E chegamos a 1986, o ano do fim da idade da inocência (seja lá o que isso quiser dizer). A 23 de Janeiro são introduzidos os primeiros artistas no célebre "Rock'n'Roll Hall of Fame". Os primeiros contemplados com esta honra são Chuck Berry, James Brown, Ray Charles, Fats Domino, Everly Brothers, Buddy Holly, Jerry Lee Lewis e Elvis Presley. A 27 de Março os Van Halen dão início à sua primeira "tour" com o novo vocalista Sammy Hagar, depois da saída de David Lee Roth, e a 3 de Maio a belga Sandra Kim torna-se a mais jovem vencedora do Festival da Eurovisão, com apenas 13 anos. A 10 de Maio realiza-se o casamento entre Tommy Lee, baterista dos Mötley Crüe, e a actriz Heather Locklear; seria o primeiro de dois casamentos do vicioso músico da banda de "glam-rock" que fariam os restantes homens ficar com o queixo à banda: o outro foi com Pamela Anderson. A 30 de Junho, Madonna lança o seu terceiro álbum, "True Blue", que seria o mais vendido desse ano, enquanto o single com mais cópias vendidas seria "Rock me Amadeus", do austríaco Falco. Os Queen iniciam a 7 de Julho a sua última digressão com Freddie Mercury enquanto membro da banda, dando um concerto memorável em Wembley, e em Novembro o álbum "Licensed to Ill", dos Beastie Boys, torna-se o primeiro álbum de hip-hop a chegar ao nº 1 do top da Billboard. Recuando um pouco nos meses, a 28 de Março ocorre um nascimento que para a música "pop" será o equivalente à vinda do Messias: nasce Lady Gaga. E o que andava a malta a ouvir em 1986, afinal?
John Farnham nasceu em 1949 em Inglaterra, mas aos 10 anos imigrou para a Austrália com a família, e foi aos 15 anos na cidade de Melbourne que iniciou a sua carreira artística. Primeiro conhecido por "Johnny" Farnham, passou por vários grupos antes de iniciar em 1980 a sua carreira a solo, e aos vinte e poucos anos era, imagine-se, um "ídolo juvenil", o "docinho" das adolescentes. O seu maior êxito a solo foi sem dúvida este "You're the Voice", um tema da autoria de Andy Qunta (Icehouse), Keith Reid (Procol Harum) e Maggie Ryder and Chris Thompson (Manfred Man's Earth Band), que Farnham incluíu no seu álbum "Whispering Jack". O single foi lançado na Austrália em 1986, onde chegou a nº 1, com toda a naturalidade, e no ano seguinte no Reino Unido, onde chegou a nº 6 do top-40 da tabela de singles, e no resto da Europa, tendo atingido o topo dos "charts" na Alemanha, Noruega, Suécia e Dinamarca, mas ficou-se por um modesto nº 82 da Billboard norte-americana, onde só chegaria em 1990. Não deviam haver vôos da Qantas, provavelmente.
Os Cutting Crew são um grupo britânico de Sussex, que tiveram "sussex" (ah, ah) com o single "(I Just) Died in Your Arms", do seu álbum de estreia "Broadcast", de 1986. A canção tem uma origem interessante: o seu autor, Nick Van Eede, tinha acabado de ter relações sexuais com a sua namorada (que indiscreto...), e lembrou-se do título da música porque em francês a expressão "la petite mort" (uma pequena morte) é uma metáfora para "orgasmo", e portanto, ele tinha "acabado de morrer nos braços dela nessa noite", como reza aliás o refrão. Seria a namorada francesa? Esse é um detalhe que não é revelado, mas a verdade é que o single fez um enorme sucesso após o seu lançamento no Verão de 86, chegando a nº 4 no Reino Unido e ao top-10 em praticamente todos os "charts" europeus. Quando chegou aos "States" em Janeiro do ano seguinte, foi nº 1 da Billboard. A verdade é que depois deste "tirinho", os Cutting Crew não mais tiveram um single de destaque, apesar de continuarem no activo até hoje. O guitarrista Kevin McMichael morreu - literalmente - em 2002, aos 51 anos.
Ao contrário dos Cutting Crew, de que falei no parágrafo anterior, os australianos Crowded House tiveram mais que apenas um sucesso, desde "Something So Strong", "Distant Sun", ou ainda o divertido "Chocolate Cake", mas é por este taciturno "Don't Dream It's Over" que são mais conhecidos. Formados em Melbourne em 1985, seria com o primeiro single do seu álbum de estreia homónimo que teriam mais sucesso, chegando ao nº 2 da Billboard e a nº 1 no Canadá, isto apesar do modesto nº 27 no Reino Unido. Paul Young viria a gravar uma versão do tema em 1991.
Os Level 42, uma banda de jazz-funk originária da Isle of Wight, no Reino Unido, foram uma das bandas mais promissoras de 1986, e muito graças a este "Lessons in Love", um tema de que são recordados pela maioria dos que deles ouviram falar. O single ia apresentar o sétimo álbum da banda, "Running in the Family", mas o seu sucesso individual fez atrasar a saída do LP em quase um ano. "Lessons in Love" foi nº 3 no Reino Unido, nº 12 na Billboard, mas chegaria a nº 1 em alguns países, entre eles a Alemanha, a Suíça e a África do Sul. Os Level 42 nunca conseguiram obter o mesmo sucesso com outro single, e mesmo o tal álbum "Running in the Family" ficou mais conhecido por "aquele que tem o 'Lessons in Love'".
