sexta-feira, 20 de junho de 2014

Pequeninos na nossa grandeza



Gostava de poder ter falado de outra tema, mas aquela pouca vergonha a que fomos obrigados a assistir na segunda-feira em Salvador da Bahia não podia escapar sem pelo menos um desabafo. E foi assim o artigo desta quinta-feira do Hoje Macau. Bom fim-de-semana e não se esqueçam de aparecer no S. João - e fiquem a torcer para que não chova.

Hoje é a primeira quinta-feira do nosso descontentamento. Claro que por descontentamento refiro-me à prestação da selecção portuguesa no último Domingo na estreia do campeonato do mundo de futebol, onde foi goleada pela Alemanha por 4-0. Mas permitam-me que lhes chame outra coisa que não “selecção nacional”. É que por “selecção nacional”, neste caso a de futebol, entendo “grupo de onze indivíduos que após elaborado e demorado rastreio se conclui serem os que melhor podem representar Portugal num desafio de futebol contra outro país nas mesmas condições”. Portanto na selecção nacional podia muito bem jogar eu, o leitor, ou qualquer outro, contando que tivesse nacionalidade portuguesa, inata ou adquirida, pronto. Tudo bem, já sei que sou um cepo, tenho dois pés esquerdos e não sou canhoto, e se calhar não teria lugar na equipa de infantis feminina do ensino especial do Butão, mas isso é irrelevante: são aqueles indivíduos que me representam, e por isso não me sinto condignamente representado. Quem esteve no Domingo naquele relvado em Salvador da Bahia foi um grupo de arruaceiros, de “bullies”, de meninos mimados. Mais do que um jogo de futebol, o desafio com a Alemanha é uma metáfora da própria Portugalidade, só que em vez do lado bom, revelámos o nosso lado negro, o nosso lado lunar. bandeira-de-portugal
Foi evidente na primeira meia hora de jogo, com ou sem “penalty”, que a equipa alemã era claramente superior, mais bem preparada, quer fisicamente, quer tacticamente. Se jogássemos com eles olhos nos olhos, perdíamos, quase com toda a certeza, mas perdíamos com dignidade. O que aconteceu foi uma vergonha, uma humilhação, uma daquelas coisas que no dia seguinte nos deixa com vergonha de dizer que somos portugueses, ou que temos alguma coisa a ver com aqueles gajos. Portugal fez-me lembrar aqueles miúdos que têm uma bola boa, convidam os amigos para jogar, mas depois estão a perder e fazem birra, levando a bola para casa, estragando a diversão a toda a gente. O problema aqui é que não nos deixaram levar a bola, e não nos restou senão ficar a choramingar, a bater com o pé, a lamentar a sorte, e o problema são sempre os outros: o árbitro, a FIFA, a chanceler Merkel e a dívida com a Alemanha, tudo menos aquilo que pareceu mais evidente – a nossa arrogância. E falando da sra. Merkel, que esteve a assistir ao jogo ao lado de Joseph Blatter (para nós isto é “prova cabal” de conspiração), penso que vai ser difícil vir bater-nos à porta para pedir o dinheiro que os alemães tão pacientemente persistem em nos emprestar. Ainda sai de lá alguém para lhe dar uma cotovelada na boca, como fez o Pepe ao Thomas Müller, ou berrar-lhe nos ouvidos, como fez o Cristiano Ronaldo com o árbitro, aquando do lance do “penalty” que ficou por assinalar a nosso favor na segunda parte.
O comportamento dos “Navegadores” – assim se apelidou a selecção para esta campanha no Brasil – veio apenas comprovar aquilo que há muito tempo venho dizendo: não podemos ter nada. Não vale a pena ter sucesso quando não se sabe lidar com o sucesso. Reparem como este ano apaparicámos tanto os nossos meninos, e eles fizeram-nos esta desfeita, enquanto que nos anos em que não damos nada por eles, surpreendem-nos, acabam numa meia-final e contam com a nossa cumplicidade quando são eliminados, e dizemos todos em coro que fomos enganados, roubados, aldrabados e que não nos deixaram ganhar. Isto tem sido sintomático, pois cada vez que a selecção parte para uma competição onde é considerada “carne para canhão”, excede-se e faz um brilharete, e quando no torneio a seguir é apontada como uma das favoritas, perde as estribeiras e arma-se aos cucos, com a mania que é a melhor da sua rua e arredores. Foi assim no Euro 2000, onde encantámos o mundo com a nossa humildade, em que tudo o tínhamos para mostrar era vontade e talento. E depois veio o mundial de 2002, que foi o que se sabe, e isto ainda agora começou e já cheira a Coreia – e eu nem gosto de comida coreana. Pelo menos na Coreia a nossa “demise” só aconteceu no último jogo da fase de grupos, mas desta vez foi logo na estreia.
Não temos jeito para o vedetismo: o que os nossos rapazes precisam é de ser tratados abaixo de cão. Em vez de acompanharmos em directo a preparação, com especiais-informação em directo na televisão cada vez que um deles dá um traque, devemos ignorá-los. Em vez de os apoiarmos e especularmos sobre uma eventual vitória numa prova em que nunca nos nossos sonhos mais molhados isso seria possível, optemos antes por lhes mandar umas “bocas”, dizendo que “deviam era estar a trabalhar nas obras, que têm bom corpinho para isso”. Em vez de levarem duzentos quilos de bacalhau para o Brasil, levavam antes uma lancheira com uma sandes de mortadela e uma laranja. Aí então podiam superar as adversidades, e tal como o miúdo que era dono da bola, cansado de ouvir “bocas” dos amigos de que não dava uma para caixa, respondia “ai é, ai é?”, e depois mandava uma bojarda do meio do campo só para lhes calar a boca, como fez o Figo em 2000 contra a Inglaterra, quando perdíamos por 0-2, e mudou por completo o enredo do tristonho fado lusitano. Da forma como se comportaram no Domingo é que não, nem pensar. Olha, digo-vos só isto: “vão mas é trabalhar, malandros!”. Entenderam a mensagem?


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