quarta-feira, 21 de maio de 2014

Quem comenda ventos encomenda tempestades


Atento como sempre ao que se faz por cá em matéria de opinião, lia hoje - aliás, como sempre faço - a coluna do meu estimado amigo, professor e figura que tanto prezo, Dr. Oliveira Dias nas páginas do Jornal Tribuna de Macau. Nunca me canso de referir o enorme respeito que nutro e consideração que tenho pelo Dr. Oliveira Dias, uma das pessoas mais educadas e com mais classe que alguma vez tive a oportunidade de me cruzar, e como também já deixei claro em artigos anteriores onde comento os seus pontos de vista, não posso senão colocar-me do lado oposto da barricada - nunca do extremo-oposto, pois não me agradam extremismos, radicalismos e outros "ismos". E para mim nada é definitivo, e também gosto pouco de certezas absolutas, sejam elas na forma de dogma, ou outra qualquer.

Posto isto, no artigo desta quarta-feira, o Dr. Oliveira Dias tece considerações sobre as ordens de comendador atribuidas pelo Presidente da República a figuras locais que se distinguiram nisto e naquilo, mas que no fundo foram apenas empurradas através dos "lobbies" que os suportam para levarem com o "selinho", e se alguns deles já quase rebentavam com tanta cagança, o melhor é andar com um guarda-chuva à mão, não vão eles rebentar por aí. Não é por nada, mas se o Dr. Oliveira Dias não entende parte dos critérios que levam estas pessoas a serem condecoradas, eu fico sem entender o todo. Em alguns casos a falsa modéstia com que aceitam a distinção seria risível, fosse a hipocrisia uma coisa que desse vontade de rir.

Mas pronto, já que tratamos estas comendações como algum tipo de atestado de excelência, ou algum elixir da eterna juventude que os vai fazer viver para lá dos anos que Matusalém andou pela Terra, para quê aproveitar para retomar essa espécie de diatribe que o estimado Dr. Oliveira Dias tem com o deputado José Pereira Coutinho? E deixe-me que lhe diga, falando do coração, e de olhos nos olhos, que pegar numa coisa tão rasteira e pequenina como estas condecorações, só lhe fica mal. A si e a qualquer outra pessoa. É que se levarmos isto mesmo a sério, e estes graus, mais do que apenas para colocar antes do nome próprio, visam "reconhecer o contributo para o reforço dos laços de Macau com Portugal e o prestígio da nossa Comunidade", é bem possível que nenhum dos condecorados o merecesse. Não consigo entender como são "inteiramente merecidas", ou até "quase óbvias" (ainda bem que há ali um atenuante "quase") essas distinções, ou como é que estas figuras "se esforçaram" nas suas áreas, como se estivessemos aqui a falar da dobragem do cabo das Tormentas, ou da construção da Torre de Babel.

Voltando à questão do deputado Pereira Coutinho, vou adiantando que nunca votei nele, mas não porque me desagradem as suas posições, ou que nutra por ele algum sentimento de antipatia. Até me identifico com alguns dos seus princípios, mas sou incapaz de olhar para a política com esta visão tão redutora de que "só serve quem a mim me serve", e apesar de eu próprio ser funcionário público (FP), não me contento com uma mera representatividade em nome dos meus interesses pessoais, como se me estivesse a sentir ameaçado. Também não acredito que lá por eu ser FP o deputado Pereira Coutinho apareça a voar por cima dos arranha-céus para me salvar, caso esteja eu em situação de risco, ou veja os meus direitos lesados. Agora quando o Dr. Oliveira Dias diz que "ninguém leva a sério" o deputado Pereira Coutinho, temo que esteja a deixar a sua opinião pessoal turvar a água do seu julgamento; é que nas últimas eleições houve mais de 13 mil eleitores a colocar ao lado do "desenfreado populismo" do Dr. Pereira Coutinho, e só mais "desenfreados populistas" foram levados mais a sério que ele.

Penso que a consideração que o Dr. Oliveira Dias tem pela Dra. Florinda Chan, o que me deixa meio baralhado na busca de uma razão plausível para tal, coloca-o num ponto extremo (lá está) de assumir que quem não está do seu lado, está contra ela. A rivalidade entre o deputado e a sra. secretária, e julgo que isto é do conhecimento público, deve-se a contas antigas que ficaram por saldar, do tempo em que os dois eram colegas nos Serviços de Economia. Posto isto, havendo uma constante crispação entre quem dirige os FP, e quem os representa, quem fica a perder são os próprios FP, que são apanhados no meio deste fogo cruzado, e em muitos casos usados como reféns de uma e de outra parte, de peões políticos. Pode ser que eu esteja muito enganado, não me atrevo a chamar a mim o exclusivo da razão, mas para cada acção de uma parte, há uma contra-acção da outra, e vice-versa. Por muito que tente encontrar o que leva o meu caro amigo e mestre a considerar que existe aqui um agressor e um agredido, não consigo, tenho muita pena.

Mas já que lhe desagradam exemplos de arrogância, ficou por referir a forma deselegante como o nosso Chefe do Executivo faltou à cerimónia de entrega das ordens, exactamente por ali se encontrar também o Dr. Pereira Coutinho, porque como muito bem referiu no seu artigo, citando o comunicado do porta-voz do Governo, "a escolha das individualidades condecoradas foi da exclusiva competência do Presidente da República". Se acreditarmos que isto é mesmo verdade, e que ainda o ano passado estava o Prof. Cavaco Silva a almoçar as favas guisadas com toucinho preparadas pela sua simpática primeira dama, e terá dito: "Maria, quando eu for outra vez a Macau, lembra-me de agraciar com a ordem de comendador o José Pereira Coutinho, da ATFPM", então com a ausência do nosso CE o nosso PR vai ficar a pensar que estamos entregues a um bando de grunhos sem qualquer sentido de estado - e vendo bem, estamos mesmo.

Sobre as restantes personalidades que o meu caro Dr. Oliveira Dias diz "merecerem" uma condecoração, creio que podem dormir descansados, pois da próxima vez que o PR nos der a honra da sua visita, seja este ou seja outro qualquer (muito provavelmente outro), trará consigo uma caixa cheia destas chupetas de pechisbeque para que os bebés não chorem mais pensando que são invisíveis a andam a querer aparecer só para o boneco, e possam assim posar sorridentes, com cara de cera, ao lado do "big shot" a receber uma medalhinha. Julgo mesmo que o PR anda com meia dúzia dessas medalhas no bolso, não se vá dar o caso de lhe aparecer pela frente algum elemento de alguma comunidade de um sítio qualquer que "se distinga nas suas funções em nome dos laços blá blá blá". Já agora gostava de agradecer às associações que mandaram publicar na imprensa mensagens de congratulações aos condecorados - nada, mas mesmo nada tendenciosas, aliás - que assim quem andou esta semana distraído a apanhar caracóis na ilha da Montanha ficou muito mais culto. E os alvos das felicitações dez anos mais jovens, também.

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