Beto, guardião do Sevilha, também conhecida por "aquela equipa onde o Beto joga".
Em primeiro lugar gostaria de deixar claro que isto não se trata de nenhuma provocação aos amigos e leitores benfiquistas, mesmo que dissimulada. A razão porque elejo figura da semana (e já fazia tempo que não actualizava esta secção) o guardião do Sevilha, o português Beto, tem a ver com mais do que o mérito que o atleta teve na vitória do seu clube na final da Liga Europa da última quarta-feira. Reparem como digo "vitória do seu clube", e não "derrota do Benfica". Independente de quem estivesse do outro lado, o heroísmo, a abnegação, a fibra e a persistência de Beto merecem destaque. É um gajo com tomates. E eu gosto de tomates.
Beto é felicitado por um colega; depois de ter combatido piratas somalis, acabado com a fome no mundo e desviado um meteorito da rota da Terra, ainda arranjou forças para segurar mais um "penalty".
Beto, de seu nome António Alberto Bastos Pimparel - imaginem o que sofreu durante a adolescência com o peso de um apelido destes - nasceu em Lisboa no Dia do Trabalhador do ano de 1982. Talvez a mãe dele tenha exclamado "pronto, que já me estragaste o feriado", e o mesmo terá dito o pessoal da maternidade/hospital/enfermaria/etc. onde o Beto nasceu, mas isto foi prova de que para este rapaz nada cai do céu aos trambolhões; é preciso lutar, batalhar, fazer força, levar na cabeça, trazer mais toalhas.
O momento em que a bola grita: "Vou a caminho, Beto! Sou tua, toda tua!"
De todas as crianças que gostam de dar chutos na bola, o Beto era especial, e por isso foi para a baliza, para ensinar aos outros "putos" que para fazer a festa é sempre precisar ultrapassar um obstáculo, e ele queria ser o último obstáculo, o gajo que têm que chatear para conseguirem ser felizes, ou então o tipo que estraga a festa, como ele fez com o Rodrigo e com o Cardozo na última quarta-feira. Ah sim, e do Jorge Jesus também. "Querem golos, é? Pensam que são o Pelé? O Eusébio? O Leong Kin Hang? Primeiro têm que passar por mim!" - é o que parece o Beto dizer com aquela expressão de "concentradíssimo, ó sócio", e aquela barba rala que lhe dá um ar de Irmão Metralha.
Ecce Homo
Beto começou por baixo, no Ponte de Frielas, um clube dos arredores da capital, e nos escalões juvenis foi para o Sporting, onde ficou até sénior - volto a repetir, ele não quer nada dado de ginjeira; podia ter ido logo para o Sporting e chegar à selecção num abrir e fechar de olhos, mas isso não tinha piada. Não viram o "Die Hard"? O Bruce Willis podia ter limpado o sebo aos gajos nos primeiros cinco minutos do filme, mas preferiu andar descalço por cima de vidros partidos, e andar pendurado em mangas de camisa num arranha-céus em Los Angeles na quadra de Natal, com um frio de rachar. Mesmo quando chegou ao futebol profissional passou um ano pelo Casa Pia, correndo os riscos que são conhecidos de todos. Isto é um destemido, um macho latino como já não se fazem mais hoje em dia.
A foto que deixou o mundo a perguntar: "quem é aquele desconhecido a tentar importunar o Beto?"
