sábado, 24 de maio de 2014

A caminho do Brasil: o nosso fado


Agora que já falei das oito selecções que se sagraram campeãs mundiais, chegou a hora de abordar outras que tiveram igualmente percursos notáveis no mundial, sem deixar de fora outras que deixaram a sua marca, quer pela positiva, quer pela negativa, ou até apenas pela sua simpatia. Até dia 4 de Junho vou tentar dedicar um "post" à Holanda, México, Estados Unidos, às selecções de cada confederação da FIFA, e ainda mais algumas curiosidades, permita-me o tempo e a disposição. A partir de dia 5 e até ao arranque do mundial do Brasil propriamente dito, proponho-me a analisar cada um dos grupos, deixando o meu (humilde) prognóstico. Para iniciar esta nova fase de temas, nada como começar com a selecção de todos nós, Portugal, que mais uma vez nos vai obrigar a "sofrer", e suspender qualquer fibra de imparcialidade que exista dentro de nós. Portugal participa apenas pela sexta vez em fases finais, e das restantes participações há duas que foram memoráveis, duas desastrosas e uma assim-assim. Vamos entã olhar para este historial, que mesmo curto tem tanto para se dizer.


Otto Glória, que (quase) nos levaria à glória.

Portugal falhou as primeiras sete fases finais de mundiais de futebol, ora por culpa da Espanha, adversário na fase de qualificação em 1934 e 1950, da Suíça, que nos eliminou em 38, ou da Áustria, que nos afastou do mundial de 1954 com um rotundo 9-1 em Viena. Em 1958 ficámos no último lugar de um grupo com a Irlanda do Norte e a Itália, apesar de uma excelente vitória por 3-0 sobre os transalpinos, que também ficaram em casa nesse anos, e em 1962, com uma das melhores equipas de sempre, ficámos em 2º lugar num grupo com a Inglaterra e o Luxemburgo. Finalmente em 1966, para nosso contentamento, Portugal atinge a maturidade para participar numa fase final da festa do futebol, vencendo o Grupo 4 da zona europeia, onde estava a Checoslováquia, finalista do mundial de 62, a Roménia e a Turquia. Decisiva terá sido a vitória em Praga a 25 de Abril de 1965, e pode-se dizer que esse foi o nosso 25 de Abril futebolístico. O mérito ia em grande parte para Otto Glória, um técnico brasileiro que em 1954 chegou ao nosso país para treinar o Benfica, onde ficou inicialmente durante cinco anos. Em 1959 mudou-se para o Restelo, para o Belenenses, que naquele tempo era também um dos grandes do futebol português. Dois anos depois faz uma curta passagem pelo Sporting antes de rumar a Marselha, e depois de volta ao seu país natal, onde orientou o Vasco da Gama, e em 64 de regresso a Portugal, para treinar o FC Porto. A Federação Portuguesa de Futebol endereça-lhe o convite para orientar a selecção como treinador, mas como acumulava essa função com o trabalho nos dragões, o selecionador era oficialmente o português Manuel da Luz Afonso. Em 1965 regressa ao Sporting, e no Verão seguinte viaja com a selecção para Inglaterra, onde iria ajudar a escrever uma das páginas mais bonitas da nossa história.


Os "magriços" do nosso contentamento.

A equipa portuguesa leva o cognome de "Os Magriços", em homenagem a um cavaleiro Português do século XIV, que, juntamente com 11 colegas, viajou para a Inglaterra para participar num torneio para defender a honra de doze damas inglesas que não conseguiam encontrar cavaleiros ingleses dispostos a fazê-lo. A história é contada por Luís de Camões em "Os Lusíadas", e apesar de ser de vracidade duvidosa, não deixa de servir como uma luva para um mundial que ia ser disputado em terras britânicas. Dos 22 atletas escolhidos, a preferência recaiu sobre os jogadores do Benfica, vencedor da Taça dos Campeões em 61 e 62, e finalista em 63 e 65. Além do guarda-redes José Pereira e do defesa Germano, a equipa-tipo era composta do meio-campo para a frente por jogadores do Benfica : Mário Coluna, José Augusto, António Simões, José Torres e a grande estrela da companhia, Eusébio da Silva Ferreira, artilheiro-mor das três últimas edições do campeonato português. Na rectaguarda estavam os sportinguistas Hilário e João Morais, este mais conhecido pelo "golo olímpico" que deu a vitória ao Sporting na edição de 1964 da Taça das Taças, e Vicente, do Belenenses, que viria a fazer parte do onze ideal dessa edição do mundial.


