Depois de uma semana quente, húmida e chuvosa, em suma, com um clima "à Macau", pensei por bem deixar
artigo de ontem do jornal Hoje Macau (a propósito, a-do-rei a ilustração) alguns conselhos de como andar na rua sem acrescentar a esse enfado a chatice de andar a esbarrar com gente pegajosa. Tenham um bom fim-de-semana, e não se esqueçam que amanhã temos a comemoração do Dia de África. Em alternativa podem ficar em casa, debaixo do ar condicionado.
Acho muita graça àqueles manuais que explicam coisas a pessoas completamente ignorantes sobre o assunto, da série “para totós”, uma tradução algo saloia do original “for dummies” – eu cá traduziria “dummies” para “patetas”, mas aparentemente os portugueses preferem ser chamados de “totós” do que “patetas”, enfim, vá-se lá entender mais esta particularidade do ser lusitano. Alguns destes manuais explicam como funcionar com um sem número de instrumentos, aplicações ou novas tecnologias, e dão ainda noções básicas sobre os mais diversos temas, desde Técnicas de Vendas a Inteligência Emocional, passando por Gestão ou Matemáticas Aplicadas. Alguns títulos chegam a parecer bizarros, como são os casos do “Windows 8 para totós” ou ainda “Excel 10 para totós”. Após uma rápida pesquisa numa livraria virtual, descobri que o “Fotografia Digital para totós” é um dos mais requisitados, ao ponto de se encontrar actualmente esgotado. Da próxima vez que um estranho o fotografar, sorria, pois pode muito bem ser um totó. Não entendo como alguém que queira ter noções sobre algo que desconhece por completo prefere rebaixar-se à condição de totó, adquirindo um manual onde se explica tudo muito devagarinho, e com ilustrações para aqueles que dizem que ler “dá dores de cabeça”, em vez de se informarem junto de alguém que perceba sobre o assunto.
Mas já que está na moda esta auto-redução à paráfrese socrática do “tudo o que sei é que não sei nada”, pensei numa adenda interessante a esta fascinante colecção: “Como andar na rua para totós”, ou no caso concreto, “Como andar na rua EM MACAU para totós”. É que já lá vai o tempo em que a angustiante experiência de circular a pé pelas ruas de Macau se resumia à zona comercial e turística, pois um pouco por toda a cidade é possível estabelecer contactos imediatos do primeiro grau com outros transeuntes a quem escapa a simples noção do “outro”, da presença de mais seres humanos no mesmo espaço físico. Não sei se esta matéria teria tripa que chegasse para encher chouriços que dessem para um manual da série “para totós”, mas posso deixar algumas noções para a apreciação do estimado leitor, assim em jeito de “preview”:
- A rua, mais precisamente a zona reservada aos pedestres também conhecida por passeio, chamada de “via”, é pública – “via pública”, portanto. Isto significa que pertence a todos, e todos têm o direito de nela circular livremente. Pense nisto antes de ficar à espera da esposa, do táxi que nunca mais chega ou da carrinha das mudanças, enquanto arreia no chão da via pública – que recordo, é de todos – as compras, os sacos, os móveis, ou o seu estaminé completo, “estrangulando” a circulação normal das pessoas que não têm nada a ver com a sua vida.
- Se estiver à espera de alguém, combine um local de encontro onde não atrapalhe. Evite especialmente as áreas junto a edifícios públicos e comerciais, onde entram e saem constantemente pessoas, e paragens de autocarro. Neste último caso, parece estar a tornar-se moda combinar ali um “rendez-vous”, mas ficaria surpreendido com a quantidade de locais mais convenientes não as paragens de autocarro, onde, como o nome indica, é suposto esperar-se por um transporte público colectivo – o tal “autocarro”.
