A China comemorou ontem oficialmente o 120º aniversário do nascimento de Mao Zedong, fundador da República Popular em 1949, e tido como o unificador do país pela primeira vez em mais de 5000 anos de civilização chinesa. A data foi assinalada um pouco por todo o país, com ênfase em Shaoshan, na província de Hunan, onde nasceu a 26 de Dezembro de 1893. O município natal do "grande timoneiro" foi acusado recentemente de despesismo, investindo centenas de milhões de renminbis nas comemorações. Ao acenar com o facto de se estar a comemorar o nascimento de Mao, calaram-se de imediato as vozes críticas. Já cá não está quem falou. Revolucionário, estratega militar e filósofo, Mao liderou a RP China desde a fundação até à sua morte em 1976. O seu legado assenta sobretudo num culto da personalidade que o próprio fomentou, e ainda hoje é tido como uma figura influente da China moderna, considerado um modelo de virtudes por alguns, e figura-chave do princípio da unidade sob a tutela de um partido único, por outros.
Mao Zedong foi o homem certo no lugar certo num dado tempo. Liderou os comunistas na guerra contra os nacionalistas, saíu vencedor e obrigou o seu ex-aliado Chang Kai-Shek ao exílio na ilha de Taiwan, onde permanece o bastião nacionalista que ainda reclama uma China unificada, mas pelos valores defendidos pelo fundador da primeira república, Sun Yat-Sen. O actual executivo, uma geração de líderes que persistem no modelo socialista de governação mas com uma visão mais economicista dos princípios revolucionários, usa a imagem de Mao como símbolo da unidade, especialmente junto das massas menos educadas. Quando o "grande timoneiro" proclamou a unidade da nação na Praça Tiananmen naquele dia 1 de Outubro de 1949 e afirmou que o povo chinês "se havia levantado", conquistou os seus corações. Actualmente o regime defende que Mao "não estava 100% correcto", ou que "não é um Deus". Ironicamente este tipo de afirmações sairiam-lhes muito caro há 40 anos, durante o auge do maoísmo e da Revolução Cultural.
O que Mao fez, ao unificar a China e pôr um fim à Guerra Civil foi importante, mas na hora de sair de cena e entregar o poder, hesitou. Mao não era propriamente um políico, e muito menos um político capaz de lidar com uma nação que era a quarta maior do mundo em dimensão e que nos primeiros dez anos cresceu em mais de cem milhões de habitantes. Mao defendia um modelo de socialism utópico, com a colectivização de todos os meios de produção e um estado em pleno controlo de todos os aspectos da vida da população. Os seus dois planos quinquenais falharam rotundamente, dando origem a um periodo de fome que custou a vida a mais de 30 milhões de chineses. A tentativa de afastamento da liderança do partido e da nação por parte de Liu Shaoqi e Deng Xiaoping levaram-no à consolidação do poder através da Revolução Cultural, um período que constará certamente dos anais da História como um dos mais loucos, e que levou a China a um atraso estrutural do qual só viria a recuperar décadas depois. De todos os erros de Mao, este terá sido o mais grave.
A China é uma civilização que acordou do lado errado da História. De uma das mais desenvolvidas até há 2000 anos, mergulhou num marasmo feudalista até inícios do século XX, e após o evento da primeira república ficou entregue aos senhores da guerra e à mercê dos invasores japoneses. Depois do colectivismo de Mao e das reformas de Deng, tornou-se numa sociedade onde enriquecer passou a ser prioritário, criando uma elite de ricos e mantendo uma maioria de indigentes, sem que se conseguisse atingir um equilíbrio que seria possível com uma gestão sensata, que Mao nunca conseguiu no seu tempo por defeito, e os actuais dirigentes por excesso. E este sempre foi um país de excessos. O Mao que os chineses comemoraram ontem não olharia com bons olhos para esta China de hoje, mesmo que de mal em mal seja ligeiramente melhor que aquela que ele próprio deixou - pelo menos é mais próspera, e conquistou o seu lugar de actor nas grandes decisões globais. Não fosse ele ateu assumido, e estaria a olhar triste lá de cima, do Céu que ele nunca acreditou existir.
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