Portugal seria colocado no Grupo 3, o mesmo do bi-campeão mundial Brasil, e sediado em Manchester e Liverpool. No jogo em abertura em Old Trafford frente à Hungria, as coisas não podiam ter começado melhor, com José Augusto a marcar no primeiro minuto. Ferenc Bene empataria para os "magiares" aos 60, mas o mesmo José Augusto voltaria a colocar Portugal em vantagem sete minutos depois, e já no cair do pano, Torres faz o terceiro. Portugal tinha uma entrada de "leão", pois os húngaros eram considerados favoritos à passagem para a fase seguinte, juntamente com os brasileiros. No segundo jogo nova vitória, desta feita por 3-0 frente à Bulgária, com Eusébio a dar dizer finalmente "presente", apontando o segundo golo aos 38 minutos, após Vutsov ter colocado os "magriços" na frente do marcador com um autogolo aos 17 minutos. Torres faria o terceiro aos 81, e Portugal liderava o grupo, pois o Brasil, quq havia derrotado a Bulgária no primeiro encontro por 2-0, com golos de Pelé e Garrincha, tinha perdido frente à Hungria por 1-3.


Morais, o "carrasco" de Pelé.

Portugal mudava-se então de Manchester para Liverpool para defrontar o "escrete", que estava obrigado a vencer para não ser eliminado, e logo na fase de grupos. Eram conhecidos os problemas físicos de Pelé, a braços com uma lesão, e a única forma de parar o Brasil seria parando o "rei". E foi com isto em mente que os "magriços" entram em Goodison Park, onde não podiam ter desejado melhor começo, com Simões a fazer o primeiro golo aos 18 minutos. Mesmo debilitado, Pelé era um perigo constante, e alvo de marcação atenta, ora por Coluna, ora por Vicente. Mas seria João Morais quem ficaria encarregado do "regicídio", e logo após Eusébio fazer o 2-0, o defesa do Sporting faz não uma, mas duas entradas de seguida "a matar" às pernas do craque brasileiro, que sai do campo levado em ombros pela equipa médica do Brasil, sem conseguir sequer colocar os pés no chão. Mesmo sem o seu "farol" em campo, o Brasil ainda reduziria aos 70 minutos, por Rildo, mas Eusébio bisava aos 85, garantindo a vitória na partida e no grupo, e determinando a eliminação precoce dos bi-campeões mundiais.


Vencedor do Grupo 3, Portugal ganhava o direito de continuar no Goodison Park, onde nos quartos-de-final ia defrontar a sensacional Coreia do Norte, que no Grupo 4 chocou o mundo do futebol ao eliminar a Itália, derrotando os transalpinos no último jogo por 1-0. Pareciam favas contadas, e o golo de Pak Seong-Zin no minuto inicial era entendido como um ligeiro acidente de percurso, só que aos 25 minutos, quando Yang Seung-Kook faz o 3-0 para os coreanos, Portugal e o resto do mundo abriam a boca de espanto, incrédulos. Eusébio decide então "abrir o livro", e reduz para Portugal dois minutos depois, ainda os queixos continuavam caídos, e fazia o segundo de "penalty" ainda antes do intervalo, aos 43 minutos. Otto Glória dá um enorme puxão de orelhas aos jogadores no intervalo, e no reatamento Eusébio empatava aos 56, e marcava novamente de "penalty" três minutos depois - estava reposta a normalidade. As pernas dos jogadores coreanos não chegavam para mais, e José Augusto ainda teria tempo para fazer o quinto golo, a dez minutos do fim. Um grande susto que terminaria com uma jornada gloriosa para Portugal, que na estreia em fases finais de campeonatos do mundo, atingia o "final four". O jogo Portugal-Coreia do Norte pode ser visto aqui na íntegra.


