terça-feira, 3 de junho de 2014

A caminho do Brasil: aqui, no fim do mundo


Os países da Ásia Oriental foram sempre o parente pobre das federações afiliadas na FIFA. Entretidos com as suas versões muito próprias de desporto, ora as artes marciais, ora os desportos colectivos trazidos pelos colonizadores ingleses para a subcontinente do Hindustão ou o a península malaia, a juntar aos problemas políticos e estruturais, o futebol na sua vertente técnico-táctica sofreu anos de atraso que apenas na segunda metade do século XX começaram a ser recuperados. Por isso muito timidamente as selecções asiáticas foram ganhando o seu espaço, e apenas neste século começaram a ser relativamente respeitadas. Vamos olhar o longo caminho percorrido pelos habitantes do fim do mundo, e além dos membros da AFC (Confederação Asiática) mais a oriente, vou incluir também os países da Oceânia, ou OFC.


Se estiver a participar num concurso de conhecimentos gerais e lhe perguntarem se a Indonésia já participou na fase final de um mundial, diga que sim.

A AFC, a Confedaração Asiática de Futebol, foi criada apenas em 1954, a 8 de Maio, portanto há apenas 60 anos acabadinhos de fazer. Contudo numa tentativa de alargar a participação no mundial de 1938 a paragens mais distantes no mundo, a FIFA atribuíu uma vaga à região Ásia-Pacífico, à qual concorreram apenas dois países. Quer dizer, um país e uma colónia holandesa, o Japão e as Indias Holandesas, território hoje conhecido por Indonésia. Os japoneses, mais ocupados com a agressão ao continente chinês e outras regiões limítrofes, declinaram a participação, e assim o treinador Johannes Mastenbroek, um holandês de Dordrecht que era ao mesmo presidente da Federação e vice-presidente do Comité Olímpicos das Indias Holandesas, selecionou um grupo de 17 rapazes que alinhavam nos campeonatos amadores da colónia holandesa, a maior parte deles oriundos de clubes de Jakarta (na altura chamada de "Batavia") e de Surabaya. A experiência em Itália resumiu-se ao jogo da primeira ronda, onde perderam por 6-0 contra a Hungria. Vendo bem, até foi um resultado decente. Depois da independência, e já como Indonésia, nunca mais viriam a participar de uma fase final de um campeonato do mundo.


Em 1950, ano do mundial do Brasil, a India obteve a qualificação, mas desistiu antes do torneio final, por duas razões: a distância que os separava da América do Sul, e o facto de não terem equipamento adequado para participar no torneio, nomeadamente chuteiras, e a FIFA não permitir que os atletas jogassem descalços - vamos dizer que a primeira razão prevaleceu. A primeira vez que uma equipa do extremo oriente participou numa fase final foi em 1954, com a Coreia do Sul a levar uma equipa até à Suíça, onde teve simplesmente a pior participação de sempre de qualquer selecção em fases finais de um mundial - sim, pior ainda que a Grécia em 1994 ou El Salvador em 1982. Os coreanos ficaram num grupo ingrato, sem dúvida nenhuma, e na estreia perderiam por 9-0 com a Hungria, que era simplesmente a melhor equipa do mundo. No segundo perderiam também com a Turquia, desta feita por 7-0, o que apesar de parecer um progresso, foi na realidade pior que o primeiro resultado. Mas não se exigia muito mais de um país asiático, que naquele tempo participava como uma espécie de "ingrediente extra".


