domingo, 1 de junho de 2014

A caminho do Brasil: o resto da América


A CONMEBOL, acrónimo para CONfederatión SudaMEricana de FútBOL, é juntamente com a UEFA a mais bem sucedida confederação da FIFA em campeonatos mundiais de futebol, com nove títulos conquistados pelo Brasil (5), Argentina (2) e Uruguai (2). Mais além destes três há mais sete federações que a compõem, seis delas com participações em fases finais de mundiais. A única excepção é a Venezuela, que tem como desporto de eleição o basebol, e o futebol é relegado para terceiro plano depois do basquetebol. Problema deles, enfim, pois assim não entram nesta resenha dos países sul-americanos que participaram em fases finais de mundiais, e vamos então começar por cima.


O Chile é das selecções sul-americanas que nunca foi campeã mundial aquela que obteve a melhor classificação: um terceiro lugar em 1962, no único mundial que organizou, e onde venceu quase tantos jogos como nas restantes sete participações. No mundial de 1930 foram uma das selecções que foi até ao Uruguai, mas ficou pela fase de grupos apesar de duas vitórias iniciais, por 3-0 frente ao México e 1-0 contra a França, perdendo depois por 1-3 com a Argentina, que rumou às meias-finais. Vinte anos depois, no Brasil, ficariam no famoso grupo 2, com Espanha, Estados Unidos e Inglaterra, e depois de derrotas por 0-2 com os ingleses e espanhóis, redimiram-se com uma vitória por 5-2 sobre os norte-americanos, que naturalmente não foi suficiente para seguir em frente. Em 62 seriam então a equipa anfitriã, e treinados pelo nosso conhecido Fernando Riera, que treinou os três grandes em Portugal, chegariam ao último lugar do pódio. Na fase de grupos venciam a Suíça por 3-1 e a Itália por 2-0, assumindo-se como uma equipa a levar em conta, e só não venceram o grupo devido a uma derrota por 0-2 com a Alemanha Ocidental. Mesmo assim nos quartos-de-final batiam a União Soviética por 2-1, e seriam apenas afastados da final pelo super-Brasil de Garrincha e Vává, que os derrotou por 4-2. No jogo de consolação arrebatavam o terceiro lugar com uma vitória por 1-0 contra a Jugoslávia.


Seguiu-se então uma fase muito irregular, com qualificação-sim, qualificação-não, mas sempre sem impressionar cada vez que chegavam a uma fase final. Em 1966 ficariam pela primeira fase em Inglaterra, depois de derrotas com a Itália (0-2), empate com a Coreia do Norte (1-1) e derrota com a União Soviética (1-2), falhariam o mundial de 70, e em 74 seriam eliminados na primeira ronda, com derrota por 0-1 com a Alemanha Ocidental, empate a um golo com a outra Alemanha, e 0-0 com a Austrália. Regressariam em 82 na Espanha, onde perderiam todos os encontros da fase de grupos: 0-1 com a Áustria, 1-4 com Alemanha Ocidental e 2-3 com a Argélia. Ausentes do mundial de México em 1986, os chilenos estavam apostados em participar do mundial da Itália em 1990, mas havia um pequeno problema: era preciso vencer o Grupo 3 da CONMEBOL, onde estavam a Venezuela e...o Brasil. Chilenos e brasileiros venciam com relativa facilidade as partidas contra os venezuelanos, e no jogo em Santiago do Chile entre ambos os candidatos, o resultado foi um empate a um golo. Com o "escrete" em vantagem no "goal-average", as duas equipas encontravam-se a 3 de Setembro de 1989 no Maracanã, e perante uma assistência de 140 mil espectadores, o Chile estava obrigado a vencer para garantir uma vaga no mundial. Os brasileiros estavam super-confiantes, sabendo que bastava um empate para carimbar o passaporte para Itália, e aos 49 minutos Careca dava vantagem à "canarinha". Os chilenos viam-se com cada vez menos argumentos, até que no minuto 67 algo de inesperado acontece: um "very-light" cai na área do guarda-redes Ricardo Rojas, e este atira-se para o chão queixando-se de ter sido atingido por "estilhaços" do projéctil. A equipa médica do Chile entra no terreno de jogo, e o guardião é retirado em maca a sangrar da cabeça, e o jogo é suspenso. Após inquérito da FIFA, descobre-se que o sangue era na verdade mercúrio-cromo, e que o guarda-redes chileno estava a fazer uma grande fita. A vitória é atribuída ao Brasil, que se qualifica, e o Chile fica banido do mundial seguinte, em 1994, nos Estados Unidos.