Portugal ia agora a Wembley discutir um lugar na final, e o adversário era a equipa da casa, a Inglaterra. Os ingleses temiam a selecção nacional, nem que fosse pelo facto de terem o dobro dos golos marcados: 14 contra 7 da equipa de Alf Ramsey, apesar dos ingleses ainda não terem consentido nenhum golo, enquanto Portugal tinha sofrido 5. Diferenças à parte, era o dia do capitão Bobby Charlton, que marcou aos 30 e aos 80 minutos, com Eusébio a reduzir de "penalty" aos 82. As lágrimas do "Pantera Negra" no final do jogo foram uma imagem que correu mundo, e símbolo da abnegação e do amor à camisola das quinas. Na partida para o 3º lugar, Eusébio marcaria mais um golo na vitória por 2-1 frente à União Soviética, e sagrava-se melhor marcador do torneio com 9 golos, mas não mais voltaria a pisar um palco do campeonato do mundo; na qualificação para o México 1970, Portugal ficaria em último num grupo com a Roménia, Grécia e Suíça, e apesar de uma excelente participação no torneio do 150º aniversário da independência do Brasil, em 1972, onde perde apenas na final com os brasileiros, falha o mundial da Alemanha dois anos depois, ficando em 2º lugar no Grupo 6, atrás da Bulgária. Bastou um mundial para que Eusébio escrevesse história para o futebol português.


Apesar das sucessivas gerações de jogadores com classe, a selecção voltaria a falhar a participação nas fases finais de 1978, na Argentina, e de 1982, na Espanha - já parecia malapata.
Subitamente, e quando ninguém esperava, uma selecção portuguesa orientada por uma comissão técnica liderada por Fernando Cabrita qualifica-se para o Europeu de 1984 em França, e no torneio final cai apenas nas meias-finais frente à equipa da casa, já no prolongamento. O ex-magriço José Torres vai então ocupar o cargo de selecionador, com a qualificação para o mundial do México em 1986 no horizonte. Num grupo com a poderosa Alemanha Ocidental, Suécia, Checoslováquia e Malta, a selecção das "quinas" sonhava com uma das duas vagas para a fase final, mas depois de uma derrota em Praga a 25 de Setembro de 1985, fica a fazer as já habituais "contas" de cabeça, e a depender de resultados de terceiros. A 12 de Outubro vence Malta no Estádio da Luz por 3-2, num jogo de muitos nervos, e quatro dias depois viaja até à Alemanha, para defrontar a poderosa selecção de Beckenbauer no Neckarstadium, em Estugarda. Antes dessa partida, a Suécia perde também com os checos, e caso Portugal vencesse os vice-campeões mundiais, qualificava-se para o mundial. Na antevisão da partida José Torres dizia apenas: "deixem-me sonhar", e este foi um dos dias em que os sonhos se tornam realidade. Depois de aguentar a pressão alemã durante os primeiros 45 minutos, Carlos Manuel "estoira" e manda uma "bomba" a poucos metros da entrada da área dos alemães, e deixa Harald Schumacher pregado ao chão a ver a bola entrar no fundo da sua baliza. Depois foi sofrer, sofrer e sofrer, mas no final fez-se a festa: Portugal voltava a um campeonato do mundo 20 anos depois da epopeia de 66.


Os rapazes de Saltillo, de má memória.

Portugal fica colocado no Grupo F com a Inglaterra, Polónia e Marrocos, e sitiado na cidade de Monterrey, conhecida pela sua elevada altitude. José Torres levava o melhor lote de jogadores portugueses disponível, nomes como Carlos Manuel, na altura conhecido como "herói de Estugarda", Jaime Pacheco, António Sousa, Fernando Gomes, Álvaro Magalhães, Antóniuo André, Augusto Inácio, Rui Águas e outros, capitaneados pelo guardião Manuel Bento, do Benfica, e com uma "arma secreta" na bagagem, o jovem Paulo Futre, então com 20 anos, orquestrador dos dois campeonatos ganhos pelo
FC Porto nesses dois anos. De fora ficava o jogador-sensação do Euro dois anos antes, Fernando Chalana, a braços com uma lesão, e o avançado Manuel Fernandes, que tinha sido o melhor marcador do campeonato pelo Sporting, com 30 golos - uma decisão que levantou algumas críticas. Uma contrariedade à última da hora seria a ausência de António Veloso, depois do defesa benfiquista ter falhado um controlo "anti-doping", sendo substituído por Bandeirinha, na altura jogador da Académica. Em todo o caso, o optimismo reinava entre a comitiva, sabendo que os melhores terceiros classificados se apuravam, e o último jogo do grupo seria contra os modestos marroquinos. Nada fazia prever a cadeia de acontecimentos que se seguiu, que ficaria tristemente conhecida por "caso Saltillo".


