. É uma imagem que nos reduz à condição de animais, mesmo que racionais, mas animais na mesma.
Fazer as compras não foi difícil, e prestar atenção às montras, entrar nas lojas e remexer as coisas - algo que nunca faço em dias normais - deu-me mais algumas ideias interessantes. O mais complicado é, como sempre, andar pelo centro de Macau com toda aquela gente inútil no meio do caminho. É curioso, pois com excepção das perfumarias, joalherias e outras porcarias, as lojas estão praticamente às moscas. Em algumas das que entrei reinava uma paz e um silêncio que dava vontade de ficar ali o dia todo. Em dois ou três golpes de cintura, consegui comprar quase tudo o que precisava, sendo o restante facilmente adquirível ao virar da esquina. Pude no fim cantar vitória, mas foi uma luta tremenda para ir de casa ao ponto "A", e daí ao "B", "C" e "D", e depois de volta ao "B" e ainda ao "D" no regresso a casa. Nesta última etapa acresceu-se a dificuldade de andar com os sacos nas mãos.
Para os adultos comprei basicamente álcool, cosméticos e cultura, e para os mais pequenos doces. Esta coisa de oferecer bolachas, rebuçados, chocolates e afins às crianças incomoda-me, lembra o comportamento de um pedófilo, mas como é Natal ninguém leva a mal. Eu próprio adorava receber coisas doces no Natal, e para pensar na saúde, e nos dentes e tudo isso já chega o resto do ano. A loja onde comprei as guloseimas foi a
Okashi Land (podem clicar no "link" se estiverem com falta de imaginação), e a mais próxima daqui fica situada exactamente nos portões do Inferno, que é como quem diz, entre a Rua da Palha e a Rua de S. Paulo. Sobrevivi ao mar de gente aos empurrões, aos encontrões, aos berros dos vendilhões de carne assada e aos disparates da senhora da loja da Okashi, que está mais habituada a lidar com os turistas, coitada. E deve ser surda também, a julgar pela forma como gritava a menos de meio metro dos meus tímpanos enquanto me atendia. Agora só para o ano outra vez. Glória a Deus o Osamas nas Alturas, seja o que for que isso quer dizer.
Nunca entro realmente no espírito natalício antes de 20 de Dezembro, pelo menos, e só depois disso é que me preocupo com o jantar da véspera, as prendas e todo o resto. Não me agrada o lado mercantilista do Natal, e de como as lojas começam com um mês de antecedência a fazer as suas "promoções de Natal", um eufemismo para cobrar preços mais altos e disfarçar com o aumento da oferta. E já agora não me agrada muito andar a dizer "Feliz Natal" ou "Boas Festas" às pessoas que encontro quando ainda faltam dez ou quinze dias para o Natal. Fico meio sem graça quando ainda antes do Natal propriamente dito encontro alguém a quem já tinha expressado os desejos natalícios alguns dias antes. Depois ficamos com o quê para dizer? Repetir a mesma coisa, quais maluquinhos? Pelo sim, pelo não, digo a algumas pessoas "...e se a gente não se encontrar outra vez, um bom Natal". Assim deixo espaço para a sequela, em vez de matar logo o mau da fita.
Portanto considerem este "post" o meu "Feliz Natal" oficial, e dependendo da vossa crença/tradição/superstição/esperança, espero que sim, que consigam, que vos aconteça, que passe, que venha ou que fique, e que Deus, Buda, Ganesh, etc. vos guarde do mal. Um abraço suplementar para a comunidade lusófona de Macau, e para a portuguesa em particular, especialmente os que passam o Natal deste lado do mundo pela primeira vez. Pode ser que vos custe celebrar a data longe daqueles que mais amam, dos amigos, do café duas portas ao lado de casa que abria até às dez ou onze do dia 24 e onde se podia ir beber uma "bica" depois do bacalhau, mas tirem disso o melhor que puderem. E já que pensam em ficar alguns anos, aproveitem para conhecer Macau, dêm umas voltas, aprendam alguma história, contactem com as pessoas, e vão ver que começam a gostar. Depois para o ano sentem a diferença: é mais fácil passar esta quadra num lugar que se gosta. Façam dessa a vossa resolução de Ano Novo.
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