domingo, 1 de junho de 2014

A caminho do Brasil: guerrilha e "reggae"


Nas duas últimas entradas desta rubrica falei do México e dos Estados Unidos, indiscutivelmente as duas selecções com mais pergaminhos na ona CONCACAF. Só que esta confederação não é só "Tex-Mex", pois há por ali outras nações onde se joga à bola, e com uma diversidade tal que a tornam na que será talvez a mais "exótica" das confederações filiadas na FIFA - só falta uma equipa de esquimós em representação do Pólo Norte, quando este se afiliar. Há estados tão pequenos que nunca poderão ambicionar a participar num campeonato do mundo, casos de St. Kitts & Nevis, Antigua e Barbuda (não a cantora da Áustria, mas o país), Bahamas, ou as Ilhas Virgens Britânicas, aquela pequena nação caribenha "irmã" de Macau, e onde estranhamente estão sediadas muitas das empresas que fazem negócio com o imobiliário na RAEM. Sabiam que o André Villas-Boas, actual treinador do Zenit, foi selecionador das Ilhas Virgens Britânicas quando tinha 21 anos? E nem ele os conseguiu levar ao mundial, imaginem. Vamos então dar uma olhadela aos países que representaram a CONCACAF em campeonatos mundiais.


A selecção de Cuba que participou de um mundial de futebol. A sério, juro.

Ainda não existia CONCACAF, e já Cuba tinha participado num mundial, em 1938. Como foi tal coisa possível? Bem, o presidente era Federico Laredo Brú, mas o General Fulgencio Baptista é que mexia os cordelinhos, cinco anos passados desde o golpe militar que o elevou a "el chefe". Fidel Castro era um miúdo de 12 anos que colecionava cromos de basebol, e ainda não tinha barba, e portanto o futebol era o desporto-rei em Cuba. Os cubanos qualificaram-se para o mundial de França, o último antes da guerra, por defeito, pois Colômbia, Costa Rica, Guiana Holandesa, El Salvador, México e
Estados Unidos, restantes selecções do Grupo 11 de qualificação, desistiram, e então lá fizeram eles o "sacrifício". Em terras de França apanharam a Roménia na primeira ronda, e depois de um empate a três golos, venceram por 2-1 no desempate, e estavam nos quartos-de-final! Só que alia apanharam a Suécia, que não se intimidou com a masculinidade caribenha do adversário, e aplicou uma goleada de 8-0. Agora uma curiosidade: o melhor marcador dos cubanos foi um tal Héctor Socorro, que apontou dois dos cinco golos. Só isso. Um dia o tal Fidel Castro deixou crescer a barba, tomou conta da ilha, e ordenou que o futebol já não seria mais o primeiro desporto, mas sim o basebol, e por isso Cuba nunca mais se qualificou. Fim.


De todas as selecções desta lista, qual delas a mais pitoresca, aquela com mais sucesso é claramente a Costa Rica. Um sucesso tardio, contudo, mas isso tem uma razão de ser; o país que hoje é conhecido pelo turismo ecológico foi sempre apaixonado por futebol, mas desde que começou a participar nas qualificações para mundiais, em 1958, só era atribuída uma vaga à CONCACAF, e esta ia normalmente para o México - salvo algumas excepções que vamos ver a seguir. Os csota-riquenhos até tinham uma equipa até bastante jeitosa, e conquistaram o campeonato continental em 1963 e 1969, mas estava complicado chegar a um mundial. Até que em 1988 surgiu uma grande oportunidade: o México estava suspenso pela FIFA, e a CONCACAF ia ter duas vagas para o mundial de Itália em 1990. Assim investiram na equipa, e venceram o Taça CONCACAF em 1989, que também serviu de apuramento para o campeonato do mundo. Para enfrentar o grupo C, onde foram colocados com o Brasil, Escócia e Suécia, chamaram o treinador "Bora" Milutinovic, de que falei aqui onte, e este levou para Itália uma equipa interessante, de onde se destacavam o guarda-redes Luis Conejo, o capitão Roger Flores, que actuava na posição de líbero, e o avançado Hernan Medford. Logo na estreia em Génova, frente à Escócia, mostraram que não tinham ido ao mundial apenas para "aprender", e surpreenderam com uma vitória por 1-0, como golo de Juan Cayasso. Depois de terem dado muitas dores de cabeça ao Brasil, perdendo apenas por 0-1, venceram a Suécia por 2-1, com golos de Flores e Medford. Nos oitavos-de-final perdiam para a Checoslováquia por 4-1, e apesar da diferença entre as duas equipas ser notória, a Costa Rica pode-se queixar do azar, pois perdeu o guardião Conejo, a braços com uma lesão, e jogou com o suplente Hermidio Barrantes. Deixaram uma boa impressão na sua primeira viagem.


