E eis que chegamos a 1988, ano dos Jogos Olímpicos de Seul, e onde a 20 de Janeiro os Beatles, os Beach Boys, as Supremes e Bob Dylan entram no Rock'n'Roll Hall of Fame - que alívio, já era sem tempo! A 26 de Março o single "Man in the Mirror" de Michael Jackson, do seu álbum "Bad", chega a nº 1 na Billboard, tornando-se no primeiro artista a colocar quatro singles do mesmo álbum no topo dos "charts" norte-americanos. Mas a 2 de Julho o "Wacko Jacko" bateria o próprio recorde, com outro single de "Bad", desta feita "Dirty Diana", a chegar também a nº 1 da Billboard - os americanos pareciam injectar Michael Jackson para a veia. Pelo meio, a 30 de Abril, uma tal Celine Dion, ainda desconhecida do grande público, vencia o Festival da Eurovisão com o tema "Ne Partez Pas Sans Moi". A 12 de Agosto o grupo de "hip-hop" Public Enemy torna-se famoso por dar um concerto na prisão de Riker's Island, nos Estados Unidos, para 250 presidiários, e na presença de cerca de uma centena de jornalistas. A 4 de Dezembro Roy Orbison dá o seu último concerto em Akron, no Ohio, antes de morrer de ataque cardíaco dois dias depois. O single mais vendido neste ano foi "A Groovy kind of Love", de Phil Collins, e o álbum com mais unidades a serem despachadas das lojas foi a estreia de George Michaele a solo, "Faith". Mas o que mais se ouvia no ano da graça do senhor de 1988?
Apesar do nome do grupo e da própria canção, os Vaya Con Dios são belgas, e uma banda puramente "europeia", ou seja, nunca tiveram qualquer single no top-40 do Reino Unido ou na Billboard norte-americana. Este "Puerto Rico" é um dos singles do seu álbum de estreia, intitulado apenas "Vaya Con Dios", e teve alguma audiência em países da Europa central e Ocidental, inclusivé em Portugal, onde era possível encontrar uma ou outra pessoa mais desinibida a cantarolar "ay ay ay ay ay ay...Puerto Rico". A banda, que se distinguia pela voz inconfundível da sua vocalista Dani Klein, separou-se em 1996, mas viria a reagrupar-se em 2004 (anda difícil encontrar um emprego sentado...). O meu tema favorito deste grupo é "Heading for a Fall", do álbum de 1992, "Time Flies". E a malta na Bélgica, onde o single foi nº 1, e nos Países Baixos, onde chegou ao 3º lugar, parece concordar comigo
Eis um dos temas que mais passou nas discotecas no Verão de 88: "Gimme Hope Jo'anna", de Eddy Grant, um cantor natural da pequena república sul-americana da Guiana, mas radicado no Reino Unido. Ao contrário do que muita gente pensava, esta "Jo'anna" não era nenhuma gaja, mas sim a cidade de Joanesburgo, capital da África do Sul, que por esta altura vivia os últimos dias do "apartheid", em vésperas da libertação do líder histórico do ANC, Nelson Mandela. Esta canção, que é portanto um hino anti-apartheid, chegou a nº 7 do Reino Unido, e a nº 1 na Bélgica e no Reino Unido, bem como ao top-10 em vários outros países. Mas Eddy Grant era já um cliente habitual destas andanças; em 1982 chegou ao nº 1 do top britânico com o single "I Don't Wanna Dance", e a nº 2 com o single "Electric Avenue", ambos do álbum "Killer on the Rampage", que foi ele próprio nº 7 do top de álbums. Inserido no género do "reggae", atribui-se a ele a invenção em 1994 do "ringbang", uma miscelânea de géneros musicais que se tornaria culto/religião/filosofia. Salvé São Eddy Grant. Que "Dja" esteja convosco.
Os Prefab Sprout (literalmente "sementes pré-fabricadas") são um grupo britânico formado em 1982, e que em 1985 teve alguma visibilidade com o álbum "Steve McQueen" - certamente dedicado ao actor norte-americano, falecido cinco anos antes - e nomeadamente com o single "When Loves Breaks Down" (quando o amor se avaria e nos deixa perdidos na auto-estrada no meio de nenhures; sim, sim, sei o que isso é), mas foi com o álbum "From Memphis to Langley Park", de 1988, que epá, pôxa, yupi!, 'tão a ver? Deste longa-duração saíu o single "The King of Rock'n'Roll", que chegou a nº 7 do top-40 do Reino Unido e foi o seu single de maior sucesso, ou ainda "Cars and Girls", que foi nº 44 mas passou pelas rádios frequentemente. Contudo o tema mais encantador da banda é este "Hey Manhattan", que para mim é a declaração de amor mais sincera que alguma vez se fez a um distrito financeiro em toda a história da música. Os Prefab Sprout eram conhecidos por não dar concertos. Se calhar tinham vergonha...
Em 1988 a música começava a apanhar o atalho da piroseira das "boys bands", e antes do orgasmo anal que foram os New Kids on the Block dois anos depois, surgiram estes Bros, um grupo britânico originário de Surrey, que levou o seu álbum "Push" ao nº 2 do top de álbums do Reino Unido, e o single "I Owe You Nothing" a nº 1 da tabela de singles. Os Bros, que é uma abreviatura de "brothers", era formado pelos irmãos Matt e Luke Goss (aí está), os loirinhos, e por um terceiro elemento, Craig Logan, o moreninho, que os três juntos eram muito paneleirinhos, e andavam aos pulinhos com aqueles penteados indescritíveis. Além deste tiveram outros singles de renome, como "Drop the Boy", "When I'll Be Famous" ou "Cat Among The Pigeons", até deixarem os nossos tímpanos ter algum sossego em 1992, quando acabaram.
