quarta-feira, 28 de maio de 2014

A caminho do Brasil: a escola do "kick and rush"


Além da Inglaterra, existem outras selecções que praticam o chamado "futebol britânico", conhecido por "kick and rush", ou em bom português, "bola para a frente e fé em Deus". Enquanto os ingleses estiveram sempre na linha da frente em matéria de resultados e da própria evolução do estilo que celebrizaram, nem sempre apreciado pela generalidade dos adeptos do futebol, o resto das federações das ilhas britânicas foram-se mantendo fiel ao futebol aéreo, com a primazia da técnica da força sobre a força da técnica. Não se pode dizer que a estratégia tenha dado frutos nos últimos anos, mas tempos houve em que o marcava presença nesse grande certame do futebol mundial: o campeonato do mundo. Vamos fazer mais um retrospectiva.


Jimmy Murray, o autor do primeiro golo da Escócia em fases finais do mundial.

A Escócia é uma caso curioso; em oito participações em mundiais, nunca passaram da primeira fase. Em alguns casos não foi por falta de argumentos, mas inicialmente a selecção das "terras altas" da Grã-Bretanha não era levada muito a sério. Na estreia em mundias, em 1954 na Suíça, seriam afastados com derrotas por 1-0 com a Checoslováquia e 7-0 com o Uruguai, uma participação deveras humilhante. Quatro anos depois, na Suécia, os escoceses apareciam mais competitivos, empatando a uma bola com a Jugoslávia, e perdendo por 2-3 com Paraguai e 1-2 com a França, terminando novamente no último lugar do seu grupo, mas deixando uma boa impressão, e marcando em todas as partidas. Entre 1962 e 1974 ficariam a reflectir sobre estas participações à beira do Lago Ness, vestidos com um "kilt" e escutando o som da gaita de foles.


Em 1974 parte para a Alemanha uma equipa escocesa que toda a gente levava a sério - e não era uma equipa de "rugby", entenda-se. Capitaneados por Billy Bremner, uma das estrelas da super-equipa dos ingleses do Leeds United do início da década de 70, as escolhas do treinador Willie Ormind incluíam ainda o veterano Denis Law, o avançado e colega de Bremner no Leeds, Peter Lorimer, o trio do Manchester United composto por Jim Holton, Willie Morgan e Martin Buchan, Peter Cormack, titularíssimo no Liverpool de Bill Shankly, e uma jovem revelação que dava que falar no Celtic, um avançado de 23 anos que dava pelo nome de Kenny Dalglish. Em estaque estaria Joe Jordan, um médio-ofensivo de 22 anos, também ele colega de Bremner e Lorimer no Leeds. E seriam exactamente Lorimer e Jordan que marcariam os golos da vitória dos escoceses contra o Zaire por 2-0, e depois de um heróico empate frente ao Brasil, sem golos, seguia-se outro empate a um golo com a Jugoslávia, que valia a eliminação na diferença de golos.


Em 1978 na Argentina, o treinador é Ally McLeod, e a Jordan, Dalglish, Buchan e companhia juntam-se ainda Graeme Souness, bem conhecido dos adeptos benfiquistas, então a despontar no Liverpool, e Archie Gimmil, avançado que apesar dos seus 31 anos foi uma das figuras do único título de campeão de Inglaterra conquistado pelo modesto Nottingham Forest. Depois de uma estreia infeliz frente ao Perú, com derrota por 1-3, e empate com o Irão a um golo, os escoceses fazem um brilharete, batendo a Holanda em versão "laranja mecânica" por 3-2, com dois golos de Gimmil e um de Dalglish. Mais uma vez a diferença de golos elimina a Escócia, em detrimento dos holandeses.


Em 1982 em Espanha surge aquela que foi sem dúvida a melhor equipa da Escócia, orientada pelo carismático Jock Stein. Com Dalglish e Jordan na casa dos trinta anos, e Souness a capitão, juntam-se nomes como Gordon Strachan, Steve Archibald, Jim McLeish, Alan Brazil e o famoso guardião Jim Leighton. Mais uma vez a sorte não quer nada com os escoceses, e depois de uma convincente goleada frente à Nova Zelândia por 5-2, dá-se um desaire com o Brasil, que "sambou" frente aos britânicos com um expressivo 4-1, e depois de um emocionante empate a duas bolas com a União Soviética, dá-se novamente a eliminação, sim, pela diferença de golos. Parecia malapata.