Bruce Hornsby é um pianista com formação clássica, que graças às suas raízes vindas do "jazz", do "funk" e da sua colaboração com os Grateful Dead, bem como das suas energéticas apresentações ao vivo, tornou-se um nome respeitável, sobretudo nos Estados Unidos. Com o seu grupo The Range gravou em 1986 o álbum "The Way It Is", de onde saíu este single com o mesmo nome, que foi nº 1 na Billboard, no Canadá e nos Países Baixos, ficando-se pelo nº 16 no top do Reino Unido. A letra tem uma forte componente cívica, transmitindo uma mensagem contra o racismo e contra a xenofobia, fazendo referência à Lei dos Direitos Civis de 1964. Talvez por isso (ou daí talvez não), o "rapper" Tupac Shakur se tenha inspirado no tema, e retirado grande parte dos seus "samples", para o seu single "Changes".
E a Europa, ou melhor os Europe, estiveram em festa nesse Verão de 1986, com "The Final Countdown" a tornar-se um dos maiores êxitos desse ano. O grupo sueco de "glam rock" vendeu mais discos do que pães acabadinhos de sair do forno com este tema muito "hard" e ao mesmo tempo melódico, que foi o primeiro single do seu terceiro álbum, chamado igualmente "The Final Countdown". A canção foi nº 1 em 25 países, incluíndo o Reino Unido, que já tinham tido a sua conta de suecos com os ABBA, e foi nº 8 na Billboard, vendendo um total de cinco milhões de unidades - foi o terceiro single mais vendido nesse ano. Do mesmo álbum sairam ainda outros singles mais ou menos conhecidos, como "Rock the Night", "Cherokee" ou a balada "Carrie". A banda de Joey Tempest tentou repetir a gracinha em 1999, à beira da "contagem final" para o milénio (oh, oh), mas sem o mesmo impacto, apesar de se ter vendido razoavelmente na altura.
Os Status Quo são uma banda britânica de "rock", género de que foram pioneiros, e apesar de terem menos sucesso, andam por aí há mais tempo que os próprios Rolling Stones! Só que em 1962 chamavam-se "The Scorpions" (interessante, isso), depois mudaram para "The Spectres", durante algum tempo foram ainda conhecidos por "Traffic Jam", e finalmente desde 1967 que estão neste estado de coisas, mantendo o Status Quo. Uma das bandas de referência do sub-género "boogie rock", tiveram bastante sucesso durante os anos 70, e fizeram vibrar a audiência do Live Aid com a sua interpretação de "Rockin' All Over the World", um original de John Foguerty, originalmente do ano de 1975. Em 1986 obtiveram alguma visibilidade com este "In The Army Now", do álbum com o mesmo nome, uma espécie de "G.I. Blues" dos anos 80, que foi nº 2 no Reino Unido, e nº 1 na Irlanda, Alemanha e Suíça. Curiosamente o tema é um original do irmãos Roland e Ferdi Bolland, que o escreveram em 1981, mas os Status Quo alteraram ligeiramente a letra. Para quem está agora a pensar "mas estes gajos ainda são vivos?", a resposta é "sim", e ainda no ano passado fizeram um filme biópico "Bula Quo!", que fizeram acompanhar de mais um álbum, o trigésimo da sua carreira.
Os Psychadelic Furs são um grupo britânico que emergiu da cena "punk" em 1977, e já durante o surgimento do "new wave" conseguiu atingir o auge com o álbum "Talk Talk Talk", de 1981, que continha este single, "Pretty in Pink". Cinco anos depois John Hughes realiza um filme com o mesmo nome, com os elementos do "Brat Pack" Molly Ringwald e Andrew McCarthy nos papéis principais, e a banda reedita o single, atingindo então o nº 18 do top do Reino Unido, e entrando no top-100 da Billboard, ficando-se pelo nº 43. Os Furs continuam no activo, mas sem grande notoriedade.
Stan Ridgway é um cantor-instrumentista californiano que ficou célebre por ser o vocalista da banda Wall of Voodoo, do início da década de 80. O projecto teve algum sucesso, nomeadamente graças ao single "Mexican Radio", de 1983, mas durou pouco, com Ridgway a preferir fazer uso da sua voz profunda para enveredar por uma carreira a solo. Do seu primeiro trabalho nessa condição, "The Big Heat", o destaque vai para o single "Camouflage", nº 4 no top-40 do Reino Unido e nº 2 na Irlanda, que conta um episódio estranho - desconhece-se se verídico - que ocorreu durante a Guerra do Vietname. Estranhamente Ridgway, que é muito "cowboy", é mais popular no Reino Unido do que na sua América natal.
E para acabar em beleza, senhoras e senhores, Samantha Fox! A cantora inglesa que a minha malta daquela altura tratava carinhosamente "Samantha Foda" (por razões óbvias) teve neste "Touch Me (I Want Your Body)" o seu tema de maior sucesso. O single foi nº 3 no Reino Unido e nº 1 em vários países europeus, incluíndo Portugal, claro, e era acompanhado de um vídeo muito sugestivo, que quando passava no Top Disco da RTP, era observado religiosamente pela malta - para podermos entender melhor este fenómeno da "pop" de que éramos ávidos consumidores, entenda-se. Aham. mas já que falamos do vídeo, que tenho aqui a honra de apresentar, reparem nos figurantes usados para a sua realização. A maior parte daqueles miúdos que ali estão a assistir à Samantha a rebolar-se e abanar os marmelos enquanto produz sons de quem se está quase a vir, não devem ter mais de 11 ou 12 anos, quanto mais 18, o que seria recomendável, legalmente falando. Mas pronto, assim aprenderam mais qualquer coisa, o que até não faz mal de todo. A malta que o diga.
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