A estreia não podia ter corrido melhor, com uma vitória por 1-0 frente à Inglaterra, com Carlos Manuel a voltar a fazer o papel de herói, marcando o golo da vitória aos 76 minutos. Na altura do segundo jogo contra a Polónia, que terminaria com uma derrota também por 1-0, o caldo tinha ficado entornado. Bento lesionou-se depois do jogo com os ingleses, e seria substituído na baliza por Vítor Damas, e os jogadores começavam a ficar impacientes devido a um diferendo com a Federação Portuguesa de Futebol devido ao pagamento dos prémios de jogo, e ameaçavam fazer. Eram reportados casos de indisciplina no local do estágio, em Saltillo, que incluiam contactos com prostitutas, e foi neste ambiente de cortar à faca que Portugal se apresentava no jogo decisivo contra Marrocos. O empate seria suficiente para ambas as equipas seguirem em frente, mas os portugueses entrariam com uma apatia fora do normal, que seria aproveitada pelos magrebinos, que aos 26 minutos já venciam por 2-0. A equipa nunca mais se encontrava, e sofreria o terceiro golo aos 62, e de nada valeu Diamantino ter reduzido a dez minutos do fim; Portugal ficava no último lugar do grupo, e as consequências de Saltillo valeram aos participantes deste "filme" um ano de suspensão. Com uma equipa de recurso e o jurista Ruy Seabra como selecionador, Portugal falhou o apuramento para o Euro de 1988, na Alemanha, e já com a equipa completa e Juca no banco, falharia também o mundial de Itália, em 1990. Na última partida em casa frente à Checoslováquia só uma vitória por 4-0 servia, e desta vez não houve milagre que nos valesse.


A segunda metade da "geração dourada", vencedora do mundial de juniores em Lisboa.

E é então que de repente, Portugal ganha dois campeonatos do mundo de futebol!...na categoria de juniores. Como que do dia para a noite, os sub-20 portugueses, orientados pelo Prof. Carlos Queirós, ganham o mundial de 1989 na Arábia Saudita, e dois anos depois em Lisboa levantam o segundo "caneco" - era o início da "geração dourada", que anos depois daria cartas em torneios internacionais. Mas enquanto a geração não amadurecia, Portugal continuava a falhar torneios, e depois do Euro 92, foi o mundial dos Estados Unidos, como o mesmo Queirós à frente de uma selecção muito jovem, que jogava bem mas não seria capaz de se qualificar no lugar da Itália ou da Suíça. Queirós bate com a porta e fala de "porcaria" na Federação, e com António Oliveira no comando, Portugal qualificava-se para o Euro 96, na Inglaterra, a primeira competição em dez anos, e ficava-se pelos quartos-de-final. Apesar da eliminação frente à Rep. Checa, a selecção deu boas indicações, e com vista ao mundial de França em 98, a FPF chama Artur Jorge, que em 1992/93 tinha vencido o campeonato francês ao serviço do Paris SG - parecia ter o perfil ideal para o projecto. Mas não correria tão bem como o desejado, a passagem do "Rei Artur" pelo reino das "quinas"; a qualificação começa com um empate a zero na Arménia, com Oceano a desperdiçar um "penalty", dá-se o desaguisado entre Sá Pinto e a equipa técnica, com o jogador a agredir o selecionador e o seu adjunto, Rui Águas, durante uma concentração da selecção, e numa partida contra a Alemanha em Berlim, no Olympiastadium, Portugal ganhava vantagem com um golo de Pedro Barbosa aos 70 minutos, dominava os alemães e via já a França no horizonte, só que o árbitro Marc Batta, que curiosamente era francês, expulsa o médio Rui Costa com um segundo cartão amarelo, alegadamente porque o jogador "demorou muito tempo" a sair do campo quando se preparava para ser substituído por Sérgio Conceição. A Alemanha empataria quase a seguir por Ulf Kirsten, e Portugal ficava a ver mais um mundial em casa pela televisão. Fim do reinado de Artur Jorge.


António Oliveira, mais uma vítima do "sistema".