Só que a partir daí tornou-se tudo mais simples na hora de contar as eliminações da Escócia. Em 1986 no México conseguem apenas um ponto graças um empate com o Uruguai, após derrotas com Dinamarca e Alemanha Ocidental, em 1990 perdem com Brasil e Costa Rica, vencendo a Suécia por 2-1, a última vitória em mundiais dos escoceses, e depois de uma ausência em 94 participam pela última vez em 98, e depois de empatarem com a Noruega e perderem com o Brasil, deixam esta última impressão, bastante má, com uma humilhante derrota frente a Marrocos por 3-0. A Escócia ainda está por marcar presença numa fase final de um mundial neste terceiro milénio.


Além de Inglaterra e Escócia, o País de Gales é a outra selecção da Grã-Bretanha, e apesar de nos últimos anos terem contado com jogadores do calibre de Gareth Bale - actualmente o mais caro da história - Ryan Giggs, Ian Rush ou Vinnie Jones (este foi só uma piada), participaram uma única vez em 1958, e tiveram uma presença bem digna no mundial da Suécia. Com uma equipa composta por jogadores a alinhar no campeonato inglês, mais alguns do Swansea e do Cardiff City - um pouco como acontece actualmente, no fundo - empataram todos os jogos do seu grupo, a uma bola com Hungria e México, e a zero com a equipa da casa, a Suécia. Aí foi necessário recorrer a um jogo de desempate frente aos húngaros, em Estocolmo, e ao contra todas as previsões, vencem poe 2-1, e seguem para os quartos-de-final. São eliminados com um único golo de Pelé aos 66 minutos, mas obrigam os futuros campeões do mundo a correr atrás da vitória.


Jack Charlton, o rosto da "nova" Irlanda.

Agora vamos até ao outro lado do "rio", à "ilha esmeralda", a Irlanda, terra de bardos e de bêbados. Os "paddies" era famosos por muita coisa, desde os leprechauns à cerveja Guiness, mas a sua selecção de futebol nunca tinha feito um brilharete em competições internacionais; isto até a Federação Irlandesa (FAI) resolver investir nos "verdes" e trazer em 1986 o técnico inglês Jack Charlton, que por sua vez, atendendo ou fraco e pouco competitivo campeonato irlandês, juntou um um grupo de rapazes nascidos na Irlanda mas saídos das escolas de futebol da Inglaterra e da Escócia, ou nascidos nesses países mas de ascendência irlandesa, e por isso elegíveis para jogar pela selecção - apesar de alguns deles nunca terem posto os pés na Irlanda. Em 1988 aparecem quase sem que se dê por isso no Euro 88, na Alemanha, e apesar de terem ficado pela primeira fase, deixam uma boa impressão, batendo a Inglaterra no jogo inaugural. Nasciam assim os Jack's Heroes", nome de uma canção tradicional irlandesa, e assim cantando e rindo foram dois anos depois à Itália disputar pela primeira vez o mundial.


No "crazy gang" de Charlton constavam nomes como o guarda-redes do Celtic, Pat Bonner, os defesas Mick McCarthy, um dos "rufias" de Millwall, o seguro Paul McGrath, do Aston Villa, ou o "velocista" Ronnie Whelan, da última formação do Liverpool campeã de Inglaterra, os médios David O'Leary, um veterano do Arsenal, Ray Houghton, também do Liverpool, e jovem talento como Andy Townsend ou John Sheridan, e na frente John Aldridge, que jogou no campeonato espanhol pela Real Sociedad, Tony Cascarino, do Chelsea ou a jovem promessa Nial Quinn, que chegou a ser dado como certo no Sporting anos mais tarde. Esta Rep. Irlanda conseguiu um feito raro: atingir os quartos-de-final sem vencer um único jogo, e marcando apenas dois golos. Na fase de grupos empataram todos os jogos, 1-1 c/Inglaterra, 0-0 c/Egipto e 1-1 c/Holanda, nos oitavos novo empate sem golos frente à Roménia e vitória nos "penalties", e finalmente derrota com a Itália por 0-1, com gol de Schillaci - à primeira tentativa já tinham conseguido chegar onde a Escócia não conseguiu em sete tentativas.


Depois de falhar a qualificação para o Euro 92, por muito pouco, Charlton e os seus "leprechauns" voltam ao mundial em 1994 nos Estados Unidos, e logo no primeiro jogo acontece a "Fairytale of New York" - no estádio dos Giants, na "big apple", um golo de Ray Houghton derrota a poderosa Itália, e tudo parecia um sonho. A Itália era uma das grandes favoritas à conquista do título mundial, e de facto chegaria até à final, apesar do precalço, e os irlandeses corriam
"por fora". O golo logo aos 11 minutos parecia apenas um acidente de percurso, mas a Itália não conseguiria dar a volta por cima, e para quem pensa que foi um "massacre" à baliza de Pat Bonner, é porque não viu o jogo, pois a Irlanda teve capacidade para gerir a vantagem com algum à vontade.


O despertar foi violento, com uma derrota por 1-2 frente ao México no segundo jogo, e após um empate sem golos frente à Noruega, a Irlanda termina em 2º lugar no grupo, atrás dos mexicanso e à frente dos italianos e dos nórdicos que acabariam eliminados. Dado que todos terminaram com quatro pontos, a decisão fez-se primeiro recorrendo ao critério de golos marcados e sofridos, e como os britânicos e os transalpinos estavam empatados nesse departamento, valeu a histórica vitória em Nova Iorque na ronda inaugural. Nos oitavos veio a Holanda, de má memória no Euro 88, quando afastou os irlandeses com um golo de Wim Kieft. Desta vez ficaria tudo mais fácil para os holandeses, com Bergkamp a marcar aos 11 minutos, e Jonk aos 41, com Bonner a dar um enorme frango. Para o Euro 96 a Irlanda é eliminada no "play-off" outra vez contra a Holanda, e Charlton deixa a selecção. Em 1998 o renovado Eire falha o mundial de França.


A "vingança" chegaria em 2002, quando os irlandeses se qualificam para o mundial da Coreia e do Japão no mesmo grupo de Portugal, deixando os holandeses em casa a regar as tulipas. Mick McCarthy, um dos discípulos de Jack Charlton, levava uma equipa completamente renovada, com jogadores todos a alinhar na Premier League inglesa: Jason McAteer, Damien Duff, Matt Holland, Kevin Kielbane, Ian Harte, Gary Kelly, entre outros, e a estrela da comapanhia, o avançado Robbie Keane, que mais tarde passaria pelo Inter de Milão. Do tempo de Jack Charlton só restavam Nial Quinn e o defesa Steve Staunton. Terceira presença, terceira passagem da fase de grupos - após empate a um golo com os Camarões, outro empate pelo mesmo resultado frente à Alemanha, num encontro dramático, onde Keane marca o golo irlandês dois minutos depois dos 90, de "penalty". Seria o único golo consentido pelos alemães até à final, onde perderiam por 2-0 com o Brasil. A vitória por 3-0 contra a Arábia Saudita valeu a passagem aos oitavos, onde perderiam com a Espanha de Camacho nos "penalties", e foi a última vez que vimos os "paddies" no mundial.


No território ocupado do norte, no Ulster, mora "a outra" Irlanda, a Irlanda do Norte, território ocupado pelo Reino Unido. Em 1958 no mundial da Suécia, ano em que as equipas do Reino Unido participaram todas, os norte-irlandeses qualificaram-se num grupo onde deixaram a Itália e Portugal para trás. No torneio final começaram com uma vitória por 1-0 com a Checoslováquia, perderam 3-1 frente à Argentina e empataram a dois golos com a Alemanha Ocidental. No "play-off" de apuramento voltariam a vencer os checos por 2-1, após prolongamento. Peter McParland, na época prolífico avançado ao serviço do Aston Villa, marcou cinco golos nesta fase - todos com a excepção do primeiro. Nos quartos-de-final seriam goleados pela França por 4-0.


Norman Whiteside bateu um recorde que pertencia a Pelé!

A Irlanda do Norte só voltaria em 1982, e levava consigo um jovem acabado de assinar pelo Manchester United que bateria um recorde que pertencia a Pelé, imagine-se. Norman Whiteside tornava-se o jogador mais jovem a alinhar numa fase final de um campeonato do mundo, aos 17 anos e 41 dias. Mais uma vez os norte-irlandeses passavam da primeira fase, empatando a zero com a Jugoslávia a um golo com as Honduras, e vencia surpreendentemente a equipa da casa, a Espanha, por 1-0. Já na segunda fase arrancava um empate a dois golos com a Áustria, mas seria eliminada pela França, após derrota por 4-1. Em 86, no México, tiveram o torneio menos conseguido dos três em que participaram, ficando pela fase de grupos, depois de empate a um golo com a Argélia, e derrotas por 1-2 com a Espanha e 0-3 com o Brasil. Pouca sorte, e menos sorte ainda para Whiteside, que teria que "pendurar as chuteiras" aos 26 anos, devido a lesão nos ligamentos do tornozelo.




1 comentário:

Anónimo disse...

É "kick and RUSH" e não "Kick and RUN".