Não, não se assustem que não foi o zombie Vasco Gonçalves nem o zombie Cunhal que regressaram para acabar com o que ficou a meio vai agora para 39 anos. Este é apenas o
artigo desta semana do jornal Hoje Macau. Não é arte, mas é o melhor que se pode arranjar, e pelo menos não é censurada. Não liguem, que eu sou um idiota que não entende nada de arte. Bom fim-de-semana prolongado!
I
Em Macau o povo saíu à rua, disse presente, mostrou que está vivo, que se mexe, que respira. Nem o dia mais quente do ano impediu que vinte mil residentes se fizessem à estrada no último domingo para demonstrar a sua insatisfação por uma lei que consideram injusta, desadequada e despropositada: o regime de garantias dos titulares dos principais cargos públicos. As gentes de Macau podem ser cordatas, pacíficas, por vezes demasiado permissivas, mas sabem perfeitamente que estes “nobres servidores do interesse público” não precisam de se inscrever no fundo de desemprego quando abandonam o seus cargos – nem aqui nem em lugar nenhum do mundo. Achei adorável que se vissem na manifestação cartazes escritos num português absolutamente encantador, onde se lia “Tem vergonha”, “Querem roubar o cofre do povo” ou “Ali Bábá e os 40 ladrões” – foi simpático lembrarem-se da outra língua oficial. Ao mesmo tempo que decorria este verdadeiro despertar das consciências adormecidas, realizava-se outra manifestação, organizada por um grupo de conterrâneos lá de não-se-sabe-de-onde-nem-interessa, que de tão fingida e coreografada que era fez os seus participantes cair no ridículo, e veio dar ainda mais razão à primeira, a genuina, a original. É que o amor assim, quando é pago, deixa de ser amor e passa a ser outra coisa. O quê? Penso que nem é preciso responder a essa pergunta.
II
Outras manifestações têm lugar do outro lado do mundo, no Brasil, onde dentro de duas semanas se dá o pontapé de saída de mais um campeonato do mundo de futebol. O povo brasileiro, orgulhoso e amante do desporto-rei, rejubilou quando a 30 de Outubro de 2007, vai portanto para sete anos, a FIFA anunciou que o país do samba organizaria a sua maior competição entre selecções, mais de trinta anos depois da festa do futebol ter passado pela última vez pela América do Sul, aquando do mundial da Argentina, de 1978. Terminada a festa, é hora de deitar mãos à obra, que isto dos mundiais não se faz na praia de graça, nem se prepara uma semana antes. A pouco mais de um ano da realização do evento, e com as obras suspeitamente atrasadas, eis que a opinião pública se lembra que a brincadeira sai cara, e toca de sair à rua recordando que há coisas mais importantes que estádios de futebol: faltam hospitais, as escolas não chegam, as estradas têm buracos, a criminalidade aumenta, tal como a pobreza, enfim, tudo serve de desculpa para semear o caos. Permitam-me um pouco de cinismo, mas se a FIFA tivesse retirado a organização do mundial ao Brasil por todos esses motivos, os protestos seriam contra essa decisão, e não como chamada de atenção para os problemas internos do país, que são comuns a todos, enfim, mesmo aos Estados Unidos, ao Japão, à França ou à Alemanha – quatro países que organizaram a competição nos últimos vinte anos, coincidentemente. Agora gostaria de saber o seguinte: quem disse que receber um mundial é uma panaceia para resolver todos os problemas sociais do país que o organiza? É uma honra, sem dúvida, mas ao mesmo tempo uma responsabilidade, e na prática um investimento que poderá acabar com um balanço positivo em termos de retorno. Não me posso esquecer de apontar o dedo à própria FIFA, que por vezes promete aquilo que nunca poderia cumprir. Ficava-lhes melhor que se limitassem ao papel que lhes compete: organizar e gerir o futebol mundial. Deixem-se de quimeras, e deixem as promessas para os políticos.
III
Gostaria finalmente de dar os parabéns à Teledifusão de Macau, a TDM, pela passagem do seu 30º aniversário. A “nossa” TDM pode não ser um poço de virtudes, mas só lhe posso estar grata por me ter servido de farol durante os mais de vinte anos que já levo de Macau, orientando-me numa direcção que me levou a saber mais e a perceber melhor certos aspectos da vida do território. A TDM tem o mérito de ter sobrevivido durante três décadas numa verdadeira “selva”, e os louros vão sobretudo para os seus profissionais, quer os actuais, quer os do passado, quer os do canal em português, quer dos “pangyaos” do canal em língua chinesa. Não deve ser nada fácil dar o nosso melhor debaixo de pressões que vão desde a interferência da política e de diversos outros grupos nos conteúdos, ou das constantes e fatalistas previsões que apontam para o fim da estação, assim sem mais nem menos. É verdade que podia melhorar aqui e ali, todos temos a nossa colher para meter nesse tema, do que podia ser feito, ou de que devia ser evitado, mas a verdade é que Macau não seria a mesma coisa sem a estação da Xavier Pereira. A todos um bem haja, e que continuem a fazer o melhor que sabem, que falando apenas por mim, chega muito bem. E sobra.
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