Humberto Coelho entra como novo técnico e dá um novo "elan" à selecção, e no mesmo dia em que se qualifica para o Euro 2000, a UEFA atribui a organização do Euro 2004 ao nosso país. Dupla festa, portanto, e nesse Verão de final de milénio, Portugal deixa uma boa impressão no europeu, perdendo nas meias-finais com a eventual campeã, a França, com um "penalty" de Zidane no prolongamento por morte súbita, que deixou os jogadores nacionais furiosos, ao ponto de alguns terem sido alvo de acção disciplinar, e suspensos por alguns meses. Sai Humberto Coelho, volta António Oliveira, que seria feliz na qualificação para o mundial da Coreia e do Japão, mas depois nem por isso. Portugal qualifica-se com o mérito de deixar de fora a Holanda, que falha o mundial, e para isso contribuíu bastante uma vitória por 2-0 em Roterdão, num dos primeiros jogos do grupo de qualificação. Para o primeiro mundial em 16 anos, Oliveira conta com uma maioria de elementos da "geração dourada", mais alguns jogadores que entretanto foram despontando, casos de Pauleta, Sérgio Conceição, Petit ou Nuno Gomes. A estrela da companhia era Luís Figo, vencedor do prémio de jogador do ano da FIFA em 2001, mas o desgaste provocado pela época no Real Madrid, que ajudaria a conquistar mais uma Liga dos Campeões, era evidente, e outros jogadores apresentavam índices físicos abaixo do desejável. Outra contrariedade seria a exclusão de Daniel Kennedy à última da hora, após o jogador do Marítimo ter acusado uma substância proibida num controlo "anti-dpoing", que alegou ser "um medicamento dietético", e para o seu lugar foi o jovem Hugo Viana. Um mundial noutro continente depois de um bom europeu, e um jogador substituído por causa de "doping" trazia uma sensação de "dejá vu" - cheirava a Saltillo.


Não foi bem Saltillo mas andou próximo. Depois de um estágio em Macau marcado por alguns equívocos e saldado por uma vitória por 2-0 num particular frente à China no Estádio da Taipa, Portugal parte para a Coreia, onde se estreia a 5 de Junho contra aos Estados Unidos, em Suwon. A equipa estava confiante, talvez até demasiado, e quem se aproveitou da passividade dos lusos, que pensavam que a vitória surgiria com naturalidade, foram os norte-americanos. John O'Brien maracava aos 4 minutos, e aos 29 um autogolo de Jorge Costa deixava tudo mais complicado, e pior ainda ficaria quando Brian McBride fazia o 3-0 aos 36 minutos. A defesa portuguesa metia água por todos os lados, mas seria da rectaguarda que renascia a esperança, com Beto a fazer o 1-3 ainda antes do intervalo. No segundo tempo os norte-americanos limitavam-se a gerir a vantagem, e Portugal fazia o que podia, mas era manifestamente pouco. Aos 71 minutos Figo, que se notava não estar nada bem, preciosa o defesa Jeff Agoos, que mete a bola no fundo da sua própria baliza, fazendo o 2-3, mas Portugal nunca pareceu ter argumentos para evitar a derrota. Balanço da estreia no mundial em terras do Oriente: um desastre.


Para a partida com a Polónia, Oliveira faz algumas alterações, e tenta recuperar a equipa em termos anímicos, e parece conseguir algum sucesso, pois a seguir aos fiasco com os americanos, veio uma goleada por 4-0 sobre a Polónia, com "hat-trick" de Pauleta. Só que esta equipa parecia um carrossel emocional, e contra a Coreia do Sul, onde se jogava o tudo ou nada, os jogadores perdiam por completo a cabeça. Beto é expulso por acumulação de amarelos, e cinco minutos depois seria João Pinto a ver o vermelho, após agredir o árbitro argentino Ángel Sánchez. A jogar com nove, estava borrada a pintura, e pior ficaria quando Park Ji-Sung fez o único golo do encontro, que servia de guia de marcha de regresso a Lisboa. Já na capital portuguesa, Oliveira é bastante criticado, e deixa sem glória a selecção.


Luiz Filipe Scolari: o "sargentão" que revolucionaria a selecção em termos de mentalidade.