Em 1998 o Chile regressa, e fica no grupo da Itália, Áustria e Camarões. Ao obter três empates nos três jogos, passa quase como por milagre, pois austríacos e camaroneses empatam um com o outro e perdem com a Itália. Nos oitavos perdem por 4-1 com o Brasil. Depois de mais duas ausências, voltam em 2010, com o argentino Marcelo Bielsa no comando, e já com estrelas como Arturo Vidal, actualmente na Juventus, e Alexis Sanchez, um dos ídolos do Barcelona. Pela primeira vez desde 1962 os chilenos vencem um jogo, aliás dois, contra as Honduras e Suíça por 1-0, antes de perderem com a Espanha por 1-2 e ficar em 2º lugar no grupo. Nos oitavos, triste fado, outra vez o Brasil, e derrota por 3-0. Este ano voltam para mostrar o que valem.


Teofilo Cubillas, um grande perú, quer dizer, peruano.

Uma selecção que teve o sua idade dourada nos anos 70 mas que tem falhado as qualificações desde então é o Perú. Curiosamente da última vez que o Perú participou de uma fase final de um mundial foi em 1982, tinha eu sete anos, e colecionava os cromos de caricaturas de jogadores do Espanha 82, e achei interessante saber que existia um país chamado "Perú", tendo já noção da existência da ave com o mesmo nome. Pensava eu então que os habitantes do Perú eram os "perús", mas na realidade são os "peruanos", e o país partilha o nome com o delicioso pássaro por mera coincidência, pois deriva de um tribo que habitava aquela região, os "virú". Mais descansado fiquei, então. Pois bem, o Perú foi uma das selecções que aceitou o convite da FIFA para participar no mundial do Uruguai em 1930, mas ficaria pela fase de grupos, depois de perder por 1-3 frente à Roménia, com Luis Souza Ferreira a tornar-se o primeiro a marcar pelos peruanos, e depois por 0-1 com o Uruguai. Foi preciso esperar 40 anos para voltar a ver o Perú em mundiais, e lá apareceram eles em 1970 no México, com um jogador que passou pelo futebol português, e que é ainda hoje o "Eusébio" lá do sítio: Teofilo Cubillas, jogador das escolas do Alianza Lima e que representou o FC Porto entre 1973 e 1977. Cubillas teve o mérito de apontar 10 golos em dois mundiais, em 1970 e 1978.


O Perú de Cubillas chegou ao mundial do México em 1970, e chegou com facilidade aos quartos-de-final, vencendo a Bulgária por 3-2, Marrocos por 3-0 e perdendo com a Alemanha Ocidental por 1-3. Perder o primeiro lugar do grupo teve importância, pois a seguir depararam com o Brasil de Pelé, e apesar da boa réplica perdiam por 2-4. Voltariam em 78, na Argentina, com um Cubillas mais maduro, e passaram a primeira fase de grupos com vitórias por 3-1 sobre a Escócia e 4-1 sobre o Irão, ficando pelo meio um empate sem golos frente à Holanda, a "laranja mecânica". Na segunda fase de grupos estiveram envolvidos em alguma polémica, pois após derrotados por 0-3 com o Brasil e 0-1 com a Polónia, e virtualmente eliminados, seriam goleados por 0-6 com a equipa da casa, a Argentina, que precisava do "goal-average" para desempatar com o Brasil, e foram acusados de "entregar os pontos". Em 1982, já sem Cubillas, empataram a zero com os Camarões e a um golo com a Itália, antes de serem goleados pela Polónia por 1-5, e terminar em último lugar do grupo. E foi a última vez que os vimos em mundiais.


