sábado, 31 de maio de 2014

Espalha-brasas


Deparei há dois dias com uma mensagem na rede social Facebook que dá conta de uma espécie de "conluio", "compadrio" ou "favorecimento (ilícito)", não se consegue perceber bem a intenção, que por muito que tenha tentado ignorar, sinto que devo esclarecer, e denunciar como calunioso, reles e baixo. A autora desta missiva é uma conhecida espalha-brasas, com tendência para a peixeirada, e especializada em emitir juízos de valor sobre o que desconhece por completo e falar daquilo que não sabe. Neste caso particular, julgando estar a fazer o papel de "justiceira", denunciando alguma negociata suja, um acordo debaixo da mesa, mete os pés pelas mãos, como é aliás do seu timbre. O caso, que nem é caso nenhum, tem a ver com a revisão da concessão de um terreno em Coloane, com a área de 280 m2, onde se autoriza a construção de uma moradia uni-familiar, vulgo vivenda, um estacionamento e um jardim para uso exclusivo. Segundo a espalhafatosa criatura, o Governo "dá" a concessão de um terreno em Hac-Sá para construir uma vivenda com uma renda anual de onze mil patacas. Para provar a grossa injustiça que agora denuncia, ou "negociata", como lhe chama, socorre-se do...Boletim Oficial. Sim, meus amigos, o Governo da RAEM dá conta das suas "negociatas" na sua publicação oficial, e imaginem só que até o fazem ao abrigo da Lei de Terras. Que nojo...é de fartar vilanagem. O despacho pode ser consultado aqui.

Vamos abrir primeiro o jogo: o concessionário em causa Mak Soi Kun, deputado da AL e presidente da Associação dos Conterrâneos de Jiangmeng em Macau, actualmente com o cargo suspenso, desde que em 2009 foi eleito para o hemiciclo. Agora para quem caíu nesta esparrela e está mesmo convencido que o Governo concedeu a um dos seus "amigos", nesta caso Mak Soi Kun, um terreno em Coloane para ele construir lá uma vivenda, aconselho que ou 1) leia em detalhe o despacho do secretário das Obras Públicas, e caso não entenda consulte a legislação ou 2) se não estiver para se chatear, não oiça os delírios de uma velha louca. A certo ponto a pobre criatura faz-se de sonsinha, e diz "eu também quero!". Oh oh oh desculpem se não me posso rir mais, pois temo ser acometido de alguma incontinência urinária, tal é a gracinha. "Também quer"? Está no seu direito, assim como qualquer outra pessoa, contando que compre o terreno em questão. Sim, porque o sr. deputado Mak Soi Kun comprou o terreno juntamente com a esposa, cujo nome consta igualmente do referido despacho, corria o ano de 1995. Uh? Esperem lá...1995? Deixa cá ver, isso foi antes de 1999, portanto se o senhor adquiriu o direito sobre aquele imóvel através de algum "esquema", como refere a tresloucada senhora, esse direito foi-lhe transmitido pela antiga administração portuguesa.

Quando comprou, repito comprou, com o seu dinheiro, sem que houvesse qualquer doação, usucapião ou permuta, aquele terreno, este já estava sujeito ao regime da concessão por arrendamento por um prazo de 25 anos desde 1981, tendo sido posteriormente renovada essa concessão por mais dez anos em 2006, como é aliás prática corrente; imaginem que o prédio onde vivem, que quase com toda a certeza está afecto a este regime de concessão por arrendamento (todos os terrenos atribuídos após a transferência estão nestas condições) termina o prazo da tal concessão, e o governo quer o terreno de volta. Isto implicaria que vocês arrumassem a trouxa e fossem procurar outro lugar para morar, enquanto o prédio era demolido - mesmo que fossem vocês os legítimos proprietários de uma fracção desse prédio implantado nesse terreno. Temos que ver que isso não fazia lá muito sentido. Tudo o que o sr. deputado Mak Soi Kun pediu foi a revisão do contrato do terreno que lhe pertence, por o ter adquirido, e é isso que consta do tal despacho. Estivesse o terreno em regime de propriedade perfeita, ou seja, onde o seu proprietário tivesse a posse total, incondicional e inalienável, podia fazer com ele o que muito bem entendesse, contando que não estivesse com isso em incumprimento qualquer outra lei não relacionada com o direito sobre o imóvel. O facto do sr. deputado Mak Soi Kun estar a pagar "renda" não significa que está a "arrendar" algo que não lhe pertence, mas para entenderem isto melhor, consultem a lei que define o regime de concessão - repito, se quiserem, porque como já referi acima, o melhor é fazer orelhas moucas a palavras loucas.

