Como hoje é Dia de África, decidi alterar o programa desta rubrica dedicada aos mundiais de futebol, e "intrometer" o artigo que tinha preparado sobre as selecções africanas antes dos outros temas - e são tantos que isto dava "sumo" para meses de artigos. É opinião quase unânime que os jogadores africanos são os mais talentosos, contudo o seu desempenho em campeonatos do mundo fica bastante aquém da fama, muito por culpa da descolonização da maior parte dos seus países ter ocorrido apenas nos anos 50, 60, e em alguns casos 70. Mas o principal defeito é a falta de organização, em algumas circunstâncias disciplina táctica, e isto, claro está, para não falar da instabilidade política, das guerras civis, das epidemias e tudo mais. No entanto nestes 74 anos de história dos mundiais há alguns "momentos Kodak", que é como quem diz, "para mais tarde recordar". Vamos espreitar esses, e os outros também.
Uma das muitas metamorfoses do Egipto.
A Confederação Africana de Futebol (CAF, na sua sigla francesa) foi criada apenas em 1957, mas em 1934 o Egipto tornou-se tecnicamente a primeira equipa africana a participar numa fase final de um mundial de futebol. O Egipto, na altura um protectorado britânico, qualificou-se ao bater outro protectorado britânico, o da Palestina, por 7-1 no Cairo e 4-1 em Tal-Aviv. Na Itália os egípcios foram eliminados pela Hungria na primeira ronda, com uma derrota por 4-2. Os "faraós" só regressariam em 1990, agora como estado soberano, e no mundial de Itália ficaram integrados no Grupo F, com Inglaterra, Holanda e Rep. Irlanda. Com os holandeses conseguiram um empate histórico por 1-1, com o golo a ser apontado de grande penalidade por Abdel-Ghany, na altura jogador dos portugueses do Beira-Mar. O Egipto tem falhado a qualificação desde então, apesar de nos últimos 24 se ter sagrado campeão da Taça das Nações Africanas
A CAF foi fundada ainda nos anos 50, mas os movimentos de independência das antigas colónias africanas ainda se processava, e só ficaria completa por absoluto em 1980, com a independência do Zimbabwe. Assim só em 1970 a FIFA cedeu uma vaga directa na fase final do mundial a um país africano, e essa vaga foi discutida por 13 nações, cabendo a Marrocos a honra de representar o continente no mundial do México nesse ano. Os marroquinos terminaram a "poule" final à frente da Nigéria e do Sudão, e na América Central perderam por 1-2 com a Alemanha Ocidental e 0-3 com o Perú, e no último jogo do Grupo 4 empataram a uma bola com a Bulgária. Os marroquinos participariam em mais três fases finais, sendo a de 1986, outra vez no México, a mais memorável - a tal onde bateram Portugal na fase de grupos por 3-1, depois de empates com a Inglaterra e a Polónia. Nos oitavos-de-final perderam por 0-1 com a Alemanha Ocidental, com um golo de Matthaus a três minutos do fim. Regressariam em 1994, mas tiveram uma presença discreta, perdendo todos os jogos da primeira fase frente à Bélgica, Holanda e Arábia Saudita. A última participação foi em 1998, na França, e após um empate a duas bolas com a Noruega, e uma derrota por 0-3 com o Brasil, venceram a Escócia por três golos sem resposta, mas terminaram um ponto atrás dos nórdicos.
Com menos sucesso mas igualmente com uma ou outra boa recordação conta-se a história das participações da Argélia. A estreia em 1982 na Espanha foi especialmente dignificante, pois contra a poderosa Alemanha Ocidental, os magrebinos venceram por duas bolas a uma, com golos do nosso conhecido Rabah Madjer, de boa memória para os adeptos do FC Porto, e Lakhdar Belloumi. Na segunda partida perderiam por 0-2 frente à Áustria, e a vitória por 3-2 contra o Chile não evitou a eliminação, mesmo que na diferença de golos com alemães e austríacos. Em 86 regressam, mas sem o mesmo impacto; depois de um empate a uma bola com a Irlanda do Norte, dão luta ao Brasil, perdendo apenas com um golo de Careca, mas acabam eliminados após derrota por 0-3 com a Espanha. Em 2010 voltam às fases finais depois de mais de vinte anos de ausência, com fama de equipa ultra-defensiva, e de facto derrotas por 0-1 com Eslovénia e Estados Unidos, com um empate sem golos contra a Inglaterra pelo meio, demonstram que futebol ofensivo não é propriamente a sua especialidade. Este ano no Brasil participam pela quarta vez.
