quarta-feira, 31 de julho de 2013

Oceanus nada pacífico


O Hoje Macau noticiou na sua edição do dia uma notícia que dá conta do descontentamento dos trabalhadores do casino Oceanus, uma das peças da Sociedadade de Jogos de Macau (SJM) do clã Ho no xadrez do jogo na RAEM. O casino fica localizado perto do Terminal Marítimo do Porto Exterior, nas antigas instalações do Centro Comercial New Yaohan, e estará aparentemente sob a administração de Angela Leong, deputada na Assembleia Legislativa e actual companheira do magnata Stanley Ho. Sabe-se muito pouco deste empreendimento casineiro, que não goza da mesma popularidade de outros no território que oferecem alternativas em termos de entertenimento que vão além do jogo, mas as notícias que agora surjem na imprensa ajudam a abrir a "casca de noz" do Oceanus.

Depreende-se da notícia do Hoje que os trabalhadores do Oceanus que vêm agora "partir a loiça" serão apenas um pequeno grupo, mas fica também a impressão que representam uma fatia considerável dos restantes, e que existe mesmo um descontentamento generalizado. Não é habitual que se veja fumo tão negro e espesso sem que haja fogo que o provoque. Especialmente se tivermos em conta a experiência e o historial da SJM, pouco dada a polémicas desta natureza. Mas, e há sempre um mas ou mais nestes casos, é preciso colocar nos pratos da balança o factor das eleições para a AL, que se realizam daqui a mês e meio, e notícias deste calibre são o suficiente para lesar a imagem de Angela Leong. E são mesmo as eleições que se aproximam um dos cavalos de batalha dos rebeldes do Oceanus, como vamos ver mais à frente.

Uma das razões para "saltar a tampa" dos queixosos foi a regulamentação das faltas por doença, um direito fundamental; quem quer ir trabalhar quando está doente? Os signatários queixam-se que a entidade laboral lhes permite apenas realizar consultas médicas em consultórios autorizados pela mesma, ou no hospital público. Esta é uma política recorrente da maioria dos casinos e e afins, e visa combater os atestados fraudulentos. Uma cautela que se compreende, pois estamos aqui a falar de empresas com fins lucrativos, e os prejuízos pesam nos bolsos da administração. No entanto reconheço alguma legitimidade aos trabalhadores. Esta teimosia em adoptar métodos preventivos começa a cheirar mal. Se apresentam efectivamente justificações fraudulentas, existirão meios de os punir disciplinarmente. O controlo do indivíduo de modo a que não infringa as leis é apenas um pretexto para o privar do exercício das suas plenas liberdades. Cada um é livre de fazer o que quiser, e se prevaricar, existem mecanismos apropriados para resolver a contenda.

Se no que toca aos cuidados em prevenir a abstinência danosa a administração do Oceanus tem a razão do seu lado, ou pelo menos parte dela, o mesmo não se pode dizer quanto ao tratamento que é dado aos trabalhadores a que a doença os obriga a ausentarem-se. O regulamento que os obriga a apresentar o atestado uma hora antes da entrada ao serviço é completamente descabida, para não dizer desumana. No caso da administração púlica, por exemplo, os funcionários têm 48 horas após o período de falta para apresentar o atestado. A rigidez das regras no caso do Oceanus obriga que se programe a doença, algo que dificilmente se consegue prever. Interpretando esta regra, um trabalhador fica proibido de adoecer durante o seu horário de trabalho, e caso se sinte indisposto duas ou três horas antes do seu início, é obrigado a produzir uma justificação em tempo recorde, ou vai trabalhar doente. Se não existe legislação laboral que impeça este tipo de atropelo aos direitos do trabalhador, é altura de a elaborar. E já agora fiscalizá-la devidamente, que a indústria casineira é conhecida por contornar as regras a seu bel-prazer.

A outra polémica prende-se com as eleições legislativas, que estão mesmo à porta. A menos de cinquenta dias de disputar o seu terceiro mandato como deputada, Angela Leong é acusada de condicionar o sentido de voto dos trabalhadores da SJM, sugerindo a alguns deles que se inscrevam nos cadernos eleitorais e votem nela, em troca de "um ou mais dias de férias" suplementares. Uau, um dia de férias ou mais? A senhora perdeu a cabeça. Espero que tanta generosidade não a leve à falência. Fala-se ainda da disponibilização de transporte gratuito aos eleitores até à mesa de voto, uma estratégia comum a outras listas, e a que os orgãos encarregados de garantir a transparência do acto eleitoral não conseguem determinar uma legitimidade legal, ou a falta dela. Acusações brandas comparadas com a que foram feitas à mesma candidata nas últimas eleições. Em 2009 falava-se da exigência de Angela Leong em obter em algumas mesas votos em um número igual ou superior dos funcionários da SJM ali inscritos, e de açambarcar a frota de táxis no Domingo do sufrágio, de modo a transportar os seus eleitores. Perante este cenário, as novas acusações são nada mais que "peanuts".

A SJM a que Angela Leong pretence como sócia tem na sua folha de vencimentos eleitores recenseados em número suficiente para garantir a sua eleição, e se tivermos em conta que o seu estatuto de candidata ligada ao sector do jogo poder-lhe-á valer o voto dos trabalhadores das outras concessionárias, terá pouco com que se preocupar. Quando faz recurso a alguns expedientes menos ortodoxos ou estratégias de intimidação está a manchar a sua reputação, e a deixar transparecer que depende mais de "lobbies" e do seu estatuto empresarial do que as ideias que defende. E é mesmo pena, pois nos quase oito anos que leva de hemiciclo, tem abordado temas pertinentes que vão além da esfera que representa, mesmo que nem sempre de forma oportuna. Se por acaso julga que a única forma de garantir votos é através da adulteração da vontade própria do eleitorado, e que é uma ingenuidade acreditar nas regras do sistema democrático, não me resta senão discordar dela.

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