segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Tiro ao boneco (de fora)


Os trabalhadores não-residentes estão na ordem de dia, e têm servido de arma de arremesso para as mais variadas questões relacionadas com a economia da RAEM. Para a nossa classe política que não percebe nada de política são um pretexto para entrar pela via do populismo e cair nas boas graças do eleitorado, e para os trabalhadores residentes servem de desculpa para tudo e para mais alguma coisa. Ontem o programa Fórum Macau, do canal Ou Mun da Rádio Macau, debateu o "problema" dos não-residentes, contando com representantes das associações de trabalhadores, académicos, e uma plateia muito colorida. A quantidade de disparates que ali se disse foi tanta que dava para rir, não fosse tão lamentável esta onda da culpabilização de pessoas que não querem fazer mais do que ganhar a vida, preenchendo lacunas que existem na mão-de-obra, e que para tal não andam a roubar nem a enganar ninguém.

No essencial, a ideia que saíu deste fórum e que não deve ser muito diferente de qualquer outra iniciativa deste tipo é que tem que se pôr um fim à contratação de mão-de-obra do exterior, porque vem tirar emprego aos residentes, e mesmo que seja necessária não deve vir na mesma porque aufere vencimentos mais baixos, e isto arrasta os vencimentos de toda a gente com eles. Pimba, já está. O mais interessante é ouvir da boca daqueles cidadãos que eles próprios não têm formação, só sabem ser motoristas, guardas, trolhas, etc., não estão interessados em qualquer tipo de auto-valorização, e só não querem é mais não-residentes, pronto. Não querem e acabou a conversa. Um deles, entrevistado pela TDM, ria a bandeiras despregadas enquanto se queixava da vida: "eu só sei ser motorista, ah ah ah, se eu não for motorista vou para segurança, ah ah ah, mas há muitos não-residentes que são contratados para fazer um trabalho, ah ah ah, mas depois arranjam outro mais bem pago, ah ah ah, é fácil, ah ah ah...". Ria com gosto, o homem, apesar do assunto ser sério. Ou estavam a fazer-lhe cócegas, ou estava a segurar o cócó com muita força, ou é maluquinho. Inclino-me para esta última opção.

O debate contou com a participação da deputada e representante da Associação Geral dos Operários, Lei Cheng I (que recentemente descobri que tem o nome inglês de "Ella") abordou a questão do ponto de vista das remunerações, e culpabilizou alguns empregadores que oferecem salários baixos, pouco convidativos para os residentes e atraentes para os não-residentes. Não sei se Ella (eh eh) está aqui a sacudir a água do capote, pois durante o debate das LAG para a Economia pareceu demonstrar uma certa má-vontade com os TNR. Disse ainda que os residentes "estão condenados a trabalhar apenas nos casinos" (coitados), e que desta forma os TNR "são explorados" - como se ela estivesse mesmo ralada com isso. Se o problema é mesmo esse, o dos salários, que tal obrigar o patronato a pagar igual a todos? Afinal era justo, dava-se preferência aos residentes, e os TNR só vinham em caso de extrema necessidade. O problema aqui é que a necessidade é sempre extrema; a procura aumentou, temos o triplo dos turistas e da oferta turística de há dez anos, e nem por isso a mão-de-obra acompanhou esse crescimento. Os novos residentes que compraram apartamentos de dez ou quinze milhões de patacas não vieram para cá trabalhar na área da restauração, da segurança ou da limpeza. Para piorar ainda mais as coisas, temos o grosso dos residentes que "só" sabe ser motorista ou croupier. Desatem lá este nó sem recorrer à mão-de-obra importada. Ah, bem.

1 comentário:

Anónimo disse...

E o pior de tudo é que as pessoas não parecem preocupadas com o que é realmente mau na cidade: a lei laboral. Podiam-se queixar dos 6 dias de férias, dos 30 minutos minimos de pausa, dos 6 dias de baixe médica... Mas não, é muito melhor falar dos TNR...

Raquel