domingo, 15 de junho de 2014

O Mundo Gira a Bola Rola - Notas de um Mundial



Arrancou o mundial de futebol, e conforme o planeado, estou de férias! Urra! Até 13 de Julho! Chupem que é cana-doce. Bem, ontem não consegui actualizar o blogue porque estive a trabalhar o dia todo, aliás, o dia todo e além disso, pois só saí do serviço depois da meia-noite. Bem, não interessa, é assim a vida, pois se tiver trabalho para fazer e for de férias, acusam-me de "ir de férias e deixar o trabalho para os outros", no entanto se ligar a dizer que me estou a derreter em caganeira e meter atestado, até têm pena de mim e tudo. Sã assi já...ai...qui ramêde! Fiquem então com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, e um bom resto de fim-de-semana.


A partir desta madrugada o mundo é da forma de uma bola que rola nos relvados do país do futebol: o Brasil. Macau não ficará indiferente, e apesar do contributo muito modesto que o território faz para o desporto-rei, não faltará quem perca noites a assistir aos 64 jogos que se irão disputar nas 12 cidades que acolherão o evento até ao dia 13 de Julho. Dos mundiais a que assisti desde que cheguei a Macau, este é dos que mais apela à resistência desde o mundial dos Estados Unidos em 1994. Tivemos jogos a horas mais ou menos decentes no França 98 ou no Alemanha 2006, e na África do Sul há quatro anos beneficiámos da mesma latitude. Agora é a vez do continente americano se vingar da conveniência que foi para nós o mundial da Coreia do Sul e do Japão em 2002, e obrigar-nos a ficar de pé a horas proibitivas. Um teste às capacidades dos fãs a sério.

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Cada vez que há um mundial de futebol, não falta quem se venha lamentar da importância que se dá ao desporto-rei (e um rei é um rei, e há que respeitá-lo), e do tempo de antena que a ele é reservado. Eu próprio sou adepto de futebol desde pequeno, mas não faço disso o princípio, meio e fim de todas as coisas, e abomino qualquer espécie de fanatismo – e mesmo o clubismo é algo que me incomoda. No entando compreendo quem não goste de futebol, pois há sempre aquela componente homo-erótica da coisa, com homens de calções a correr atrás de uma bola, suados, intensificando o contacto físico nos lances de bola parada, e saltando em cima uns dos outros quando marcam um golo, e no fim vão tomar banho todos juntos. Sei, sei, isto soa mal, mas também temos que olhar para o futebol como uma alegoria da própria vida, da procura pela vitória, em busca de novos limites, e da própria guerra, pois a estratégia é defender, construir e atacar. Era bom que todos os conflitos fossem resolvidos num jogo de futebol. Aliás durante as famosas tréguas natalícias no decorrer da I Guerra Mundial, as tropas aliadas confraternizavamm com as alemãs através de um jogo de futebol, e não de xadrez ou de chinquilho. Apraz-me ter nascido numa era em que o “ópio do povo” é o futebol, e não o circo romano, os autos-de-fé ou os duelos ao pôr-do-sol. Mas claro, quem só sabe falar de futebol é normalmente alguém pouco interessante, uni-dimensional, e portanto no que me toca estou aberto a falar de outra coisa, de arte, de música, cinema ou literatura, desde que esteja dentro dos meus limites – engenharia nuclear ou astrofísica não fazem parte dos meus temas de eleição – desde que se fale também...de futebol. Ser eclético é isso mesmo, saber um pouco de tudo e evitar cair na monotonia. A este respeito há uma anedota que tem barbas, mas que para mim se mantém sempre actual:
Um jornalista aborda um transeunte e pergunta:
- “Posso pedir o seu palpite para os jogos do Totobola desta semana?”
O homem, revoltado, responde:
- “Futebol, futebol...é só disso que sabem falar. Ninguém quer saber das letras, da cultura, é só futebol!”.
Supreendido mas complacente, o jornalista reformula a questão:
- “Muito bem, então o que nos pode dizer sobre Almada Negreiros?”.
E responde o homem, decidido:
- “Bem, penso que vai ser um jogo difícil, mas o Almada ganha, com toda a certeza”.
(Os franceses têm a mesma versão desta anedota para Toulouse-Lautrec).

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O que me tem feito mesmo muita confusão é a histeria que tem reinado no Brasil, não com o futebol, que seria de esperar do país que é penta-campeão mundial e onde o talento para a bola parece vir do útero materno, mas com “o que faz mais falta” em vez de estádios de futebol. Muito bem, aceita-se que tenha havida mescambilha com o dinheiro que estava reservado à construção das infra-estruturas para receber o mundial de futebol, que as obras estejam atrasadas (nada que comprometa a realização dos encontros ou a acomodação dos adeptos, há que referi-lo), mas daí a provocar o caos e deixar o país à beira da anarquia em nome da miséria, da falta de escolas, hospitais e tudo mais é um perfeito disparate. Os meus amigos brasileiros que me desculpem, mas isto mais parece vontade de “aparecer” do que outra coisa. Quer dizer, há quatro anos o mundial na África do Sul decorreu sem que se levantassem questões desta natureza, e não me venham dizer agora que naquele país não existem também problemas por resolver. Por esta ordem de ideias, não se constrói mais nenhuma sala de espectáculos, seja um teatro, um cinema ou uma ópera enquanto existirem os sem-abrigo, ou não se vai jantar fora enquanto houver crianças a passar fome, e por aí fora. Já sei que estas podem parecer associações um pouco parvas, mas também é parvoíce pensar que com o dinheiro que foi investido no mundial se resolviam de uma assentada todos estes problemas, que no fundo afectam quase todos os países, até os mais ricos. Permitam-me que a este respeito cite o Novo Testamento, mais exactamente o livro de João, 12:8 :
“Pois os pobres sempre os tendes convosco; mas a mim nem sempre me tendes”.
E sabeis quem disse tão doutas palavras? Sim, esse mesmo. Pensai, ó pecadores.



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