Assinala-se hoje mais um dia mundial da luta contra a SIDA, a peste do século XX, que em pleno século XXI continua a reclamar milhares de vida em todo o mundo, em especial nas nações mais pobres da África e da Ásia. Quando o presidente norte-americano Bill Clinton decretou em 1995 que o dia 1 de Dezembro passaria a ser dedicado ao combate a este flagelo, estaria longe de imaginar os progressos que viriam a ser feitos nesse sentido. Com o investimento feito na pesquisa médica e maior conhecimento sobre o HIV, o vírus que causa a SIDA, é possível tratar a doença como qualquer outra doença crónica, como a diabetes. Nos países desenvolvidos os governos subsidiam os doentes com HIV, e disponibilizam de forma gratuita os medicamentos retorvirais que os permitem viver com qualidade durante vários anos. Durante a primeira década após a identificação da doença, no início dos anos 80, um diagnóstico positivo era o equivalente a uma sentença de morte.
Esta evolução no combate a uma doença que há vinte anos era mortal tem levado à sua relativização. Uma notícia recente dá conta do aumento do número de casos na Grécia. Como forma de combater a austeridade e obter os 700 euros de subsídio destinado aos doentes de HIV, são muitos os gregos que em desespero se infectam voluntariamente com o virus, o que levou o número de casos a triplicar nos últimos dez anos. O fim do pânico leva ainda a que se descure o aspecto da prevenção, nomeadamente o uso do preservativo, uma forma eficaz de evitar a transmissão pela via sexual. É um facto que a incidência é actualmente menor, mas a doença existe; por exemplo, em Portugal no ano de 2011 viviam 34 mil pessoas com HIV, e morreram 500. São 0,7% em termos de incidência menos de duas mortes em cada dez casos, mas será isto tão pouco que valha a pena baixar a guarda? Vale mesmo a pena correr o risco e tratar a SIDA como um problema do passado? Este dia serve para nos lembrar que não, e que é preciso continuar atento.
É nos países mais pobres que a SIDA continua a proliferar e a espalhar a morte. A África subsariana é a mais afectada, com cerca de um quarto da população infectada em nações como o Botswana, Lesoto e Suazilândia. Mesmo na África do Sul a incidência é de 17%, com mais de 300 mil mortes por ano - é actualmente o país do mundo onde mais se morre de SIDA. As mulheres e as crianças, os mais inocentes, em suma, são o segmento da população em que se regista o maior crescimento em número de infecções por HIV. A corda continua a quebrar do lado do mais fraco. Se na Europa ocidental a epidemia está mais ou menos controlada, no leste continuam a aumentar os casos, nomeadamente na Ucrânia e na Rússia. Neste último o número de infecções por HIV cresce a um ritmo alarmante todos os anos, e terá ultrapassado um milhão no ano passado. O governo russo é um dos que menos investe na prevenção, tratamento e investigação da doença, que ainda é considerada um tabú. Não é fechando os olhos para o problema que ele desaparece. Pelo contrário, a tendência é para que se torne ainda maior.
Se a medicina permitiu mortalidade diminuisse, pouco fez para eliminar o estigma que a SIDA carrega, praticamente desde a sua descoberta. Os primeiros casos foram detectados em homossexuais, depois toxicodependentes e mais tarde em trabalhadores da indústria do sexo, altura em que se concluíu que o virus não escolhia género, classe ou orientação sexual - e porque havia um virus de ter qualquer dessas preferências? Em Macau o problema é tratado como um mal menor, e a doença é considerada um exclusivo dos grupos de comportamento de risco. Apesar do aumento do número de casos nos últimos anos, foram apenas registados 24 novos seropositivos este ano, e a maioria dos infectados continuam a ser trabalhadores não-residentes. Contudo, a prevalência manifesta-se sobretudo nas relações heterossexuais desprotegidas, e perante esta evidência, não existem motivos para discriminar ninguém. Hoje pode ser uma prostituta ou um indivíduo promíscuo, mas amanhã pode ser um pai ou mãe de família. Para quê facilitar?
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