domingo, 11 de maio de 2014

Os sons dos 80: Cromos em falta (III)


Nesta terceira parte das "migalhas" desta rubrica dos anos 80, vou falar de alguns artistas cuja passagem de década em década tem sido mais ou menos complicada. Já aqui falei das "vozes de ouro", como Sinatra, Tom Jones, Tony Bennet e outros que mantêm um reportório que lhes garante sempre pão na mesa. Hoje vou mencionar alguns a quem a sorte tem sido aleatória, mas que mesmo assim, depois de uns altos e baixos, se vão safando. Bem, pelo menos para os que ainda estão vivos, mas mesmo os que partiram, alguns sairam pela porta grande, outros, infelizmente, pela pequena. Vamos então a esta vaca fria (salvo seja).


Johnny Cash, falecido em 2003 aos 71 anos, é considerado um dos mais influentes músicos norte-americanos da história, e uma das suas figuras mais controversas, também. Apesar de ser considerado um ídolo da música "country", Cash bebe também das influências de outros géneros, como o "rock", "rockabilly", "blues" ou "gospel", e compôs temas de que toda gente gostava. Nos anos 60 viveu debaixo da trilogia "sex, drugs and rock'n'roll", andou viciado em barbitúricos e foi preso três vezes. Nos anos 80 não lhe faltou trabalho; compôs a banda sonora da série "Dukes of Hazzard", gravou 12 álbums e lançou inúmeros singles. Em 1981 deu-nos este "The Baron", do LP com o mesmo nome, que foi top-10 no top de "country" da Billboard. A vida do "homem de preto" daria um filme - e deu, quando em 2005 o actor Joaquin Phoenix o reencarnou no filme "Walk the Line", ao lado de Reese Whiterspoon, que venceu o Oscar para melhor actriz no papel de June Carter, a sua segunda mulher e parceira musical, que curiosamente faleceu no mesmo ano que Cash.


Quem também andou (e anda) a braços com problemas na justiça é Gary Glitter, mas por razões completamente diferentes das de Cash - e deveras lamentáveis, também. O cantor inglês que foi estrela do "glam rock" no início dos anos 70 só gravou um álbum nos anos 80, "Boys Will Be Boys", de onde sairam dois singles que chegaram ao top-30 do Reino Unido, sendo um deles "Dance Me Up", que temos aqui a oportunidade de rever. Depois disso foi uma queda vertiginosa, com uma inibição de conduzir durante dez anos devido a ter sido apanhado ao volante seriamente embriagado, e nos últimos anos ficou tristemente famoso pelos julgamentos por abuso sexual de menores no Camboja e no Vietname. Para piorar as coisas, sofre desde 2008 de insuficiência cardíaca. A vida tem sido um carrossel para o senhor Paul Francis Gadd, o seu nome de baptismo, actualmente com 70 anos,


Quem é um bom rapazinho e ponto final é Neil Diamond, que nos encantou nos anos 60 e 70 com clássicos que não cessam de ser decalcados por artistas da actualidade. Por exemplo, sabiam que "Red, Red Wine", celebrizado pelos UB40, é um original dele? Uh? Aposto que não sabiam. E nos anos 80 o homem com a voz de veludo e uma guitarra ainda nos encantou com outras melodias, com um pequeno travo de "rock", como é exemplo este "America", um hino à liberdade, a terra prometida e o caraças. Outra coisa que aposto que não sabiam era que o bom do Neil é o terceiro artista de música adulta contemporânea que mais discos vendeu depois de Barbra Streisand e Elton John - e está vivo!


Diana Ross é uma mulher de armas, que sempre se soube adaptar aos tempos. Nos anos 80 a diva da Motown fez duetos com Lionel Richie, este a valer-lhe um oscar, e com Julio Iglesias, foi uma das figuras de proa dos USA for Africa em "We Are the World", gravou material novo e empenhou-se numa nova carreira, a de actriz. Em 1985 lançou o álbum "Eaten Alive", que contém este "Chain Reaction", um tema muito fácil de se gostar, onde a cantora faz um apanhado da sua carreira, desde membro das Supremes, em finais da década de 50, até esses loucos anos 80. Os ingleses gostaram, e o single chegou a nº 1 do top-40 do Reino Unido.