Em vias de organizar um campeonato europeu, a FPF decide apostar num treinador estrangeiro, na tentativa de acabar com alguns "vícios internos", e a escolha recai sobre nem mais nem menos que o brasileiro Luiz Filipe Scolari, que tinha acabado de levar o "escrete" ao penta no Japão. Scolari começa por mudar algumas coisas, entre elas o nº 1 da selecção, escolhendo Ricardo Pereira, do Boavista, e que em 2003 assinaria pelo Sporting, em detrimento de Vítor Baía. Scolari passaria a contar desde o início com a jovem estrela do Manchester United, Cristiano Ronaldo, que se viria a tornar na figura maior da selecção, e com o brasileiro Deco, entretanto naturalizado português e elegível para jogar na selecção. A decisão não seria consensual, pois apesar de Baía ter ficado mal no retrato durante o "naufrágio" na Coreia, o FC Porto vencia a Taça UEFA em 2003 e a Liga dos Campeões em 2004. Scolari não se desvia um milímetro das suas convicções, e leva Portugal à final do europeu, perdendo com a Grécia, que também tinha vencido a selecção das "quinas" no jogo de abertura. Viu-se grego, Scolari, mas o seu trabalho foi considerado positivo, e a FPF aposta na continuidade com vista ao mundial de 2006 na Alemanha. Na qualificação para o mundial, termina o grupo em 1º lugar, com uma goleada histórica por 7-1 sobre a Rússia. Para a fase final em terras alemãs, contava ainda com a experiência de Luís Figo, regressado à selecção depois de anunciar o abandono após o Euro. Tinha tudo para dar certo, este quarto mundial de Portugal, 40 anos depois dos "magriços" nos terem enchido de orgulho na Inglaterra.


Para a Alemanha, Scolari escolhia 23 jogadores, e mais uma vez não dava ouvidos a ninguém, deixando de fora o extremo do FC Porto Ricardo Quaresma, eleito melhor jogador do campeonato nesse ano. Pode-se dizer que Portugal teve sorte no sorteio da primeira fase, pois num grupo com México , Irão e Angola, ficar pela primeira fase seria proibitivo. Depois de uma vitória por 1-0 contra os angolanos, com um golo de Pauleta logo aos quatro minutos a ilustrar uma exibição pouco conseguida, segue-se outra vitória, desta feita por 2-0 frente ao Irão. Já com o apuramento garantido, Scolari opta por uma equipa de segundo plano na partida contra o México, e mesmo assim vence por 2-1. Depois foi só aguardar o desfecho da partida entre a Argentina e a Holanda para saber quem ficaria no 2º lugar do Grupo C, e depois do 0-0 final, seriam os holandeses. A "laranja mecânica", treinada pela sua antiga glória Marco van Basten, tinha contas a ajustar com os portugueses, com a eliminação do mundial de 2002 e as meias-finais do Euro 2004 que Portugal venceria por 2-1 bem frescas na memória. O encontro desta segunda fase do mundial da Alemanha ficaria conhecido por "Batalha de Nuremberga", nome inspirado na batalha travada entre o exército norte-americano e a Alemanha nazi em entre 16 e 20 de Abril de 1945, no culminar da II Guerra mundial.


O dia aqui era 25 de Junho de 2006, e o jogo ficaria para a história como o mais quezilento de todas as competições organizadas pela FIFA, com 16 cartões amarelos e quatro vermelhos a serem mostrados pelo árbitro russo Valentin Ivanov. O homem do apito também não ficou isento de culpas, pois "caiu" na estratégia holandesa, que aproveitando-se da fama da equipa portuguesa em simular faltas e "ferver em pouca água", adoptou uma posição hostil desde o início do encontro, com provocações constantes e entradas duras sobre os jogadores portugueses, e aos 7 minutos já o defesa Khalid Boulharouz e o médio Mark van Bommel tinham sido admolestados com cartão amarelo. Maniche marcaria o único golo aos 23 minutos, três minutos depois de Costinha ver também ele o amarelo. Aos 34 minutos Scolari é obrigado a tirar Cristiano Ronaldo, alvo preferencial da "fruta" holandesa, e no seu lugar entre Simão. Em cima do intervalo Costinha vê o segundo amarelo, e adivinhava-se uma segunda parte de grande sofrimento. Só que os holandeses caíam na sua própria armadilha, e como ninguém lhes disse que o sr. Ivanov só tinha cartões para mostrar aos portugueses, Boulharouz seria também expulso aos 63 minutos. As equipas jogavam a partir de então com dez elementos cada, mas o equilíbrio só duraria quinze minutos, até à expulsão de Deco. Portugal mantinha a vantagem de forma heróica, e Giovanni van Bronckhorst seria também expulso, já nos descontos, e o apito final chegava como um alívio, com Portugal a qualificar-se para os quartos-de-final, e Scolari a ficar com um recorde pessoal: 11 vitórias consecutivas em fases finais de mundiais.


