O Chefe do Executivo da RAEM, Fernando Chui Sai On, veio hoje anunciar a suspensão da votação do diploma da proposta de lei que estabelece um regime de garantias para os titulares dos principais cargos públicos, uma decisão tomada depois de uma "semana horribilis" para o Executivo, com protestos de rua contra o diploma, e uma série de "gaffes" cometidas por algumas figuras da nomenclatura, e que em nada ajudaram a pôr água na fervura. Acompanhado da secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, e do porta-voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng, o CE anunciou ainda que o diploma segue agora para consulta pública depois de se procederem às alterações necessárias, e apresentou ainda um pedido de desculpas à população pela demora em decidir-se pela solução, e julgo ainda pela forma pouco hábil com que o fez - isto estando limitado pelo que me chega das traduções, é óbvio.
Eu, pela parte que me toca, desculpo o CE, não lhe guardo rancor, e espero que esteja mais atento da próxima vez, e saiba ler os sinais que indicavam apenas num único sentido: fazer cair a proposta. Não é por acaso que saíram à rua vinte mil pessoas, gente de todas as idades, estratos sociais e até alguns habituais apoiantes do Executivo. Estar contra uma lei não é a mesma coisa que estar contra o Executivo, e é saudável que as pessoas se manifestem pacificamente, como aconteceu, e é um erro de palmatória tratar esta demonstração como um simples "fait-divers". Era urgente agir com rapidez, o que não veio a acontecer, e no fim o CE estende a mão, sujeita-se à tal palmatória, e faz a devida retracção. Tudo bem, era isso mesmo que devia ter feito, e mais vale tarde que nunca. Se confiou em alguém que lhe tenha dito para ignorar a "vox populi" e submeter a lei a votação na mesma, então foi mal aconselhado.
Não é inédito o que aconteceu em Macau, não revela sinal de fraqueza, nem chega a ser um atestado de incompetência - pelo menos da parte do próprio Chui Sai On, ou apenas dele, claro. Não sinto que seja necessário procurar aqui responsáveis pela falácia da proposta, um "bode expiatório", e se a lei é mesmo necessário (continuo a achar que não, atendendo às características de Macau e da sua Economia), então que se revejam os aspectos que levaram a população às ruas reclamando tratar-se aqui de uma "injustiça". Penso que o artº 4º, o tal que se refere à imunidade do CE devia ser o primeiro a submeter-se à "cosmética", e as tais subvenções de que os detentores dos altos cargos públicos virão eventualmente a beneficiar devem também ser revistas - em baixa, logicamente. Os valores são simplesmente demasiado altos, e se é verdade que actualmente há dirigentes que exercem os cargos há década e meia (estão protegidos por outros tipos de regime, mas isso é outra conversa), no futuro existe o risco de premiar quem trabalha meia dúzia de anos de forma mais generosa do que quem trabalha vinte ou trinta, e nunca chega a usufruír das regalias contempladas nesta versão da lei.
Penso que será excusado continuar a bater nesta tecla, agora que Chui Sai On veio emendar o erro. Os seus opositores podem usar este incidente no futuro, mas isso só os virá fazer perder razão. É preciso agora olhar para a frente, repensar seriamente a lei que agora acaba de cair, e tentar ter um pouco mais de tacto da próxima vez. Sinceramente gostaria que o actual CE fosse reeleito, pois de facto é difícil pensar numa alternativa fora da elite que tem governado Macau desde a primeira hora dia 20 de Dezembro de 1999: mesmo que não primem pelo brilhantismo, estes dirigentes que temos são "the devil we know" - "o diabo que já conhecemos", e portanto pelo menos sabemos com o que se pode contar. Se isto afectou a sua imagem, penso que não existem dúvidas, mas esta é uma oportunidade para Chui Sai tomar finalmente o pulso à governação, e mostrar-se mais atento ao que se passa no terreno. É bom também que escute as opiniões, e evite a petulância que demonstrou no último Domingo, quando se recusou a receber os organizadores da manifestação. Não estou a dizer que era obrigado a recebê-los, e certamente que ele consegue justificar a recusa de mil e uma maneiras que me deixarão convencido, mas tratando-se de uma situação especial como aquela, só veio revelar distanciamento da população que governa.
É um facto que o CE ficou um pouco "perdido" perante esta situação, e não é por acaso, pois num território conhecido pela sua pacatez, tinha em mãos a maior manifestação em mais de 50 anos - não era fácil. Hesitou, recuou, optou erradamente pelo silêncio como forma de ver se a "tempestade" passava, deixou os seus apoiantes tradicionais prestarem-se a figuras ridículas, em suma, na hora de ter mão firme, faltou-lhe o engenho. Com isto tudo deixou o caso transbordar e chegar ao conhecimento do Governo Central, que naturalmente não gostou, e pode ter estalado o verniz da certeza da sua reeleição em Novembro próximo. No entanto gostei da forma como se dirigiu esta manhã à população, revelando tranquilidade, boa disposição e até algum humor, uma grande diferença da última vez que o Executivo da RAEM ficou, digamos, "com as calças na mão", aquando da prisão do ex-secretário Ao Man Long. Desta vez não houve angústia, nem ambiente pesado, quase fúnebre - Chui Sai On soube lidar com a forma com que admitiu o seu erro, e deixou no ar a ideia de que não estará completamente errado, e quem sabe se tudo não passou apenas de um "mal-entendido", e da próxima promete deixar a população informada sobre os conteúdos deste ou de outros diplomas "fracturantes".
Quem esperava ver um CE abatido, derrotado, rancoroso, ficou certamente desiludido, mesmo que no somatório da avaliação de como geriu esta crise, a nota continue a ser negativa. Terá outros testes onde poderá recuperar, espero. Ao defender a lei que insiste ser "necessária", brincou com a sua estrutura física, assumindo "ser gordo", e não estar à espera de "engordar mais ainda" com as regalias que vai auferir depois de ver a lei eventualmente aprovada. Disse ainda que "não precisa do dinheiro" (isto já sabemos, pois), e que faz planos de "doá-lo à caridade". É muito nobre da sua parte, só que é melhor ter cuidado com a "caridade" que escolhe. Se for a Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu, aí a emenda será pior que o soneto. Mas julgo que depois desta tormenta o nosso CE "despertou" para o facto que, e afinal de contas, a malta não anda aqui a dormir na forma. Mais uma vez obrigado, sr. Chefe do Executivo, e boa sorte do que resta do seu mandato. O resto logo se vê.
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