E se dizem que não há vez como a primeira, isto aplica-se na perfeição à Costa Rica. Depois de falharem a qualificação para os mundiais de 94 e de 98, regressariam em 2002, com Medford a ser o único elemento da geração de 90. Na estreia não podiam pedir um adversário mais "tenrinho", a estreante China, que venceram por 2-0 - e essa seria a sua última vitória até hoje. Depois de um empate a um golo com a Turquia, seguiu-se uma goleada de 2-5 imposta pelo Brasil, e a eliminação na diferença de golos para os turcos. Em 2006, na Alemanha, regressavam e ficavam no Grupo A, com a equipa da casa, o Equador e a Polónia. No jogo de abertura do mundial perderam por 4-2 com os alemães, mas chegaram a assustar, pois após o golo inaugural de Philip Lahm, logo aos seis minutos, empatariam aos 12 pela grande estrela da equipa, Paulo Wanchope, que entre 1996 e 2004 andou pelo futebol inglês, representando o Derby County, o West Ham e o Manchester City. Wanchope ainda marcaria mais um golo, que seria o 2-3, mas no fim a Alemanha impôs a sua superioridade. Apesar da estreia auspiciosa, a Costa Rica deitaria tudo a perder frente ao Equador, que já tinha vencido a Polónia, e levou a melhor sobre os costa-riquenhos por 3-0. Já eliminados, não conseguiram sair com pelo menos uma vitória, perdendo também para os polacos por 1-2. Outra curiosidade: o guarda-redes chamava-se José Porras. Só isso. Depois de mais uma ausência em 2010, regressam este ano para fazer a sua quarta aparição em mundiais. Fuerza, coño!


Quando o futebol foi pretexto para a guerra.

Agora antes de falar de El Salvador e das Honduras, convém referir um episódio que ficou conhecido por "Guerra do Futebol", isto apesar do futebol ter tido um pequeno papel nesse conflito. Nos anos 60, El Salvador era um país pobre e pequeno - e desde aí não ficou maior, nem mais rico - enquanto as Honduras eram um país cinco vezes maior em dimensão e ligeiramente...bem, "menos pobre". Daí que se verificou uma onda migratória massiva de salvadorenhos para o vizinho do lado, e os hondurenhos andavam aborrecidos com a quantidade de imigrantes dali do lado, que em 1969 eram na ordem dos 300 mil, e o governo das Honduras passou uma lei que expropriava as terras pertencentes a salvadorenhos, e entregou-as aos seus cidadãos. Lei esta que foi imposta pela força em 1967, o que originou um regresso em massa de muitos salvadorenhos ao seu país, o que não deixou o governo de El Salvador nada contente. A tensão entre os dois países foi subindo de tom, e para piorar as coisas, em 1969 as selecções de futebol dos dois países foram defrontar-se no apuramento para o mundial da Alemanha no ano seguinte. Na primeira mão nas Honduras, a equipa da casa venceu por 1-0, com muita violência entre os adeptos nas bancadas, e no jogo de retorno, em San Salvador, os salvadorenhos venciam por 3-0, e além de terem ganho no relvado, ganharam também na violência, que foi ainda pior que no primeiro jogo. Como o que contava eram os pontos e não a diferença de golos, as duas selecções obrigadas a um jogo de desempate em campo neutro - não fossem matar-se uns aos outros - e na Cidade do México, onde se iria realizar a abertura do mundial, El Salvador venceu por 3-2 após prolongamento, passando para a fase final. Depois disto o governo salvadorenho declarou guerra às Honduras, um conflito que ficaria também conhecido por "guerra das 100 horas", que foi o tempo que durou. Estranhamente, sendo El Salvador um país muito mais pequeno e mais pobre que as Honduras, investiu mais homens e meios de combate nesta guerra, que terminou com 900 mortos do lado dos salvadorenhos, e mais de 2000 do lado das Honduras. Os países assinaram um cessar fogo e ficaram outra vez amigos. Ou mais ou menos amigos, pronto.


