Num dia quente e húmido como este Domingo, que convidava à permanência no calmo e temperado remanso do domicílio, debaixo ar ameno e artificial do ar-condicionado, eis que acontece em Macau a maior manifestação em 15 anos de Região Administrativa Especial. Vejam lá vocês, que depois de voltar a casa à hora de almoço carregado de compras e a suar em bica, dava-se a maior "manif" do milénio, e eu em casa no choco, de papo para o ar, a recuperar das horas de sono perdidas durante a semana, a ressonar entre os lençois fresquinhos a sonhar com outras "manifestações". Confesso que a adesão, muito acima das expectativas, deixou-me supreendido, e mais ainda pelo facto de não se tratar de nenhuma causa particular ou específica, com laivos de egoísmo e pouco razoável, como aconteceu com o protesto dos "croupiers" contra a inevitabilidade de contratar mão-de-obra não-residente que dê resposta às exigências do mercado do jogo. Hoje o povo, na sua maioria jovens, saíu à rua para demonstrar o seu descontentamento pelo diploma que compensa os detentores de altos cargos públicos pelo exercício desses mesmos cargos, garantindo-lhes o que só pode ser interpretado como uma "reforma dourada" por alguns anos de serviço que deveria ser em prol da população. No caso do Chefe do Executivo, por exemplo, representa que o detentor do cargo recebe 70% do total do vencimento que aufere actualmente depois de terminar funções, e 70% de 200 e tal mil patacas para não mexer um dedo, parece pouco razoável, especialmente atendendo ao facto que um cargo público de topo não representa necessariamente um obstáculo à iniciativa privada - no caso de Macau, antes pelo contrário. O princípio de "justiça" subjacente a este diploma não convence nem o mais crente dos anjinhos, e o Executivo está a dar um tiro no próprio pé ao levar isto adiante, porque sinceramente é aquilo que tecnicamente se chama de "fartar vilanagem".
O que o Executivo acaba por fazer ao propôr este diploma é criar um clima de insatisfação onde este não existia. Não se tratando de uma medida urgente para o presente ou futuro da RAEM, mas algo que só pode ser intepretado como uma partilha dos despojos entre os governantes, sem qualquer reflexo prático na vida da população. Pode-se reduzir isto a uma pergunta muito simples: "concorda que fulano e sicrano sejam compensados pelo exercício de um cargo público generosamente remunerado, e para o qual não foram sequer eleitos, e onde permanecem teimosamente, à revelia da tendência mundial que aponta para a renovação sasonal de cargos dirigentes, no âmbito de uma saudável alternância democrática?". Para quem entende a pergunta e não está incluido no grupo de benificiários do tal diploma, a resposta é claramente "não", ou "nem pensar", e caso a questão seja colocada a pessoas residentes em certas partes do norte de Portugal, existe a possibilidade de se acrescentar um "eu mais quero é que eles se f...". O problema aqui é que não existe qualquer argumento que convença seja quem for que os nossos governantes se sacrificam em nome do bem público, perdendo lucrativas oportunidades de negócio apenas porque no papel estão impedidos de desempenhar funções de gestão em empresas ou sociedades privadas. Quer dizer, por muita areia que se atire para os olhos do povo, este está careca de saber que a última coisa que alguém tem na mente quando desempenha um cargo de elevada responsabilidade e que intrinsicamente lhe atribui poderes que não teriam como cidadãos privados, é o "bem público". Tudo bem, olhem, fazemos assim: enquanto V. Exas. se sacrificam pelo nosso bem - e já agora obrigadinho - eu trato dos negócios que vocês deixaram à mão de semear. Mas já agora quais são? É que nem eu nem os meus estamos sujeitos a qualquer impedimento, mas a porra dos negócios não aparecem. Assim não é justo.
Quem fica a ganhar, pelo menos aparentemente, são os "contras", e neste caso particular, Jason Chao e os seus amigos do Novo Macau e da recém-criada Associação Consciência Macau, que organizou a manifestação de hoje. Ao se juntarem a ele outras associações, com destaque para a ATFPM de Pereira Coutinho, que tardou mas não faltou, e muita gente anónima, o resultado foi o que se viu, com milhares nas ruas a expressar a insatisfação com a proposta, que bem vistas as coisas, parece um insulto. No Telejornal de hoje vi uma senhora, aparentemente uma "trabalhadora não-residente", que inquirida a este propósito mostrou alguma supresa pela dimensão do protesto, pois tinha a impressão que as pessoas de Macau "são fracas". Concordo com ela, fracas sim, e por vezes indiferentes quanto a assuntos que lhe dizem directamente respeito, isto para não as chamar de cobardes, mas estúpidas é que elas não são. Pondo as coisas nestes termos, numa Macau que continua a somar e a seguir nos "rankings" do PIB per capita, onde o excedente entre o orçamento e a despesa é apenas ultrapassado pelo Kuwait, e as reservas financeiras permitem que a economia se mantenha em índices positivos durante anos sem qualquer fonte de receita, como se justifica que hajam residentes a fazer contas de cabeça no fim do mês devido à inflação galopante, ou onde os jovens não podem comprar casa, e enquanto isso os nossos governantes não pensam noutra coisa senão nos seus próprios interesses? Penso que nem se deve falar de uma vitória de Jason Chao, Pereira Coutinho ou qualquer outro grupo, neste caso particular. Pensar que as massas iam ficar caladas e aceitar este estado de coisas é o maior atestado de invertrebalidade que se poderia passar a alguém. É simplesmente muita "lata".