Em 2004 foi para o Chaves, com esperança de em Trás-os-Montes aprender como se pega um touro pewla unha. No ano seguinte esteve no FC Marco, em Marco de Canavezes, em busca das origens da mítica Carmen Miranda, e escutar os conselhos desse guru da gestão desportiva e camarária, Avelino Ferreira Torres. Seria só no Leixões, entre gente do mar, que chegou ao primeiro escalão. Em Matosinhos evidenciou-se na época 2008/2009, quando os "bebés" terminaram a liga em sexto lugar e foi jogador do mês em Novembro - sem querer, claro, pois estava apenas a fazer "aquilo que sabe". A sua maior frustração foi não ter sido campeão pelo Leixões nesse ano. Sim, pensam o quê? Aquele sexto lugar do Leixões é a média da ambição, determinação e empenho do Beto e da modéstia dos outros tipos que por lá andavam. Sem o Beto tinham ido parar direitinhos à 2ª liga. Foi nessa altura que fez a sua estreia pela selecção. Sabendo que foi convocado para uma partida amigável contra a Estónia a 10 de Junho de 2009, disse apenas: "aceito". O resultado foi um empate a zero, e atendendo que do outro lado estava a modesta Estónia, a explicação é simples: ninguém ousou comemorar um golo com aquele deus das balizas dentro do rectângulo de jogo. Seria blasfémia. O dia era para as redes das balizas ficarem quietinhas.
Beto ensina a Deus "como se faz".
Posto isto foi para o Porto, em busca do título, qual jovem gafanhoto de Shaolin parte em busca das marcas no corpo que o deixarão saber que é uma máquina de guerra. Orientou o brasileiro Helton nos treinos, aconselhando-o e transmitindo-lhe a confiança necessária para levar os dragões ao título em 2010. Quando Helton falhava, Beto mandava-lhe facas com o olhar, como quem avisa "olha que vou eu para aí para te mostrar como se faz". É por isso que desde que o Beto saíu do Porto o Helton tem andado tão "frangueiro". Com as faixas de campeão ao peito, e com o sabor do sangue do inimigo na boca, faltava-lhe acção, queria mais, e voltou a partir. No dia em que deixou a invicta pela porta grande do Estádio do Dragão, deteve-se e olhou para trás, e suspirou: "a minha missão aqui está terminada". E a seguir caminhou sem destino em direcção ao pôr-do-sol.
Beto emocionado, contando como salvou um gatinho de cima de uma árvore com um braço, enquanto com o outro defendia mais um "penalty".
O seu próximo clube seria o CFR Cluj, onde figura nas páginas de ouro daquele clube romeno como "a maior contratação de sempre". Sim, porque o Beto é o tipo de pessoa que liga para casa a meio da tarde e diz: "agora vou para a Roménia, não contem comigo para jantar". Sentia saudades de ver o terror na cara dos avançados quando segurava as bolas que vinham já com selo de golo. Deliciava-se quando os jogadores adversários se preparavam para festejar, e subitamente mudavam a expressão de contentamento para desespero. E tinham que ser romenos, desta vez. Porquê? Porque sim. O Cluj foi campeão nessa época, mas penso que isso nem era necessário relembrar. Mas isso foram trocos, cansou-se depressa, e foi para Braga. A razão do declínio dos minhotos esta época deveu-se simplesmente à saída do Beto. Eram soldados à deriva, sem um general, sem uma luz que os guiasse.
Beto beija a taça...mas só porque ela pediu muito.
Depois veio o Sevilha, sol e touros, para variar, e este desfecho era previsível: a glória aos olhos do mundo. Não foi por ter sido o Benfica. Outro qualquer "marchava" na mesma. Adiantou-se no "penalty" do Cardozo? Não meus amigos...não vos deixai iludir apenas pelo que os olhos vos permitem visualizar. Aquela bola estava nas mãos do Beto ainda antes de ser rematada pelo paraguaio do Benfica. Agora no mundial fico a fazer força - como fez a mãe do Beto no segundo parágrafo deste texto - para que o Paulo Bento dê a titularidade a este homem, para que se concretize a premonição, que se feche o círculo, e que se abra o último selo. Depois de levar Portugal ao título de campeão mundial, o que para ele é nada mais que "um dia normal de trabalho", o que se seguirá? Um convento trapista? Voluntário em Kalaupapa, no Hawaii, ajudando os leprosos? Só o Beto sabe. Estará onde for preciso, a fazer a vida negra aos gajos que pensam que podem meter as bolas onde quiserem, no fundo de qualquer baliza, sem que ninguém os detenha. Força, Beto!
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