Voltando ao futebol propriamente dito, El Salvador foi para a final da zona CONCACAF discutir com o Haiti a vaga para o mundial de 1970 no México - valeu à concorrência o México ser o país organizador. Os haitianos tinham eliminado os Estados Unidos nas meias-finais, e em Port-au-Prince os salvadorenhos obtiveram uma vitória por 2-1 e pareciam lançados para a sua primeira fase final de um mundial. Só que em San Salvador o Haiti voltou à carga, vencendo por 3-0, e obrigaram a um jogo de desempate, desta vez em Kingston, Jamaica, que terminou com uma vitória para El Salvador por 1-0, após prolongamento. Já no ano seguinte, no México, três derrotas em outros tantos jogos: 0-3 c/Bélgica, 0-4 c/México e 0-2 c/União Soviética. Os salvadorenhos regressariam em 1982, depois de se qualificarem com as Honduuras numa poule final, onde deixaram o México em 3º lugar, e de fora do mundial de Espanha, pasme-se. Na estreia em Elche os salvadorenhos perdiam por 1-10 (um a dez) com a Hungria, um dia memorável para o avançado húngaro Laszlo Kiss, que apontou um "hat-trick" em sete minutos. Mas para os salvadorenhos saíu qualquer
coisa de positivo: um golo marcado, autoria de Luis Ramirez Zapata. Viva Zapata! Nas restantes partidas El Salvador foi mais realista, remeteu-se à defesa e perdeu "só" por 1-0 com a Bélgica e 2-0 com a Argentina. E não mais vimos El Salvador num mundial, onde o registo é de seis jogos, seis derrotas, um golo marcado e 22 sofridos.


A selecção das Honduras, conhecidos por "los catrachos" ou ainda "la garra catracha", em homenagem ao povo indígena que ali habitava antes de ser massacrado pelos espanhóis, têm um registo bem mais decente que El Salvador. Participando pela primeira vez em 1982, os hondurenhos ficaram no grupo 5, com Espanha, Irlanda do Norte e Jugoslávia, e deram alguma luta aos seus adversários europeus. No jogo de estreia contra a Espanha marcaram logo aos oito minutos, por Héctor Zelaya, e foi preciso um "penalty" de Lopez Ufarte aos 65 para evitar um escândalo no Estádio Luis Casanova, em Valência. Na partida seguinte voltavam a empatar, outra vez a um golo, com a Irlanda do Norte, e a eliminação foi ditada após derrota por 0-1 com os jugoslavos. Regressariam somente há quatro anos, na África do Sul, e com uma equipa mais profissionalizada, onde se destacava o avançado David Suazo, que passou pelo Benfica. Desta vez as coisas não correram tão bem, saíndo eliminados após derrotas 2-0 com o Chile, 1-0 sobre a Espanha e um empate sem golos com a Suíça - nem um golinho para festejar lá na América Central. Este ano têm mais um oportunidade, pois graças ao terceiro lugar na zona CONCACAF, à frente do México, qualificam-se pela terceira vez para um torneio final.


O Haiti, como muita gente sabe, é aquela nação falhada que divide a ilha Dominica com a Rep. Dominicana, e é mais conhecido pela corrupção e feitiçaria vodu do que propriamente pelo futebol. Perto de conseguir a qualificação em 1970, perdendo na tal final com El Salvador, conseguiram finalmente esse ensejo em 1974, graças à vitória na Taça CONCACAF em 1973, e à sua grande estrela, o avançado Emmanuel Sanon, que no torneio realizado em Port-au-Prince apontou cinco dos oito golos da sua selecção. Já na Alemanha os haitianos foram o "saco de pancada" do grupo 4, perdendo com a Itália por 1-3 na estreia, 0-7 com a Polónia e 1-4 com a Argentina. O autor dos dois golos foi, inevitavelmente, Sanon, que graças ao seu desempenho ganhou um contrato com os belgas do Germinal Beerschot, onde jogou durante seis anos. Nem o Haiti voltou a ter outro Sanon, nem mais regressaria a uma fase final de um mundial.