Nos quartos-de-final, uma velha conhecida, a Inglaterra, treinada por outro velho conhecido, o sueco Sven Goran-Eriksson. Os ingleses sabiam que tinham pela frente um "muro", e se fosse preciso o próprio Scolari ia lá para dentro "dar o litro", e por isso, com Costinha e Deco suspensos, a FA inglesa tentou ainda que a FIFA suspendesse Luís Figo, devido a uma alegada agressão no jogo frente à Holanda que o árbitro "não viu". A FIFA não foi na conversa, mas se os ingleses estavam com receio que alguém lhes fizesse mal, foi Ricardo Carvalho quem viria a ter razões de queixa, quando Rooney confundiu as "jóias da coroa" do jogador portuguesa com bagos de uva, e julgou estar na época de fazer o mosto. Carvalho sobreviveu aos pisões de Rooney no carvalho (ah, ah), mas o avançado seria expulso. Beckham também não terminaria a partida, pois saiu todo "roto" e foi para a bancada chorar (típico), e o jogo foi para prolongamento depois de 0-0 ao fim dos 90 minutos. Aí também ninguém se decidia a marcar, e na lotaria dos "penalties", Portugal inscrevia mais um nome na galeria dos seus heróis: Ricardo, que defendeu três remates dos ingleses. Portugal, tal como em 66, voltava a estar nas meias-finais de um mundial. Duas em quatro tentativas, nada mau.


Nas meias-finais apareceu uma França que não era em nada superior à nossa equipa, mas tinha Zidane, e quem tem Zidane, tem tudo. O franco-argelino marcaria de "penalty" aos 33 minutos, e os franceses acharam que mais valia não aborrecer os lusitanos, e foram "mastigando" o jogo. Portugal esteve sempre mais perto de empatar que a França de fazer o segundo, mas mais uma vez esfumava-se o sonho de atingir a final. No jogo para o 3º lugar mais uma derrota, desta feita com a Alemanha por 3-1, e estranhamente Scolari continuaria mais dois anos, resistindo às ofertas tanto de clubes, como de selecções, sempre com a Inglaterra a piscar-lhe o olho. Acabaria por sair em 2008, depois de perder nos quartos-de-final do Euro 2008, e dava a sensação que estaria com pressa.


Carlos Queiroz, o "enfant terrible" dos treinadores nacionais.

Com Scolari fora de cena, regressa Queiroz, 14 anos depois de ter falhado a qualificação para o mundial dos Estados Unidos - aparentemente já não existia tanta "porcaria" na Federação. A lógica obedecia mais ou menos à mesma aquando da contratação de Artur Jorge em 1996: Queiroz nasceu em Moçambique, o mundial era na África do Sul, portanto...pois, eu sei, portanto nada. Só que desta vez as coisas até correram melhor do que com Artur Jorge, pois apesar dos precalços (que incluiram um empate em casa a zero frente à Albânia), o professor acabaria por qualificar Portugal após um "play-off" duplamente vitorioso contra a Bósnia-Herzegovina. O problema parecia ser a falta de alternativas no último terço do terreno, a ausência de um "matador". E como nem sempre C. Ronaldo resolvia, optou-se pela naturalização do brasileiro Liedson, sem grandes resultados práticos. Praticamente com a mesma estrutura que Scolari deixou em 2006, Portugal ia para o primeiro mundial em África, mesmo que Figo, Pauleta e Deco já não estivessem ao serviço da selecção, na baliza Eduardo ocupava o lugar que Ricardo tão bem tinha cuidado e das novidades a maior revelação viria a ser Fábio Coentrão, extremo-esquerdo feito lateral por Jorge Jesus no Benfica.