Mas já que a indignação é tanta e parece partir de tanta gente, recomendo que pelo menos leiam o despacho que causou tanta celeuma - por nada, insisto. Por acaso trata-se de um contrato bastante bem elaborado, senão vejamos: prevê prazos para o aproveitamento do terreno nas condições estabelecidas pela RAEM mediante o pedido do concessionado, comprometendo-se este a cumpri-lo , e caso não o faça é sujeito a multa, e consequente agravante no caso de reincidir; a RAEM salvaguarda o direito de reaver o terreno no caso de incumprimento por parte do concessionado; este último compromete-se a "obras de tratamento paisagístico nas zonas envolventes da construção", bem como "á remoção das mesmas de todas as construções, materiais e infra-estruturas, porventura, aí existentes"; o incumprimento da cláusula referida anteriormente, bem como a falta de pagamento pontual da renda ou a alteração não consentida da finalidade ou do aproveitamento são motivo para rescindir a concessão - tudo isto mediante fiscalização regular, também prevista no referido despacho.

A propósito, se alguém acha que onze mil patacas anuais (montante estabelecido por lei, e não foi feito nenhum desconto especial para o sr. deputado Mak Soi Kun), é pouco, remeto-vos para a clásula oitava do contrato, que estabelece que o sr. deputado Mak Soi Kun pagou à RAEM "(...) a título de prémio do contrato, o montante de $ 1 266 194,00 (um milhão, duzentas e sessenta e seis mil, cento e noventa e quatro patacas), integralmente e de uma só vez, aquando da aceitação das condições do presente contrato (...)". Se ainda acham que este montante por uma concessão é injusto, recomendo a leitura deste despacho, onde são concessionados a uma tal Sociedade Venetian Cotai, S.A. três lotes de terreno situados num sítio chamado COTAI. Se gostam de ir directamente para os números, vejam isto:

2. Após a conclusão da obra de aproveitamento do terreno o segundo outorgante passa a pagar para cada um dos três lotes as seguintes rendas anuais:

1) $ 14 900 660,00 (catorze milhões, novecentas mil, seiscentas e sessenta patacas) para o lote I;

2) $ 4 411 765,00 (quatro milhões, quatrocentas e onze mil, setecentas e sessenta e cinco patacas) para o lote II;

3) $ 4 069 818,00 (quatro milhões, sessenta e nove mil, oitocentas e dezoito patacas) para o lote III,


Agora vejamos o que esses tipos da Sociedade Venetian Cotai, S.A. construíram, por exemplo, no tal lote II, e pelo qual pagam anualmente a renda de 4,4 milhões:

Lote II:

(1) Hotel de 5 estrelas:
112 167 m2 x $ 15,00/m2 $ 1 682 505,00;
(2) Hotel - apartamento de 4 estrelas:
101 028 m2 x $ 15,00/m2 $ 1 515 420,00;
(3) Comércio:
35 218 m2 x $ 15,00/m2 $ 528 270,00;
(4) Estacionamento:
31 469 m2 x $ 10,00/m2 $ 314 690,00;
(5) Área livre:
37 088 m2 x $ 10,00/m2 $ 370 880,00;


Aí está, continhas feitas e tudo. Com que então quatro milhõezitos e mais uns trocos por ano pela renda de um terreno onde foi implantado aquele mastodonte, com hotel de cinco estrelas, casinos, lojas de produtos de luxo, canais e o camano? Quatro milhões faz o casino numa hora - ou menos.

Portanto meus amigos, vamos ter um pouco de contenção e não cair na verborreia de pessoas que sofrem de evidente iliteracia crónica, e apresentam por vezes sintomas de histeria e retardação mental profunda. Podia dizer que dá pena, isto, mas não consigo. É que por muito desprezível que possa ser a figura do sr. deputado Mak Soi Kun, de que também não gosto, isso não invalida que faça o que muito bem lhe apetecer com aquilo que é seu. E acaba por ter muita sorte, a autora desta fantochada, pois fosse o deputado saber disto, e tinha matéria para procedimento judicial, pelos crimes de Difamação (artº 174 do Código Penal) e de Publicidade e Calúnia (artº 177 do C.P.). No lugar dele, era o que eu fazia, e assim podia ser que certas pessoas aprendessem a ler as coisas do princípio ao fim, e caso não entendessem, que pedissem para lhes explicar. Só que há gente que não vai lá nem com um desenho. Enfim...

2 comentários:

Anónimo disse...

São poucas as coisas no Facebook que são publicadas pelo autor original. Tal como o caso de quem fala. É muito feio, para além de ilegal, andar a difamar o alheio!
Eu vi a publicação de que fala, publicada por várias pessoas. Serão todas tresloucadas?! Tenha juízo. ..

Leocardo disse...

Aqui o que é feio ou bonito pouco importa, mas sim, a difamação é um crime previsto no código penal, "ilegal" como você diz muito bem. Não sei quem mais andou a divulgar esta informação sobre o caso nestes moldes, de uma forma ignorante e injuriosa, mas eu refiro-me apenas a um caso particular.

Recomendava que guardasse toda essa verve para as pessoas que conhece que fizeram o mesmo - se é que se importa com elas, para mim é igual ao litro, e estou-me nas tintas Dyrup. Boas festas.