Terminando o périplo pelo magrebe, falemos da Tunísia (sempre que falo da Tunísia apetece-me comer tâmaras, não sei porquê). Os tunisinos participaram pela primeira vez no mundial de 1978 na Argentina, e tal como os argelinos, venceram na partida de estreia, frente ao México por 3-1 - e esta foi a primeira e última vez. Depois dos auspícios de Rosario, perderiam por 0-1 com a Polónia e empatavam a zero com a Alemanha Ocidental, terminando o grupo em terceiro lugar. Entre 1998 e 2006 participaram ininterruptamente, mas nunca passaram da fase de grupos, e sempre com o mesmo registo: um empate e duas derrotas.
A primeira grande aventura africana em mundiais aconteceu em 1990 na Itália, com a selecção dos Camarões, que foram a primeira equipa da CAF a atingir os quartos-de-final da prova. Os camaroneses tinham participado em 1982 pela primeira vez e deixado uma boa impressão, empatando todas as partidas do seu grupo, frente à Polónia, Itália e Perú. Oito anos depois, com uma equipa composta na maioria por jogadores a alinhar em formações modestas do campeonato francês, surpreenderiam a campeã mundial Argentina no jogo de abertura, com uma vitória por 1-0 com golode François Omam-Biyik. A seguir venciam a Roménia por 2-1 e garantiam a passagem à fase seguinte, igualando o feito de Marrocos quatro anos antes, mas fariam história ao bater a Colômbia por 2-1, com dois golos de um tal Roger Milla, único "sobrevivente" da equipa de 82, e que aos 38 anos cometia a proeza de marcar quatro golos no torneio. Nos quartos-de-final seriam afastados pela Inglaterra, com recurso a prolongamento, e por culpa de dois "penalties" de Gary Lineker. Em 94 regressariam ao mundial, e Milla regressaria também. Depois de um promissor empate a dois golos com a Suécia, perdiam por 3-0 com o Brasil, e a seguir seriam esmagados pela Rússia por 6-1, num jogo que teve dois recordes: Salenko marcaria cinco vezes pelos russos, e Milla pelos camaroneses, tornando-se o jogador mais velho a marcar em campeonatos do mundo, aos 42 anos. Os "leões indomáveis" regressavam em 1998 e em 2002, nunca passando da fase de grupos, e depois de uma ausência em 2006 - eliminados por Angola no apuramento - marcariam presença em 2010, somando por derrotas os três jogos disputados na primeira fase.
Em 1994 a Nigéria faz a estreia absoluta em mundiais de futebol. O mais populoso dos países africanos tinha ficado perto das fases finais em algumas ocasiões, mas para o mundial dos Estados Unidos leva a sua melhor geração de sempre, com jogadores do calibre de Daniel Amokachi, Jay-Jay Okocha, Sunday Oliseh, Viktor Ikpeba, bem como os nossos conhecidos Peter Rufai, antigo guarda-redes do Farense, o avançado Rashidi Yekini, na altura a alinhar pelo V. Setúbal, e Emmanuel Amuneke, que assinaria pelo Sporting na época seguinte. Na estreia frente à Bulgária as "super-águias" dominaram a Bulgária, vencendo por 3-0, e depois da derrota por 1-2 frente à Argentina, nova vitória por 2-0 frente à Grécia, vitória no grupo e passagem aos oitavos. Nesta fase veio ao de cima a ingenuidade que tem impedido as equipas africanas de discutir os títulos, e a derrota frente à "matreira" Itália por 1-2. Contudo ficaria uma boa impressão, e em 96 a vitória no torneio olímpico em Atlanta exacerbava o potencial nigeriano, que em 98 faz história ao vencer a Espanha por 3-2 na fase de grupos, e garantir mais uma passagem à fase a eliminar, onde seriam derrotados por 1-4 frente à Dinamarca. Seria o último suspiro das "águias", que em 2002 e 2010 não passariam da fase de grupos, e em 2006 falhariam a qualificação. Este ano estão no Brasil para mostrar o que valem.
A África do Sul ficou impedida de participar durante os anos do "apartheid", que findo em inícios dos anos 90 permitiu aos "bafana bafana" competir com as restantes nações africanas. Em 1998 fizeram a estreia em mundiais, na França, e depois de uma derrota com a equipa da casa conseguiram empates frente à Dinamarca e à Arábia Saudita, o que, logicamente, não chegou para passar da fase de grupos. Em 2002 na Coreia, empatavam com o Paraguai e venciam a seguir a Eslovénia por 1-0, mas seriam afastados dos oitavos na diferença de golos com os paraguaiso após perderem com a Espanha por 2-3. Ausentes em 2006 devido a renovação da equipa, organizavam o mundial em 2010, o primeiro no continente africano, mas apesar da orientação do brasileiro Carlos Alberto Parreira mostraram muito pouco, sendo eliminados após empate com a Dinamarca e derrota por 0-3 frente ao Uruguai. No último encontro bateram uma França igualmente em crise por 2-1, um momento para recordar pelo menos por mais 4 anos, pois estão ausentes do mundial deste ano no Brasil.