Mas agora passemos ao caricato, ao bizarro, à barraca dos fenómenos. Segundo Jason Chao, terão participado na manifestação de hoje cerca de 20 mil pessoas, e há que aponte para um número ainda maior. De facto nunca se tinha visto um mar de gente tão grande a marchar pela cidade, com a "cabeça" já na Rua do Campo, enquanto a "cauda" ainda passava perto da Brigada de Trânsito dA PSP, na Avenida Sidónio Pais - penso que nem a polícia se atrevia a praticar o habitual "rigor" que normalmente exerce nestas ocasiões. Só que mesmo assim as autoridades têm números diferentes quanto à adesão ao protesto, apontando para "sete mil pessoas". Entre vinte mil e sete mil existe uma grande diferença, e nem é preciso contar as cabeças uma por uma para identificar a presença de menos de metade das pessoas numa e noutra versão. Esta é uma tendência que se verifica mundialmente, e Macau nem é sequer um dos piores casos; há por aí jurisdições onde os organizadores deste tipo de protesto falam em "mais de cem mil pessoas", enquanto as autoridades desvalorizam dizendo que apenas viram "um cão, um bêbado e uma senhora a apanhar cartão". Não sei quem anda aqui a precisar de óculos, ou se é necessário que uma entidade independente contabilize com precisão os números da adesão a estes eventos, mas há uma coisa que eu não entendo: fosse eu o elemento das autoridades encarregado deste tipo de contas, e dizia sempre que "sim, sim, eram mais que as mães, os gajos, e isto deu um trabalho do caraças, portanto em vez de darem a massa aos gajos dos cargos públicos e não sei quê, dêm-na antes a nós". Autoridade é autoridade, independentemente da cor partidária ou de outra qualquer origem dos que exercem o poder político. e não há registo de qualquer líder que tenha decidido substituir toda polícia e exército quando chegou ao poder. E daí nunca se sabe o que vai na cabecinha desta gente.
Mas fossem os manifestantes vinte mil, sete mil, um milhão ou meia dúzia de curiosos, realizava-se ao mesmo tempo uma contra-manifestação, ou para ser mais exacto, uma demonstração de apoio à iniciativa do Executivo. A Associação dos Conterrâneos de Kong Mun organizou uma marcha de pouco mais de mil elementos - mil e oitocentos, segundo os próprios - que apesar de ser menos concorrida, acabou por exigir uma maior despesa em termos de orçamento. É que com excepção dos, digamos, duzentos elementos que participaram por "amor à camisola", os restantes só lá foram pela "quinhentola" que lhes ofereceram. Isso mesmo, pois antes do Telejornal da TDM revelar que aqueles velhos de merda que lá estavam só estavam interessados numa eventual contrapartida financeira, que não sabiam sequer a razão pela qual se manifestavam, e um deles chegou mesmo a afirmar ser "contra" o diploma, ao mesmo tempo que segurava um cartaz a manifestar que era a favor, já a "intelligenzia" chinesa local sabia que a participação valia 500 patacas por cabeça. Mesmo que fossem apenas mil os prostitutos analfabetos da terceira idade que ali estavam, isto já significa um investimento de pelo menos meio milhão de rufas; mas tudo bem, que os gajos da Associação dos Conterrâneos de Kong Mun, que integram a parte de leão da Associação Macau-Guangdong que foi a segunda mais votada nas eleições de Setembro último, tem dinheiro que chega e sobra para isso e para muito mais. E porque estão eles a favor desta proposta? Porque assim "a actividade política e o serviço tornam-se mais convidativos, atraindo assim os 'talentos'". Leia-se "ladrões" em vez de "talentos", e "burla" em vez de "actividade política". Mas epá, foram 16 mil a votar nestes gajos, e a julgar pelos seus "apoiantes" que ali estavam esta tarde, fico a pensar que dava jeito um surto de gripe que dizimasse uns milhares de velhotes ignorantes que permitem que este estado de coisas se mantenha. E não me façam essa cara feia, pois não fui eu quem aceitou quinhentos paus para ir vender a dignidade, e sem sequer saber para que efeito. "Depois dizem-me", como afirmou uma velha carcaça que por lá andava.
Finalmente uma referência à CTM, essa magnífica e competentíssima expeditora de tachos e outros utensílios de cozinha e detergente da roupa que serve os detentores dos monopólios aqui da terra. Esta tarde, e mais uma vez, os serviços de telecomunicações estiveram suspensos, ou funcionarem a meio gás, porque "estava muita gente na Praça do Tap Seac". Ah...pois é, que malandros, pá. Devia ter alguém ido lá com uma mangueira e dado um banho de água fria a esses gajos, que estavam para ali a atrapalhar o sinal e não deixavam os namorados falar ao telefone. Olha, podiam ser os bombeiros, que foram obrigados a patrulhar as ruas, uma vez que as comunicações funcionavam deficientemente, e podia ocorrer uma emergência qualquer, e a pessoa que fosse telefonar ouvisse do outro lado a banda sonora desta palhaçada que é a CTM: "The Sound of Silence", de Simon & Garfunkel. Já são mil e uma as desculpas da incompetência da CTM, desde "falha humana", a "cabos subaquáticos", passando por dores de dentes, unhas encravadas, albatrozes presos no fio e mais a puta que os pariu. Num mundo justo, estes gajos eram todos presos, cortavam-lhes as orelhas e atiravam-nos às formigas amarelas. O que sugerem que se faça da próxima vez que estiverem ali aqueles "bandidos" a atrapalhar as comunicações, meus amores? Uma carga policial, é? Uma carga de porrada, é o que vocês mereciam.
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