Quem também fez um "apanhado" da sua carreira num vídeo foi Eartha Kitt, que era uma "gata" - nem que seja pelo facto de ter feito de Catwoman na série televisiva "Batman", dos anos 60, substituíndo a original Julie Newmar na terceira série. Actriz, especialmente no teatro, onde fez carreira desde os anos 40 e cantora, com perto de 20 álbums gravados, Kitt envolveu-se ainda numa controvérsia em 1968, quando durante uma recepção na Casa Branca, disse das boas ao presidente Lyndon Johnson, a respeito da guerra do Vietname. Como canta neste single de 1986, "This is my life", e portanto, "what can she do?". A adorável Eartha Kitt deixou-nos no dia de Natal de 2008, com a respeitável idade de 81 anos.


E o que andava a fazer Bob Dylan nos anos 80? Nada de especial, infelizmente, pois dos oito (!) álbums que gravou nessa década, recordo-me apenas vagamente de "Empire Burlesque", de 1985, que o cantautor e patrono dos baladeiros e músicos de intervenção tinha prometido ser "dentro da estética dos anos 80". E foi, se bem que isso nem é sempre necessariamente bom. O homem que provavelmente assinou o maior número de canções interpretadas por outros artistas na história, e é autor daquela que é por muitos considerada a maior canção da história, "Like a Rolling Stone", mostrou-nos este "Tight Connection to My Heart (Has Anyone Seen My Love)", o single retirado desse álbum, e por sua vez algumas passagens são retiradas dos diálogos de Humphrey Bogart no filme "The Maltese Falcon". De génio, certo, e nº 3 nos singles da Billboard, bestial, mas longe de memorável. E que raio de vídeo tão esquisito, aquele.


Os três irmãos Wilson em conjunto com Mike Love e Al Jardine fizeram história nos anos 60 e 70, e o seu álbum "Pet Sounds" (1966) é puro génio. Os Beach Boys, que apesar do nome e da temática dalgumas canções não sabiam surfar (a sério, não surfavam, os gajos) passaram pelo lado negro do rock'n'roll, em especial Brian Wilson, que se debateu com problemas graves devido ao abuso de substâncias, e viriam a separar-se em 1977. Na década seguinte, e dez anos depois do fim, juntaram-se para gravar este "Kokomo", para a banda sonora do filme "Cocktail", com Tom Cruise no papel principal. A tocar tambores lá atrás dos velhinhos está John Stamos, estrela da série "Full House", uma comédia com grande audiência naquele tempo.


Pode não parecer, mas este Eric Clapton, todo certinho, de fato engomado, barbinha rente, oculinhos, já foi um sacana da pior espécie, um drogado, um vadio, um servo de Satanás. Foi nos anos 70, é certo, e na altura o tipo não cortava a trunfa, não tomava banho e não trocava de calças. E outra curiosidade interessante: este fulano que agora vocês escutam de mãozinha dada com a namorada a cantarolar paneleirices como "Tears in Heaven" ou "Layla" foi um cabrãozinho racista durante um concerto em Birmingham em 1976, onde sugeriu "correr com todos os pretos", e "manter a Grã-Bretanha branca", que foi mais tarde utilizado pelo partido de extrema-direita, o British National Party, como slogan. Ai mas o senhor é tão bonzinho, e até se inspirou na morte do filho de quatro anos para escrever o "Tears in Heaven". Olha lá o pázinho, da próxima vez garante que quando deixas o puto no 53º andar de um prédio, que ele não cai.


"Junta-te aos jovens, faz como eles, acompanha a actualidade e apoia as causas certas, e nunca passará de moda". Quem disse isto? José Cid? É possível, e para ser sincero inventei esta frase mesmo agora. Mas pode aplicar-se a Neil Young, um dos lados do quadrado que compõe os Crosby, Stills, Nash & Young, banda muita activa no panorama do rock'n'roll dos anos 70. Já a solo, Young continuou a ser um "rocker", e em 1989 sentiu os ventos de mudança a chegarem da Europa de leste, içou as velas e zarpou neste "Rockin' in a Free World", que foi nº 2 da Billboard e relançou a sua carreira. Pelo menos até 1999, pois Neil Young não faz jus ao seu nome - tem actualmente 68 anos.


Agora vamos terminar com um "dois em um": Van Morrison e Cliff Richard. O casal, perdão, os dois músicos, são um bom exemplo de como se consegue passar de década em década sem grande mossa. Van Morrison serviu de inspiração para muitos artistas contemporâneos, e Cliff Richard tem no seu currículo dois segundos lugares na Eurovisão (desculpem, isto foi eu que achei importante mencionar), e a fama de ter sido um ídolo das miúdas lá nos anos 60. Aqui interpretam em dueto o tema "Whenever God Shines a Light", do álbum de Morrison do ano de 1989, "Avalon Sunset". E que pôr-do-sol agradável tem sido para estes dois...

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