terça-feira, 24 de junho de 2014

Forca Portugal!


Isso mesmo, "forca", sem cedilha, e não "força", porque isso do "Força Portugal" é normalmente associado ao apoio à selecção portuguesa, e da maneira que as coisas estão, só com "força" já não chegam lá - "velinhas a todos os santinhos Portugal" é o mais indicado. Agora isto da forca tem a ver com uma notícia que dá conta de um caso de "ultraje aos símbolos nacionais", nomeadamente à bandeira. Quando oiço falar em "desconsagração" ou "ultraje" à bandeira nacional, imagino um tipo que está no Parque das Nações a assistir a um jogo da selecção em ecrã gigante, dá-lhe um aperto, vai à casa-de-banho, e só depois de se aliviar repara que não há papel higiénico, e tudo o que tem à mão a bandeira nacional, e...bem, acho que já ficaram com a ideia. Mas não, Balalão! Aqui quem dessagrou a nossa amada bandeira foi um "artista", um tal Élsio Menau (só o nome é já deOs si muito "artístico"), que há dois anos desenvolveu uma instalação artística na conclusão do seu curso de licenciatura em Artes Visuais, que consistia na bandeira nacional pendurada numa forca de quatro metros de altura, que ficou implantada num terreno provado perto de Loulé, Al-Gharb.

A esta "obra de arte" o Dr. Menau deu o nome de "Portugal na Forca". Sim, faz todo o sentido, um bocado de pano pendurado num madeiro obliteram de uma assentada mil anos de história e deixam pendurados pelo pescoço 10 milhões. Foi por isso que cinco indivíduos, provavelmente pertencentes ao PNR, apresentaram queixa por "ultraje aos símbolos nacionais", crime contemplado no Código Penal, no artº 332, nº 1: "Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias". Já agora para quem não consegue ficar muito tempo sem ultrajar símbolos nacionais, recomendo que o faça antes com a bandeira de uma das regiões autónomas, que se arrisca apenas a um ano de prisão ou 120 dias de multa, segundo o nº 2 do mesmo artigo. Portanto isto das bandeiras tem o seu peso, e a da Madeira ou dos Açores valem metade da bandeira nacional (qual é a pena para ultrajar a bandeira do Benfica, já agora?).

Um dos queixosos invocou o crime de traição à pátria, que no texto que lhe é dado pelo artº 308 do CP, diz que "Quem por meios violentos (...) Tentar separar da Mãe-Pátria, ou entregar a país estrangeiro ou submeter à soberania estrangeira, todo o território português ou parte dele; ou Ofender ou puser em perigo a independência do País; é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos". Confirma-se que os tipos que apresentaram queixa eram do PNR, mas escutai, não foi isto um "meio violento", enforcar a bandeirinha, ah? Os militares da GNR que vieram dois dias depois retirar aquele insulto à nação até perderam o apetite para o xarém do almoço quando depararam com o cenário da bandeira ali toda sufocada, coitadinha. Tivesse ela língua, e de certeza que estaria de fora. E não foi isto uma tentativa de submeter o território português à soberania estrangeira? Imaginem que passavam por ali uns visigodos, ou uns suevos ou ainda uns alavos? Viam a bandeira pendurada numa forca, e interpretavam aquilo como um sinal de que era a altura certa para invadir Portugal. Portanto não surpreende que em vez de os mandar à fava, as autoridades tenham recebido a queixa dos maluquinhos, e Élsio Menau tenha sido chamado à PJ e identificado.

Depois disto a instalação esteve exposta na Galeria de Arte do Convento de Santo António, em Loulé, no âmbito de uma exposição colectiva promovida pela Universidade do Algarve, e ainda figurou no "videoclip" de uma banda de rap portuguesa, os Tira-Nódoas (lol), e a canção (?) chama-se exactamente "Portugal na Forca" - podem ver o vídeo aqui, mas não recomendo. Refira-se ainda que o tal trabalho recebeu 17 (dezassete) valores no curso de Belas Artes de Menau. Como a justiça portuguesa é célere cumó caraças, o caso foi agora a julgamento, e o Ministério Público pediu a absolvição para o artista, alegando que "o trabalho em causa fez parte de um exercício universitário relacionado com arte e design e que nunca houve intenção de ofender os símbolos nacionais", e que Menau "exerceu um direito que hoje está consagrado constitucionalmente que é expressar artisticamente a sua opinião”. Aqui nesta do "artisticamente" é que permitam-me que discorde, pois se há alguém que devia ir a tribunal era o gajo que deu nota 17 a este "artista".

Ando um bocado fora destas coisas da arte, mas aparentemente aquilo a que chamam "instalação" é a combinação de dois objectos que já existiam, supostamente de modo a transmitir alguma "mensagem" . Já tivemos recentemente o caso daquela instalação que foi alegadamente censurada numa exposição em Pequim, que consistia em massas fritas despejadas por cima de um mapa-mundo a que se deu o título "Yumi Chop Suey". Assim eu também sei ser artista, estão a ver? Por exemplo, ligo uma ventoinha e um secador em frente um ao outro e chamo-lhe "quente e frio", ou junto um pacote de tampões, uma embalagem de vaselina e uma garrafa de tequila e chamo-lhe "fim-de-semana estragado". É simples. Mas este Élsio Menau aparentemente teve o engenho de ser ele próprio a a montar a forca, a juntar as traves e não sei que mais, mas no máximo isso podia-lhe valer um prémio de carpintaria, não em Belas Artes.

Isto dos símbolos nacionais e do ultraje aos mesmos é uma daquelas coisas que me faz confusão, e incomoda-me que exista uma lei que puna os patetas que se dêem ao trabalho de vandalizar uma bandeira. Eu próprio considero que existem outras maneiras melhores de ocupar o tempo do que andar por aí a queimar ou rasgar pedaços de pano - como ir dormir, por exemplo. Quem não estiver satisfeito com a vida ou com o seu país não vai ser atacando um rectângulo composto por 95% de nylon e 5% de spandex que vai ficar com mais dinheiro no banco. Olha, pode emigrar por exemplo, como fizeram tantos. E é também por essa razão que os tipos que se ofendem com o "ultraje dos símbolos nacionais" deviam era antes ter juízo e não andar a empatar a justiça com tretas destas. Mas além da publicidade que o tal Élsio Menau conseguiu com este caso, aproveita-se ainda mais uma coisa. Da próxima vez que vir um nacionalista cheio de pressa, pergunto-lhe: "o que foi, vais tirar a bandeira da forca?".

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