Apesar da estreia nada auspiciosa, a Coreia do Sul viria a tornar-se a maior potência futebolística da região, e tem participado de todas as fases finais desde 1986, nunca passando da primeira fase ou obtendo qualquer vitória nas primeiras quatro presenças consecutivas. Seria preciso esperar até 2002, ano em que organizaram o mundial em conjunto com o Japão para festejar pela primeira vez, e seria a 4 de Junho em Busan, contra a Polónia, que venciam finalmente uma partida de um mundial. Depois de um empate a uma bola com os Estados Unidos, obtinham o segundo sucesso contra Portugal por 1-0 em Incheon, num jogo de triste memória para as nossas cores. Já na segunda fase beneficiaram de arbitragens algo controversas para vencerem a Itália nos oitavos-de-final por 2-1 após prolongamento, e a Espanha nos quartos-de-final nos "penalties", após 0-0 ao fim de 120 minutos, e com dois golos mal anulados à selecção espanhola. Nas meias-finais apanharam uma Alemanha à prova de arbitragens caseiras e perderam por 0-1, com um golo de Ballack aos 75 minutos, e terminaria em quarto lugar após derrota por 2-3 com a Turquia. Mesmo assim conseguiam uma presença nas meias-finais para uma selecção asiática, que é mais do que podem dizer os africanos, outras "vítimas" da expansão colonialista europeia.


Os sul-coreanos tinham finalmente vencido um jogo em fases finais de campeonatos do mundo, e tinham ganho o gosto. Em 2006 na Alemanha repetiam a dose no primeiro jogo, frente ao estreante Togo, ganhando por 2-1, e de seguida empatando a uma bola com a França. No entanto a fase seguinte ficaria à margem após derrota 2-0 com a Suíça. Em 2010 conseguiam finalmente o apuramente longe do seu público, na África do Sul, após venceram a Grécia por 2-0, serem goleados pela Argentina por 1-4, e empatar a dois golos com a Nigéria, valendo-lhes a derrota dos gregos frente aos argentinos para terminarem no segundo posto. Nos oitavos-de-final perderiam com o Uruguai por 2-1, valendo aos sul-americanos a inspiração de Luis Suarez, que apontou dois golos. Este ano no Brasil a Coreia do Sul participa pela oitava vez consecutiva, encontrando-se no Grupo H com a Bélgica, Rússia e Argélia.


A outra Coreia, a do Norte, tem dependido bastante dos "ventos" políticos que sopram no paralelo 38. Em 1966 participaram no mundial de Inglaterra, onde obtiveram uma vitória histórica frente à Itália na fase de grupos, a cairiam na fase final frente a Portugal por 5-3, após terem estado a vencer por 3-0 ao fim de 22 minutos. Em 1970 tiveram novamente outra oportunidade de brilhar, no mundial do México, mas recusaram-se a jogar em Israel no "play-off" de acesso, e assim o estado judaico pode participar pela primeira vez. Regressariam somente aos grandes palcos do futebol mundial em 2010, na África do Sul, e voltariam a encontrar Portugal, com quem perderiam por 0-7. No primeiro jogo do grupo G perderam com o Brasil por 2-1, e ficou na retina a emoção com que Jong Tae-Se, o seu único jogador profissional, na altura a actuar na J-League japonesa, sentiu o hino do seu país, chegando mesmo a verter lágrimas.


Miura, a estrela japonesa dos anos 90.

O Japão ficou sempre de fora de fases finais de mundiais de futebol, por uma razão ou outra, mas ficou perto de atingir o mundial de 1994 nos Estados Unidos, mas na partida decisiva da "poule" final, disputada no Qatar, empatariam 2-2 em Bagdade frente ao Iraque, com o segundo golo dos iraquianos a ser obtido nos descontos. Antes disso tinham um pé no mundial após uma vitória sobre a eterna rival Coreia do Sul por 1-0 no jogo anterior, com o golo a ser apontado por Kazuyoshi Miura, a maior figura do futebol japonês moderno, tendo representado os italianos do Génova como profissional, e ainda alinhado em alguns clubes brasileiros na sua juventude. Miura via o seu esforço premiado em 1998, em França, após uma qualificação dramática contra o Irão no "play-off" asiático, mas os nipónicos perderiam todas as partidas na estreia em mundiais: 0-1 contra Argentina e Croácia e 1-2 contra a Jamaica.