O grupo parecia teoricamente acessível, pois apesar do Brasil ser o cabeça-de-série, os restantes adversários eram a acessível Costa do Marfim e a enigmática Coreia do Norte, de onde existiam boas recordações desde 66. E bem hajam os norte-coreanos, que seriam a melhor recordação que levariamos de África. Na estreia contra os marfinenses, que com excepção de Drogba e mais dois ou três jogadores a alinhar em campeonatos europeus, era bastante banal, deu-se um empate a zero, e mais uma vez o onze de Queiroz parecia não ter soluções para penetrar nas defensivas adversárias. Contra a Coreia do Norte, que vinha de uma honrosa derrota por 1-2 frente ao Brasil, Portugal tirou a barriga de misérias, e venceu por 7-0, o resultado mais volumoso das cinco participações lusas. Raúl Meireles marcou aos 30 minutos, quebrando a "fechadura" defensiva dos coreanos, que no segundo tempo ousaram tentar discutir o resultado por Portugal, e desguarnecendo a rectaguarda, foram sofrendo golos atrás de golos, e quantos mais sofriam, menos sabiam como evitá-los. Coube a vez a quase todos, com destaque para Tiago, que bisou, Liedson, Hugo Almeida, Simão, e C. Ronaldo, que marcava finalmente depois de vários meses em branco. No terceiro jogo contra o Brasil de Dunga, bastava um empate a zero para seguir em frente, mas para evitar a Espanha nos oitavos seria obrigatório ganhar, e a eliminação dependia de uma diferença de golos que parecia impossível de acontecer. Posto isto, Portugal e Brasil empatavam a zero, e não se falava mais nisso.


Era então altura de levantar a cabeça e enfrentar os espanhóis, uma equipa recheada de estrelas, jogadores habituados a elevados níveis de pressão, e definitivamente mais motivados e com mais opções na frente que a equipa portuguesa, que parecia ligada por fios prestes a se descoserem. Portugal foi resistindo, e aos 58 minutos Queiroz resolve apostar no empate, e depois "logo se vê", e tiro único avançado de raíz, Hugo Almeida, colocando no seu lugar Danny, outro municiador a juntar a Simão e C. Ronaldo, para um homem lá na frente que simplesmente não existia. Ainda faltava muito para arriscar a decisão na lotaria dos "penalties", e Ronaldo chamava a atenção para esse facto, com o famoso "ó Carlos, assim não ganhamos!". E efectivamente havia muito para jogar, e logo cinco minutos depois de fazer asneira, Queiroz vê a Espanha adiantar-se no marcador por David Villa, que estava ligeiramente adiantado em relação à defesa portuguesa, mas nada de bradar os céus. Mas devia estar distraido a olhar para alguma bunda sul-africana, o selecionador nacional, pois ainda demorou dez minutos para lançar Liedson na partida; não que adiantasse muito, pois a "roja" tinha a situação controlada, e foi só deixar o tempo passar. Quem não passou mas ficou foi Queiroz, que começou a qualificação para o Euro 2012, e foi preciso os jogadores mandarem-lhe um sinal: um empate em casa frente ao Chipre e uma derrota na Noruega eram a justa causa que a FPF precisava para mandá-lo embora. E deste vez nem encontrou nenhuma porcaria. Talvez se se olhasse ao espelho...


Paulo Bento devolveu alguma "tranquilidade" à selecção nacional.

Paulo Bento chegou mesmo a tempo de limpar a caca deixada por Queiroz, e a selecção voltou a jogar futebol atraente - pelo menos para as suas capacidades reais. Foi o preciso um "play-off", nas no Europeu da Ucrânia e da Polónia, Portugal chega às meias-finais, vence Dinamarca, Holanda e Rep. Checa, e só perde nas meias-finais frente à Espanha nas grandes penalidades. No apuramento para o Brasil surgiram algumas complicações, como a derrota na Rússia, empates em casa com Israel e Irlanda do Norte, mas uma vez mais a alma lusitana viria ao de cima no "play-off", com uma exibição de luxo na Suécia e uma vitória por 3-2, com Cristiano Ronaldo a realizar uma exibição de sonho coroada com um "hat-trick", decisiva para vencer a Bola de Ouro respeitante ao ano de 2013. Quer gostemos ou não de Paulo Bento, é nele que teremos que confiar para levar os nossos rapazes a uma jornada gloriosa, ou pelo menos uma que dignifique o nome daqueles "magriços" lá em cima. Valeu?

Sem comentários: