Este rapaz que vemos aqui a segurar um cartaz é Sulu Sou Ka Hou, uma das caras do grupo "Consciência de Macau", além do já mais que conhecido Jason Chao. Os mais atentos devem-se recordar de Sulu da última campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa, em Setembro de 2013, quando concorreu como nº 2 de Au Kam San na lista da Associação Novo Macau (ANM), então com apenas 23 anos. Na altura foi elogiado pelos seus dotes oratórios, bem como pelo seu conhecimento sobre temas da actualidade relacionados com Macau, falando de política como "gente grande". É uma das cabecinhas frescas e pensadoras que amiúde ainda vamos vendo aparecer por aí - o que se saúda, e que venham mais como ele.
Sulu Sou adere, participa em manifestações, sai para a rua de punho cerrado denunciando as injustiças e pedindo mais transparência governativa. Sulu Sou segura cartazes onde manifesta a sua indignação com o tão badalado tema do apoio pecuniário aos detentores de grandes cargos públicos, que depois de terminarem funções ao serviço da RAEM, passam a auferir mensalmente 30% do rendimento que ganhavam na altura em que cessam essas mesmas funções. Uma decisão controversa e que não se entende muito bem; é sabido que o exercício de um cargo público não é dirimente da prática de negócios privados, e os agentes públicos estão apenas impedidos de ocupar o cargo de sócio-gerente de uma empresa - isto para não falar da promiscuidade entre a política e o mundo empresarial, mas deixemos isso de lado, que o diploma como está já dá pano para mangas.
E isto para não falar de que muitos destes cargos são remunerados generosamente, e em alguns casos estes 30% podem-se considerar uma "reforma dourada" - muito boa gente não ganha ao fim de uma vida de trabalho uma fracção do que se propõe que os objectos deste dimploma ganham ao fim de 10 anos de "serviço". A proposta tem causado desconforto mesmo entre elementos do Executivo, e especialmente na Assembleia Legislativa, e como sempre são os grupos considerados "do contra a expressar mais ruidosamente a sua insatisfação por aquilo que consideram "mais uma injustiça". A ANM, na pessoa de Au Kam San, esteve esta semana a recolher assinaturas contra o diploma, e Lei Kin Yun, da Associação Activismo Para a Democracia fez o mesmo, enquanto Jason Chao e Sulu Sou fazem deste o seu maior cavalo de batalha.
No cartaz que Sulu segura nesta imagem lê-se que o Governo "está a deitar mão aos dinheiros públicos", e nas letras maiores, em cima, faz um trocadilho a esse respeito. Na sua página do Facebook, de onde retirei esta imagem (com a devida vénia, já agora) o jovem activista pede para que façam "like", demonstrando assim o apoio à causa do seu grupo. No texto ao lado da imagem, antes de pedir que se clique então no botão do "like", lê-se isto:
想不到葡國海盜走了,來了群特區土匪,明搶澳門人公帑...
E agora, o que quer aquilo dizer, para quem, como eu, é analfabeto sínico? Qualquer coisa como: "Finalmente
livrámo-nos dos piratas portugueses, e agora temos ladrões encartados a roubar dinheiro da população de forma legal". Sim, ladrões, ainda por cima surrupiando o erário público a cobro da lei, que vergonha, mas...piratas? Portugueses?
What the dickens? E não se trata de exagero ou erro de tradução, pois "葡國" significa "Portugal", e "海盜" quer dizer literalmente "piratas". Quem tiver algumas noções de chinês identifica concerteza o primeiro caracter, "海", que significa "mar". Se vive num destes blocos de apartamentos com o nome "mar qualquer-coisa", vai reparar que está ali aquele boneco nas letras à entrada do edifício. Piratas do mar, portanto. Nós. Arrrr....
Quando penso em "piratas do mar", vem-me muita coisa à cabeça: pala no olho, papagaio no ombro, perna-de-pau, que é também o nome de um delicioso gelado da Olá, Barba Ruiva, Capitão Gancho, Jack Sparrow, navios ostentando um pavilhão negro com uma caveira branca, a cantilena "oh, oh, oh, e uma garrafa de rum"...enfim, os "clichés" a que nos habituámos. Quando pensamos nos nossos navegadores, autores dessa tão consagrada epopeia que deu novos mundos ao mundo, pensamos em tipos elegantes, bem vestidos, de barba aprumada ou sem barba de todo, vestidos de ceroulas, lendo as estrelas através do nónio, do quadrante, do sextante, adivinhando o caminho para as Indias através da dor no calo do dedo do pé, actos de heroísmo, etc.,etc. Agora...piratas? Outra vez: Arrr....
Veio-me imediatamente à memória a controvérsia levantada pelo deputado Au Kam San em Dezembro de 2007 (podem também recordá-la
aqui, este blogue começa a tornar-se uma Torre do Tombo), quando disse em plena Assembleia Legislativa que "em 8 anos este Governo conseguiu roubar mais que os portugueses em 400). Os deputados Pereira Coutinho e Leonel Alves, em representação dos portugueses - "of sorts" - manifestaram imediatamente o seu repúdio por aquilo que consideraram um insulto, enquanto os restantes, a quem foi chamado "50 vezes mais ladrões", riam e/ou ignoravam o colega do Novo Macau. Com esta dos piratas não fiquei tão indignado quanto curioso. E fui perguntar junto dos meus familiares do lado chinês e colegas naturais de Macau o que é isto de nos chamar "piratas" - repito, curioso sim, sem dúvida, ofendido nunca, até porque...Arrrr....
Fiquei a saber então que tudo o que aprendemos na escola sobre a chegada e permanência dos portugueses em Macau, deste convívio amigável e secular e que ambos não se cansam de referir, aprende-se aqui de um jeito completamente diferente. Enquanto a nossa versão dos factos fala de entrepostos, porto com importância estratégica no sul da China, foro pago aos mandarins, e tudo mais, nas escolas chinesas de Macau ensinam-lhes que nós somos "piratas". Nem é com requintes de malvadez nem nada que se pareça; é assim que eles se referem aos portugueses quinhentistas que chegaram a Macau: piratas. E vejam lá vocês que nos nossos livrinhos de História até se fala de que os portugueses ajudaram os pescadores da região a combater piratas que amiúde abordavam as suas inofensivas embarcações. Que injustiça. Arrr....
E não foram uma, duas ou cinco pessoas a dizerem-me isto, e o mais interessante é a naturalidade com que o dizem: "- Piratas? Sim, os portugueses eram piratas, não eram?". Deve ser apenas uma forma carinhosa de nos tratarem, tipo "seus piratinhas marotos", pois uma acusação destas podia muito bem causar dissabores, com os locais a apontarem-nos o dedo na rua, chamando-nos PIRATAS! BANDIDOS! alto e bom som, atirando-nos com pedras e cuspindo-nos em cima. Um cenário semelhante ao que se passou durante o período do "1,2,3", nos finais dos anos 60, quando foi necessário os representantes da comunidade chinesa apaziguarem os ânimos. O que terão dito então fico agora a questionar. Terá sido qualquer coisa como "Deixem lá os piratas em paz?", e nós agradeciamos com gentileza, dizendo-lhes "Obrigado pela vossa misericórdia, arrr.....".
Conhecendo bem este povo, a ser mesmo verdade que os portugueses eram "piratas" - e note-se que nem uma designação mais suave, tipo "corsários" se lembraram de nos chamar - já nos tinham feito a cabeça em água, exigindo pedidos de desculpas a torto e a direito, e acusando-nos de "negar um passado belicista e agressor" por descrevermos nos livros os nossos navegadores como sendo meramente "comerciantes". Iam querer que a estátua de Jorge Álvares, em vez de um simples marinheiro de barba aparada e ceroulas, a apontar para cima com o dedo, mostrasse um tipo corcunda, de barba comprida e preta, pala no olho e perna de pau, gancho numa mão e espada na outra, garrafa de rum no bolso do casacão e um papagaio ao ombro, lendo um mapa do tesouro enquanto murmurava "arrrr...". Arrr...
Assim fico a pensar que afinal em vez de especiarias, era de tesouro que enchiamos as naus, e depois escondiamos o saque numa ilha ou atol remotos, e que em vez da evangelização viemos aqui promover o deboche. O que não lhes passa pela cabeça é que os piratas chegam, sacam e vão embora, estão-se nas tintas para eles - e agora com todo o respeito, por favor não me obriguem a andar na pracha e servir de almoço aos tubarões. Assim não há Fórums de Cooperação, Intercâmbios e Condecorações que resistam. O prof. Cavaco Silva tinha vindo no último fim-de-semana "bater cabeça" e pedir desculpa cem vezes a Chui Sai On, e não atribuir-lhe um grau honorífico. Portanto como é, esclarecemos isto a bem, ou vai ser preciso forçar a abordagem? Arrr....
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