A selecção do Gana tem uma longa história em competições no continente africano, vencendo quatro edições da Taça das Nações até 1982, e o currículo em competições de futebol jovem era respeitável, mas a primeira participação em em mundiais seria apenas em 2006, e não correu mal. A estreia era complicada, com a Itália, e terminou com uma derrota por 0-2, mas de seguida vitórias por 2-0 com a Rep. Checa e 2-1 sobre os Estados Unidos valiam uma passagem à fase seguinte, onde já deslumbrados pela prestação perdiam por 0-3 com o Brasil. Em 2010, a jogar no seu próprio continente, seriam os seus melhores representantes, atingindo os quartos-de-final, e perderiam apenas nos "penalties" com o Uruguai. Este ano os ganeses participam pela terceira vez e têm Portugal pela frente na fase de grupos.
A Costa do Marfim é outra nação com pergaminhos no continente africano que se estreou em 2006 e repetiu a experiência em 2010, mas com menos sucesso que os ganeses. Na Alemanha pode-se dizer que não tiveram sorte com o grupo onde foram colocados, com a Argentina e a Holanda. Depois de perderem por 1-2 contra argentinos e holandeses, mas batendo-se com galhardia, venciam por 3-2 a Sérvia e Montenegro, despedindo-se com dignidade. Em 2010 o grupo era igualmente complicado, mas nada era impossível, só que depois de um empate a zero com Portugal, perdiam por 1-3 contra o Brasil, e a vitória por 3-0 sobre a Coreia de Norte de nada valeu. Este ano Drogba e seus pares participam pela terceira vez consecutiva.
Das selecções africanas que participaram apenas uma vez, o destaque vai sem dúvida para o Senegal, que em 2002 se tornou a segunda equipa a atingir os quartos-de-final, depois dos Camarões em 1990. Orientados pelo francês Bruno Metsu, os senegaleses imitavam os camaroneses ao vencer na partida de abertura os campeões mundiais, neste caso a França, e após empates com a Dinamarca e o Uruguai, seguiam para a fase a eliminar, onde bateram a Suécia por 2-1 após prolongamento. Nos quartos-de-final perderiam (injustamente) com a Turquia no prolongamento, com um golo de morte súbita da autoria de Ilhan Mansiz, e ficavam recordados talvez como a equipa africana que mais próxima ficou do "final four".
Angola, que participa desde 1982 em qualificações para mundiais, conseguiu em 2006 o feito inédito de se tornar a primeira ex-colónia portuguesa em África a participar na fase final. Por capricho do sorteio, a estreia foi exactamente contra Portugal, em Colónia (ex-colónia...Colónia...hmmm), com uma derrota por apenas 0-1. Seguiram-se empates a zero com o México e a um golo com o Irão, e caso tivessem batido os iranianos por 4-1, teriam mais para contar desta primeira participação.
Dos países africanos que participaram apenas uma vez, a participação menos conseguida terá sido a do Zaire, actualmente República Democrática do Congo, que em 1974 terminaria a fase de grupos dó com derrotas, 14 golos sofridos e nenhum marcado. Entre a estreia contra a Escócia com derrota por 0-2 até à despedida com o Brasil em que o resultado ficou em 3-0 para a "canarinha", ficou para a história a derrota por 0-9 com a Jugoslávia, a derrota mais pesada de uma equipa africana em mundiais. Para a história ficam os golos entre estas duas nações que já não existem.
E finalmente o Togo, a última nação africana a estrear-se em mundiais. Com Emmanuel Adebayor omo figura de proa, os togoleses participaram no mundial da Alemanha em 2006, e na estreia contra a Coreia do Sul até começavam melhor, inaugurando o marcador por Mohammed Kader, mas os coreanos dariam a volta ao resultado, vencendo por 2-1. Mais duas derrotas por 0-2 frente à Suíça e França ditavam o afastamento na fase de grupos. Outros países africanos que têm dado cartas a nível continental ainda esperam pela estreia em fases finais de mundiais, casos da Zâmbia, campeã africana em 2012, o Burkina Faso, finalista em 2013 e eliminado no "play-off" da qualificação para o mundial deste ano, e porque não Cabo Verde, equipa sensação na Taça das Nações em 2013, e afastada do "play-off" para o Brasil na secretaria?
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