Quem também saltou para o estrelato saída do nada neste ano foi a australiana Kylie Minogue, que hoje todos conhecemos como aquela diva quarentona, mas que em 1987 ainda como adolescente chamou a atenção com o single "The Loco-Motion", um original dos anos 60 cantado por Little Eva. Mas foi no ano seguinte com este "I Should be so Lucky" que a Kylie, que assinou o primeiro álbum exactamente com esse nome, se tornava uma estrela, chegando ao nº 1 dos tops desde a sua Austrália natal até ao Reino Unido, e até passando por Hong Kong! Depois foi o que se sabe: namorou com Michael Hutchence, o carismático vocalista dos INXS, batalhou contra o cancro da mama, e hoje é uma respeitável cantora/actriz/juri de concursos de talentos.
Esta Tanita Tikaram passou como um raio no passeio da fama com este seu single "Good Tradition", que foi nº 10 no top do Reino Unido, enquanto o seu álbum "Ancient Heart", de onde foi extraído, chegou a nº 3 da tabela de álbums britânica. Nascida na Alemanha filha de mãe malaia e pai fijiano (?!), era conhecida sobretudo pela sua voz profunda, e porque não dizê-lo, "máscula". Para os colecionadores de curiosidades completamente irrelevantes, refira-se que Tanita é irmã mais nova do actor singaporeano Ramon Tikaram, e sobrinha-neta do ex-juíz do supremo tribunal das Ilhas Fiji, Moti Tikaram, uma das figuras mais importantes na independência daquele arquipélago em 1987, e falecido em 2012. Espero que consigam dormir com tanta informação deste calibre, tão picante.
Nat King Cole foi um cantor muito apreciado pelos nossos pais e avós, e depois de ter morrido em 1965, apenas com 45 anos (acontece...), deixou no mundo uma filha, Natalie, que por acaso também herdou do pai os dotes vocais. Nascida em 1950, iniciou a sua carreira nos anos 70, e depois de alguns problemas com o consumo de heroína (acontece, também), ergueu-se e tornou-se gente, e já perto dos quarenta anos teve um grande sucesso com o álbum "Everlasting", de onde saíu este single "Pink Cadillac", nº 5 no Reino Unido e nº 1 da lista de "Hot Dance Club Play" da Billboard. Refira-se a título de curiosidade que o tema é um original de Bruce Springsteen, que era o lado B do single "Dancing in the Dark", e não chegou a ser incluído no mega-sucesso "Born in the USA". O que o "boss" deita fora, a filha do Nat King Cole aproveita.
Terence Trent D'Arby 130 um cantor nova-iorquino, que em 1987 assinou um álbum de estreia com o nome mais comprido de que há memória: "Introducing the Hardline According to Terence Trent D'Arby". Daí espremeu alguns singles, como "If You Let me Stay" ou "Wishing Well", este que seria o seu único nº 1 na Billboard. Contudo penso que o tema mais conhecido de TTD'A (gostaram desta abreviação? fui eu que inventei...) é "Sign Your Name", nº 4 na Billboard, nº 2 no Reino Unido, e nº 1 na Irlanda.
Not too shabby.
George Harrison, para quem não sabe - e é difícil, dada a propaganda feita nesse sentido - era um dos Beatles. Na sombra de John Lennon e Paul McCartney, Harrison foi sempre considerado o "terceiro beatle", mesmo assim à frente de Ringo Starr, o baterista, e chegou a assinar alguns temas que tiveram algum êxito. Não estou a falar de "I've Got My Mind Set On You", um dos seus sucessos de 1987 do álbum "Cloud Nine", que nem sequer é da sua autoria mas sim de Rudy Clark, do ano de 1962, quando os Beatles não era ainda sequer conhecidos, mas deste "When We Was Fab", por exemplo, do mesmo álbum. Escrito em parceria com Jeff Lynn, dos E.L.O., pode não ter tido um grande impacto nos "charts", mas não deixa de ser uma homenagem simpática aos Beatles em particular, e ao rock psicodélico em geral. Ah sim, George Harrison morreu de cancro em 2001, aos 58 anos.
E vamos terminar com este paleativo para a insónia, ou para a dor de dentes. Eithne Ní Bhraonáin, nascida em 1961 na Irlanda numa família de músicos, simplificou o seu nome "céltico" para um mais simples e inglês Enya Brennan, ou simplesmente Enya, e depois de 1980, ainda adolescente se ter juntado à banda "folk" irlandesa Clannad, onde pontificava a irmã Moya, optou no ano seguinte por iniciar uma carreira a solo. Os anos corriam interpretando canções com nomes impronunciáveis, como "An Ghaoth Ón Ghrian", ou "Deireadh an Tuath", que mais parecem palavras escritas de trás para a frente, mas são na realidade gaélico, um idioma das ilhas de lá de cima, falados desde há séculos pelos povos daquelas bandas. Seria em 1987 com o álbum "The Celts", que seria banda sonora da série da BBC dedicada aos indígenas com o mesmo nome que Enya ganharia alguma notoriedade, e foi aí que Nicky Ryan, que também havia produzido os Clannad, encontrou algum potencial comercial na voz da artista, e levou-a para um estúdio onde gravou algo de mais...ahem, "perceptível". E assim saíu em 1988 o álbum "Watermark", que foi um tremendo sucesso, e incluía este single "Orinoco Flow", que foi nº 1 no Reino Unido. Enya dispensa apresentações, e o seu álbum de 2000, "A Day Without Rain", vendeu 13 milhões de cópias em todo o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário