domingo, 11 de maio de 2014

Dar água pela barba


Teve lugar ontem em Copenhaga, Dinamarca, o 59º Festival Eurovisão da Canção, que foi vencido pela Áustria pela segunda vez, a primeira desde 1966. Assisti ao certame pela internet, e já agora mais uma ve obrigadinho à RTP por não ter transmitido o Festival em directo, o que acontece sempre que a canção portuguesa não se qualifica para a final - ou seja, praticamente todos os anos. Assim, fazendo birrinha cada vez que a merda da nossa canção não passa à final (e este ano era uma enormíssima merda), não preciso de ficar a escutar comentários idiotas do locutor, que durante a votação vai mendigando pontinhos aos júris de outros países. Mesmo assim a "nossa" concorrente, a Suzy, pode-se queixar da falta de sorte, pois ficámos agora a saber que ficou apenas a um ponto da concorrente de San Marino, a última apurada da primeira meia-final. Mas adiante.


Como já disse, ganhou a Áustria, e findo o concurso, fui de imediato à Wikipedia saber se o vencedor de 1966 ainda era vivo, e de facto é. Caso Udo Jürgens, que venceu com o memorável "Merci Chérie" tivesse já falecido, estava a esta hora a dar voltas na cova. A canção vencedora foi "Rising like a Phoenix", que como canção dificilmente entrará para a história, mas o mesmo já não se pode dizer do seu intérprete: uma mulher de barba. Não, não foi a Eurovisão que se tornou num circo, ou num "freak show" ambulante, mas nunca ficou tão perto. Este "artista", que dá pelo nome de Conchita Wurst, é na realidade um homem, e chama-se Thomas Neuwirth. Tem feições de mulher, cabelo de mulher, voz de mulher, figura de mulher...e barba. Portanto, é assim: não tenho nada contra o facto de um dos elementos do universo LGBT sair vencedor, já tinha acontecido em 1998 com Dana Internacional, de Israel, mas...barba? Qual é a ideia? Um travesti que saiu à pressa de casa e se esqueceu de fazer a barba? Um "statement" do terceiro sexo, com quem diz "tenho barba mas sou mulher" ou "barba por fora, mas uma dócil e humana criatura por dentro"? É difícil de perceber.


Não sei o que pensou a comunidade LGBT da vitória deste seu "representante", mas a julgar pelos comentários da "box" no canto inferior direito da página da Eurovisão, muitos gostaram. Os homofóbicos, previsíveis como sempre, apressaram-se a criticar, e mesmo antes do Festival já existiam inúmeras páginas anti-Conchita Wurst no Facebook; se calhar já sabiam o que aí vinha, e preparavam-se para o pior, só que ao mesmo tempo deram publicidade ao "artista", que até pode ter tido alguma influência no resultado final. Se este Tomas Neuwirth é "transgender", e é perfeitamente natural que a sua transformação não seja completa, mas...a barba? Eu no lugar dos LGBT que festejaram, ficaria antes indignado. E creio que muitos não devem ter apreciado toda esta "atenção".



Se o critério para a atribuição dos pontos é a qualidade da canção e a interpretação, as canções que ficaram imediatamente a seguir não ficaram atrás da vencedora - e por acaso este ano tivemos bastante qualidade nesse particular. A canção dos Países Baixos, e este ano os holandeses conseguiram a melhor classificação deste 1975, última vez que venceram, que foi segunda, e especialmente a da Suécia, que terminou em terceiro, não ficam nada a dever em termos musicais ou intepretativos ao vencedor. Sanna Nielsen interpreta um tema fantástico, e fá-lo de forma sblime. O que faltou para que ganhasse? Ter barba? É que se a estética entra nestas contas, Conchita Wurst foi estiticamente um cataclismo. E ainda foi necessário exercer cuidados especiais: quando o júri que anunciou os votos da Lituânia deu os 12 pontos à Áustria, tirou do bolso uma lâmina de barbear e disse: "está na hora de fazer a barba". Em Copenhaga o apresentador ficou meio atrapalhado, e improvisou um desenrascado "não está nada na hora de fazer a barba...". Ai não? Eu concordo em pleno com o rapaz lituano, que simplesmente exteriorizou o que estava na cabeça de toda a gente.


A votação deste ano terá sido uma das mais justas desde que foi adoptado o método do televoto. Não faltou a habitual troca de galhardetes, mas pela primeira vez em muitos anos nenhum dos três primeiros classificados foi um país da Europa de Leste. Atrás da Áustria, Países Baixos e Suécia, ficaram logo a Arménia, Hungria, Rússia e Ucrânia. Mas cheguei a apanhar um pequeno susto: o primeiro país a votar foi o Azerbeijão, que deu 10 pontos à Ucrânia e 12 à Rússia, num misto de vaias e aplausos que se faziam ouvir no B&W Hallerne de Copenhaga. Pensei que o conflito que tem enchido a actualidade noticiosa ia passar para a Eurovisão, mas felizmente ficou-se por aí. Portugal este ano não deu os 12 pontos à Espanha - deu à Áustria - e mais do que isso, não deu quaisquer pontos a "nuestros hermanos"! Será o fim da tosca subserviência que ninguém consegue xplicar. Já vem tarde. Curiosamente a concorrente espanhola cantou em inglês, o que é, a meu ver, humilhante para a língua castelhana. Aliás apenas quatro países que chegaram à final optaram por cantar na sua língua natal: Montenegro, Itália, Polónia (estes com uma parte cantada em inglês), e a França, que ficou em último lugar com dois pontos. Os franceses teimam em apostar sempre no mesmo modelo: um bando de idiotas aos berros, no que mais parecem cânticos de futebol do que uma canção festivaleira. Curiosamente o grupo que os representou, os Twin Twin, levou uma canção intitulada "Moustache", ou "bigode". Se calhar ganhavam mais se tivessem optado pelo título "Barba". Portanto encontramo-nos novamente para o ano, altura em que o Festival comemora o seu 60º aniversário, e a festa terá por palco Viena, na Áustria, a nação de Mozart, Falco, Udo Jürgens e...a mulher de barba.



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