René Simões, o brasileiro mais "reggae" do mundo.

A Jamaica é mais conhecida pelo "reggae", e falando desportivamente, pelo atletismo e os seus velocistas campeões olímpicos. Mas no país de Bob Marley e Usain Bolt também se gosta de futebol, e depois de vários anos de tentativas frustradas, os "reggae boys", como ficaram conhecidos, chegaram a um mundial de futebol, em 1998. Para chegar a França a equipa orientada pelo brasileiro René Simões, que em Portugal chegou o treinar o V. Guimarães, disputou o 3º lugar da zona CONCACAF taco-a-taco com a Costa Rica, mas a 9 de Novembro de 1997 houve festa toda a noite em Kingston, depois da Jamaica empatar a dois golos em El Salvador, e a Costa Rica empatar 3-3 no México, e com uma jornada a faltar para o fim da fase de qualificação, os "reggae boys" tinham mais 4 pontos que os costa-riquenhos.


Para França os jamaicanos trouxeram aquela que é sem dúvida a sua melhor geração de sempre, com alguns jogadores a alinhar na Premier League inglesa, casos de Frank Sinclair, do Chelsea, Deon Burton, do Derby County, ou Marcus Gayle e Robbie Earle, do Wimbledon. Colocados no Grupo H com outros dois estreantes, Croácia e Japão, e a grande favorita, a Argentina, o "baptismo" foi frente aos croatas, que apesar de participarem pela primeira vez como país independente da Jugoslávia, tinha jogadores muito mais experientes, e venceriam por 1-3. Os jamaicanos bateram-se bem, e chegaram ao intervalo empatados a um golo graças a um golo de Earle. No segundo a fragilidade dos jamaicanos ficou exposta frente aos argentinos, e sairiam vergados por uma derrota por cinco golos sem resposta, e confirmava-se a eliminação na fase de grupos. Para o último jogo em Lens o adversário era o Japão, igualmente derrotado nos dois primeiros jogos, e era a oportunidade para um destes estreantes sair com uma vitória do seu primeiro mundial. Dois golos de Theodore Whitmore contra um de Masashi Nakayama deram a vitória aos caribenhos, que ficaram um momento Kodak - para mais tarde recordar.



E o último país da CONCACAF a chegar a uma fase final de um mundial foi Trinidad e Tobago, um país igualmente muito exótico, muito "rasta". Os tobaguenhos tinham ficado perto da qualificação em 1974, quando foram segundos atrás de El Salvador no torneio continental de 1973, e em 1990, quando lhes bastava um empate em casa com os Estados Unidos, mas foram derrotados por 0-1. Finalmente em 2006 conseguiram a tão almejada qualificação, depois de vencerem o Bahrein num "play-off" intercontinental, após o 4º lugar atrás México, Estados Unidos e Costa Rica. Na Alemanha foram orientados pelo experiente treinador holandês Leo Beenhakker, e capitaneados pela sua grande estrela, o ex-avançado do Manchester United Dwight Yorke, que aos 34 anos tinha finalmente oportunidade de pisar o grande palco do futebol internacional. Na estreia empataram a zero com a Suécia, o que seria considerado uma surpresa. Depois seguiram-se derrotas por 0-2 com Inglaterra e Paraguai, e nem um golinho para a mostra.


E antes que digam que me esqueci de alguém, aqui vai uma última referência para a outra selecção da CONCACAF que não é de um país de "guerrilha" nem de "reggae": o Canadá. Sim, os canadianos, que gostam mais de hóquei no gelo e preferem o "curling" ao futebol cairam de pára-quedas no mundial do México em 86, depois de vencer na "poule" final o grupo com as Honduras e Costa Rica. No torneio final trouxeram uma equipa de 23 jogadores, seis dos quais "sem clube" (?), e defendendo como podiam, perderam por 0-1 com a França na estreia, com um golo de Papin aos 79 minutos, e depois 0-2 com Hungria e União Soviética. Apesar de terem contado com os nossos conhecidos Alex Bunbury (Marítimo) e o luso-canadiano Fernando Aguiar (Benfica), nunca mais se conseguiram qualificar.

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