No passado dia 1 de Dezembro fiquei surpreendido pela notícia de um caso de rara violência ocorrido em Macau. Um comerciante de uma pequena loja no fim da Rua Cinco de Outubro, na zona do Porto Interior, foi brutalmente agredido por um turista da China continental, e dessa agressão resultou a sua morte. O comerciante em questão tinha 63 anos, e o agressor, que se encontrava embriagado na altura que ocorreram os factos, 37. Cinco meses depois deste trágico episódio (mais vale tarde que nunca), o Ministério Público (MP) acusou o turista de "ofensa à integridade física", pois considera “haver fortes indícios do crime de ofensa à integridade física, que resultou na morte”. O suspeito - que assim é chamado, apesar de existirem provas conclusivas da sua culpa - de apelido Zhang, vai assim ser julgado por "ter dado porrada a mais" no senhor, ao ponto de, oops!, daí ter resultado a sua morte. Acontece.
Perdoem-me a ignorância, e neste particular considero que me estou a tornar cada dia mais ignorante, e aproximo-me do estado de estupor absoluto, mas o que aconteceu ao bom e velho "homicídio"? Sim, o mesmo homicídio de que está agora acusado o motorista daquele veículo pesado, que se deixou adormecer ao volante e atropelou aquela jovem, que mais tarde viria a falecer no hospital - mesmo que neste caso se trate de homicídio por negligência, mas ainda assim homicídio. E não estou em crer que o fulano que ia ao volante da carrinha tivesse a intenção de ceifar a vida a alguém; deixou-se dormir, pronto. Podia ter saído da estrada, batido numa árvore e ficado com a direcção atravessada de uma lado ao outro da testa, e pronto, paciência: que descanse que os anjinhos e amen. É acusado de homicídio, vá lá, "involuntário" quem acidentalmente perde o controlo de um veículo e por infelicidade atinge um peão, mas safa-se com "ofensa à integridade física" quem intencionalmente, na plena posse ou não dos seus sentidos (se estivesse demasiado bêbado não conseguia agredir ninguém) e manda-o desta para melhor, quando poderia simplesmente ficar quieto e ir cozer a bebedeira para o hotel, para debaixo da ponte ou para o raio que o parta.
Portanto um tipo perde a massa toda no casino, embebeda-se, e pela calada da noite decide "aproximar-se da vítima, empurrando-a, atacando a sua cabeça e o corpo da com socos e pontapés”. Com que fim? Para ficar em paz com os seus "demónios interiores"? Pois, pois, "por acaso" provocou-lhe a morte, mas talvez não tenha sido com essa intenção. Quem sabe se no passado o tipo já tinha aplicado cargas de porrada semelhante a outros indivíduos, mas este era tão fraquinho que estragou tudo...morrendo. Quem o mandou ser tão velho e tão frágil ao ponto de não resistir a uns meros "socos e pontapés na cabeça e no corpo"? E o empurrão? Este pobre rapaz, profissional dos xutos & pontapés com especialização em biqueirada deve ter sempre o cuidado de empurrar as suas vítimas para cima que qualquer coisa que não as magoe - uns colchões de pena da Gucci, quem sabe. É por isso que não é detido e acusado de homicídio, pois ao contrário daquele malvado que conscientemente perde a consciência (ena!), nada mais fez do que "ofender a integridade física". Olha querem ver eu fazer o mesmo? "Integridade física: vai pró c..., sua p...". Pronto, já está, "ofendi a integridade física".
Mas claro, não devo ser levado a sério, quem sou eu? Nestas coisas nem sempre o branco é branco e o preto não é sempre preto, apesar de não existirem dúvidas a olho nu, há sempre que considerar a "perspectiva jurídica" da coisa. E mal de nós se não fosse assim! Era a anarquia completa! Imaginem só que alguém ia por aí inebriado encher de porrada um qualquer outro cidadão indefeso até à morte e era logo acusado de homicídio? Deus nos livre, era uma selvajaria! Pelo menos aprendi mais uma coisa (estou sempre a aprender, 'cum camano): da próxima vez que me chatear mesmo a sério com alguém, em vez de lhe dizer "eu mato-te!" e arriscar-me a ser acusado de ameaça, digo antes "olha que te ofendo a integridade física ao ponto de ficares com as vísceras de fora e os miolos todos espalhados pelo chão".
Dura lex, sed lex!
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