O Paraguai falhou a qualificação para o mundial do Brasil este ano, e é a primeira vez que isto acontece desde 1994. Os paraguaios participaram oito vezes em mundiais, mas nunca deixaram uma grande impressão, e obteriam o seu melhor resultado há quatro anos, na África do Sul. Participaram em 1930, 1950 e 1958, não passando da primeira fase, e em 1986 no México alcançaram pela primeira vez os 16 finais, mas seriam goleados pela Inglaterra por 3-0. Duas ausências depois, surgem no mundial de 1998 em França, e a grande estrela estava na baliza, o guarda-redes José Luis Chilavert, que em 74 internacionalizações marcou oito golos, que ficam aqui na totalidade no vídeo. Isso mesmo, marcou, pois era um especialista em livres directos e frequentemente chamado a cobrar grandes penalidades. Nunca marcou em mundiais, mas tentou - faltou-lhe pontaria - mas era "el capitan" e grande motivador da sua selecção. Em 1998 os paraguaios empatariam com a Espanha e Bulgária sem golos e venciam depois a Nigéria por 3-1, seguindo para os oitavos às custas da Espanha, mas onde perderiam com a França por 1-0 no prolongamento, com um golo dourado de Laurent Blanc. Em 2002, ainda com Chilavert como capitão e orientados pelo italiano Cesare Maldini, empatariam e dois golos com a África do Sul e sentiam a vingança da "roja", perdendo com a Espanha por 1-3, mas venceriam a Eslovénia pelo mesmo resultado e passariam com melhor diferença de golos sobre os sul-africanos. Nos oitavos mais uma derrota pela margem mínima, desta feita com a Alemanha.


Em 2006 na Alemanha, já sem Chilavert, têm uma prestação modesta, e ficam pela fase de grupos pela primeira vez desde 1958, ao perderem por 1-0 com Inglaterra e Suécia, de nada servindo depois a vitória por 2-0 com Trinidad e Tobago. Quatro anos depois redimiam-se, e venciam o grupo da Itália, chegando depois pela primeira vez aos quartos-de-final, com o benfiquista Oscar Cardozo nos 23 escolhidos de Gerardo Martino, o argentino que este ano orientou o Barcelona. Depois de um empate a um golo com os italianos, venciam a Eslováquia por 2-0 e empatavam a zero com a Nova Zelândia, e nos oitavos contra o Japão vencem no desempate por "penalties", depois do 0-0 persistir após 120 minutos. Nos quartos-de-final seriam eliminados pela Espanha por 1-0, com David Villa a marcar o único golo do encontro aos 83 minutos. Desta vez fizeram uma campanha desastrosa com vista ao mundial do Brasil, terminando no último lugar da zona de qualificação da CONMEBOL.


A Colômbia de 1990, uma equipa muito "louca".

A Colômbia participaria pela primeira vez de uma fase final de um mundial em 1962, onde depois de perder com o Uruguai na estreia por 1-2, empatava a quatro golos, protagonizando uma fantástica recuperação depois de ter estado a perder por 0-3 e 1-4. As energias devem ter ficado esgotadas, pois a seguir perdiam com a Jugoslávia por 0-5 e eram, naturalmente, eliminados. Depois de um período em que o país seria conhecidos por razões menos nobres que o futebol, uma nova geração de jogadores colombianos chegaria ao mundial de 1990, em Itália. Uma equipa muito exótica, muito cabeluda, muito "dangerous" e comum guarda-redes "kamikaze" entre os postes, um tal René Higuita, que anos mais tarde chegaria a estar preso por rapto. Treinados por Francisco Maturana, contavam com Carlos Valderrama, um médio facilmente identificável pela sua farta cabeleira loira, e que se tornaria o mais internacional dos jogadores colombianos. Lá na frente tinham jogadores como Bernardo Redín e Freddie Ríncon, eram uma equipa com que dava para simpatizar. Na estreia não podiam ter pedido um adversário melhor, os Emirados Árabes Unidos, que venceram com naturalidade por 2-0, e depois de uma derrota por 0-1 com a Jugoslávia, empatavam a uma bola com a Alemanha Ocidental, com um golo de Rincón a surgir no último minuto de descontos, e qualificavam-se para os oitavos como um dos melhores terceiros. Nessa fase apanharam a surpresa, os Camarões, e tinham uma oportunidade para chegar mais longe, mas Higuita estragou tudo; depois de 0-0 após os 90, o veterano Roger Milla marcou dois golos no prolongamento, com o segundo a resultar de uma das saídas de Higuita da sua área, perdendo depois a bola e deixando a baliza completamente deserta. Redín ainda reduziu, mas tinha acabado a aventura colombiana em terras italianas.