- E já que falamos de edifícios públicos ou comerciais, tenha a gentileza de prestar atenção no momento em que sai de um desses locais, cuidando que olha para a frente, e não para trás, para o lado ou para o chão, arriscando-se assim a chocar com alguém que, não sendo dotado de visão raio-x, ignora que se prepara para levar com um presunto ambulante em cima. Ainda por cima agora com este calor e humidade “muito acima dos 100%”, citando o imortal Gabriel Alves, temos que admitir que não é lá muito agradável.
- Menção especial para os peões que teimam em usar o telemóvel enquanto circulam pela via pública. E não me refiro, logicamente, à função para a qual esta tecnologia foi inventada, que requer apenas o uso das funções oral e auditiva, deixando o sentido da visão livre para evitar andar aos encontrões com o resto da humanidade. Seja qual for a aplicação que estiver a usar que o faz andar pela rua feito um tontinho com os olhos pregados no ecrã do aparelho, deixe-me dizer-lhe que: 1) se necessita urgentemente de mandar um SMS, procure um local ou se possa sentar ou 2) se estiver ocupado com uma futilidade qualquer, um jogo, pornografia “hentai”, seja lá o que for, isso pode esperar; não seja alarve, por delicadeza.
- No caso de ser turista, ou se encontrar de férias, que bom para si. Contudo respeite quem não está de férias e precisa de tratar da sua vida. Se quiser passear, recomendo-lhe a ilha do Coloane, onde o comércio e os serviços estão em minoria em relação às árvores e aos passarinhos. Se está acompanhado da namorada, em vez de passear a passo de caracol de mãozinha dada na rua, ocupando a quase totalidade do passeio, sugiro que procure antes uma daquelas pensões que se encontram um pouco por toda a parte, onde pode dar largas ao seu afecto, e no fim vai ver que ainda me agradece. Julgo que ainda é possível alugar um quarto por 100 patacas à hora, e 150 por duas horas, caso lhe apeteça uma sesta depois do “namoro”.
- Agora que temos tido a companhia sempre desagradável da chuva, é necessário recorrer ao volumoso mas obrigatório guarda-chuva, com convém saber usar com deferência pela restante população. Lembre-se que quando chove, é para todos, e nada justifica andar por aí a enfiar varetas nos olhos do vizinho do lado. Já agora evite sacudir o guarda-chuva antes o abrir quando sai para a rua, pois assim pode haver alguém que leva com a água que não lhe caiu em cima. Não se preocupe que o objecto não se constipa.
- Para a terceira idade, os velhinhos e velhinhas, que coitadinhos, trabalharam uma vida inteira, os pobrezinhos, uma pequeno conselho: ninguém vos proíbe de andar na rua em ritmo de marcha fúnebre, mas evitem fazê-lo durante as chamadas horas de ponta, quando há pessoas com pressa que precisam de se despachar para ir para o trabalho, e assim contribuir para a segurança social, que depois vos pagam as pensões, que depois vocês usam para comprar, remédios, pagar os “yum-cha” e impregnarem-se de lavanda, etcetera. Sei que é preciso respeitar os idosos, mas por outro lado, enquanto as moléculas que compõem o meu todo faziam ainda parte de matéria diversa, já eles andavam por aí cantando e rindo. Para quem não entende o que é isto do “ciclo da vida”, recomendo um filme muito bom sobre o assunto: “O Rei Leão”.
- Uma palavra final para os cidadãos automobilizados que gostam de estacionar o carro em cima do passeio ou passar de mota na zona reservada a pedestres para “cortar caminho”: o que vocês estão a fazer É ILEGAL! Portanto TOMEM ATENÇÃO AO QUE ESTÃO A FAZER, E NÃO REFILEM! Pronto, penso que isto ficou claro.
E são estes alguns tópicos, que a juntar a outros que deixei de fora mas muitos leitores devem certamente ter observado enquanto andam a pé por Macau, davam um bom manual de “Como andar na rua em Macau, para totós”. E casos há em que “totó” é um dos nomes mais simpáticos que ainda se pode chamar a certos peões que temos a oportunidade de ver por aí todos os dias, e com os quais já tivemos oportunidade de esbarrar uma vez ou outra.
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