Seria em 2002, no mundial que co-organizaram com a Coreia do Sul que os japoneses obtinham a sua primeira vitória. Depois de um empate frente à Bélgica a dois golos, venciam os russos por 1-0, com golo de Junichiro Inamoto, e repetiam a dose a seguir frente à Tunísia, que venciam por 2-0. Um grupo acessível, sem dúvida, e talvez por isso nos oitavos faltou o engenho para bater a Turquia, que seguia para os quartos-de-final após vitória por 1-0 sobre os nipónicos. Em 2006 o Japão marcaria novamente presença na Alemanha, mas voltaria à estaca zero - zero vitórias. Primeiro derrota com a Austrália por 1-3, depois empate com Croácia sem golos, e derrota frente ao Brasil por 1-4. O bom hábito de ganhar jogos foi readquirido há quatro anos na África do Sul, onde conseguiram vencer os Camarões por 1-0, e depois de perderem com os holandeses pelo mesmo resultado, conseguiam uma vitória fabulosa sobre a Dinamarca por 3-1. Nos oitavos seriam afastados pelo Paraguai no desempate por "penalties". Este ano no Brasil participam pela quinta vez consecutiva.


A China, apesar da sua dimensão populacional e a paixão pelo futebol (ou qualquer outro jogo, para esse efeito), só passou ter futebol semi-profissionalizado a partir de 1992, e demoraria mais dez anos a estrear-se em mundiais. E foi pela mão de "Bora" Milutunovic, aproveitando as vagas asiáticas deixadas em aberto por Coreia do Sul e Japão para o mundial 2002. Ali a estreia foi modesta, perdendo os três jogos para Costa Rica por 0-2, Brasil por 0-4 e Turquia por 0-3. Ficou a recordação de ter jogado com a "canarinha", que nesse ano foi campeã mundial, para contar depois aos miúdos. A China não mais se voltaria a qualificar depois disto, mesmo com José António Camacho como selecionador nos últimos anos.


A Austrália, que tal como os Estados Unidos tem outros desportos além do futebol a que dá primazia, qualificou-se pela primeira vez para o mundial de 1974 na Alemanha através da única vaga reservada para países do continente asiático e Oceânia, mas no torneio final perderia com a Alemanha Democrática por 0-2, depois com a Alemanha Ocidental por 0-3 e saía com um honroso empate sem golos frente ao Chile. Depois disso foram muitos anos de ausência, muito por culpa de precisar de jogar um "play-off" inter-continental, normalmente contra uma selecção das Américas. Tudo mudaria quando os "socceroos", como são conhecidos, afiliaram-se na AFC, discutindo uma das vagas da zona asiática, e a partir daí qualificariam-se para os três torneios seguintes. Em 2006 sob o comando do holandês Guus Hiddink, que levou uma geração de jogadores com carreira feita no futebol europeu, casos de Harry Kewell, Mark Viduka, Tim Cahill, Brett Emerton ou o guarda-redes Mark Schwarzer, conseguiu não só vencer e marcar golos pela primeira vez, como ainda passar da fase de grupos. No primeiro jogo venceram o Japão por 3-1, marcando os três golos nos últimos dez minutos do encontro, depois perderam com o Brasil por 0-2, e empataram com a Croácia a duas bolas. Nos oitavos seriam afastados pela eventual campeã, a Itália, com o único golo do encontro a ser apontado por Totti no quinto minuto de descontos para lá dos 90. Em 2010, com outro holandês ao comando, desta vez Pim Verbeek, ficariam pela primeira fase, perdendo com a Alemanha 0-4, empatando 1-1 com o Gana, de nada valendo depois a vitória por 2-1 sobre a Sérvia.


A Nova Zelândia conta com duas participações, interessantemente marcadas pela regularidade; em 1982 em Espanha qualificaram-se através de uma das duas vagas da AFC/OFC, indo a outra para o Kuwait, e na fase final seriam goleados em todas as partidas: 2-5 c/Escócia, 0-3 c/União Soviética e 0-4 c/Brasil. Em 2010 chegavam à África do Sul através do "play-off" inter-continental (finalmente), e empatavam todos os jogos do seu grupo: 1-1 c/Eslováquia e Itália e 0-0 com o Paraguai. O jogo contra os italianos foi especial, e chegaram a estar em vantagem aos 7 minutos com um golo de Shane Smeltz. Este ano vão ficar longe, bem longe do Brasil, do outro lado do mundo.

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