Em 1994 a Colômbia regressou com Maturana aos comandos, Valderrama como capitão e sem Higuita entre os postes, por estar fora de forma depois de ter passado mais de um ano na prisão. Com alguns dos jogadores de 90 agora com mais traquejo, e outros novos com muita qualidade, casos de Faustino Asprilla e Adolfo Valência, a Colômbia era favorita para passar à fase seguinte no Grupo A, onde tinha a concorrência de Roménia, Estados Unidos e Suíça. Na qualificação para o mundial os colombianos tinham derrotado fora a Argentina por 5-0, e Pelé tinha-os como favoritos à vitória final. Talvez por isso tenham acusado a pressão, e começaram por perder 1-3 com os romenos, numa exibição muito pobre. A seguir era o tudo ou nada com a equipa da casa, os Estados Unidos, e tudo começou a correr para o torto quando Andres Escobar marcou na própria baliza aos 35 minutos, desviando um remate do ataque adversário, enganando o guardião Oscar Cordoba. A Colômbia ficava eliminada na fase de grupos, de nada adiantando a vitória por 2-0 com a Suíça. De regresso ao seu país, Escobar seria assassinado à saída de uma discoteca por um corrector de apostas, que o culpou pela saída precoce da equipa da competição. Em 1998 a Colômbia regressou, mas num grupo complicado, onde perderia com Inglaterra e Roménia, contendando-se com uma vitória sobre a Tunísia. Neste mundial no Brasil regressam depois de 16 anos de ausência, e com um lote de jogadores de impôr respeito, e só para mencionar dois deles, têm Radamel Falcao, que recupera
a forma física após uma lesão que o afastou durante quase toda a época, e James Rodriguez, o creativo esquerdino, ambos ex-FC Porto.


A Bolívia foi uma das selecções pioneiras em mundiais, participando da primeira edição em 1930, mas saíndo com derrotas por 4-0 com Brasil e Jugoslávia. Em 1950 participaram do mundial no Brasil, mas devido a algumas desistências acabaram sozinhas no Grupo 4 com o Uruguai, com quem perderiam por 8-0. Foi preciso esperar 44 anos para ver os bolivianos novamente num mundial, e seria nos Estados Unidos, com Erwin Sanchez, uma antiga glória do Boavista, que teve ainda duas passagens menos bem sucedidas pelo Benfica. Ficariam novamente pela primeira fase, mas conseguem alguns progressos. Depois de uma derrota por 1-0 frente à Alemanha, empatam a zero com a Coreia do Sul, o primeiro jogo que terminam sem perder, e a seguir marcam o primeiro golo na sua história em mundiais, frente à Espanha, com quem perdem por 1-3. O autor? Sanchez, claro, que manda um "tiraço" de fora da área que é desviado pelo defesa Voro, e termina no fundo da baliza de Zubizarreta. Apesar da vantagem de jogar em casa a 2000 metros de altitude, em La Paz, o que complica a vida à equipa visitante, que se cansa mais facilmente, os bolivianos nunca mais se qualificaram para um mundial.


Finalmente o Equador, que depois de muitas tentativas durante o século XX, é apenas em 2002 na Coreia e no Japão que finalmente se estreia em mundiais de futebol. E a experiência não corre mal, pois após derrotas normais contra a Itália por 2-0 e México por 2-1, saem com uma vitória por 1-0 sobre a Croácia. Em 2006 fazem um pouco melhor, passando no Grupo A, da equipa da casa, a Alemanha. Após surpreenderem a Polónia por 2-0, goleiam a Costa Rica por 3-0, mas são "enviados de volta à Terra" pelos alemães, que vencem por 3-0 com facilidade. Nos oitavos perdem com a Inglaterra por 1-0, e em 2010 faltam à chamada na África do Sul. Mas não foi o fim da selecção do país com nome de linha divisória imaginária: este ano estão de volta ao mundial, e vão no Brasil tentar mostrar do que são feitos, pela terceira vez.





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