Apresentando a "líchia"
Do panteão de frutas que podemos encontrar nesta região do Globo existem muitas que não encontramos em Portugal, e cuja simples aparência pode causar estranheza. Entre as que se comem mais ou menos bem ou não desafiam certos preconceitos (ex: comer “durian”, que cheira a merda), gosto especialmente das líchias. Não soa bem, “líchias”, mas penso que esta é a designação portuguesa corrente para aquela fruta pequena, redondinha, com uma casca fina, miolo mole e doce de textura suave que cobre um grande caroço duro com tons de castanho-escuro. Uma fruta deliciosa, doce e especialmente refescante durante estes dias de maior calor. A facilidade com que se prepara e a garantia que oferece de ser sempre doce, não dependendo da maturidade ou da qualidade, tornam-na a mais apetecível da sua família. É mais consistente que o minuscúlo “longan” e mais prática que o peludo e selvage rambutan. É usada em chá e como aromatizante em iogurtes, entra na confecção de algumas sobremesas e cocktails, e com o equipamento adequado pode-se extraír o seu sumo.
Parecem "van-tan", mas são líchias, pasme-se...
A China é o país de origem da líchia (pelo menos julgo que é), e onde a fruta se encontra em maior abundância. Não surpreende que onde exista abundância, se dê largas à imaginação, e que ao fim de anos a usar a omnipresente líchia para o mesmo efeito, descubram-se outras aplicações para o fruto. E assim é, pois nas últimas semanas têm surgido em forums e redes sociais do continente mil e uma receitas de líchia que vão muito além da simples sobremesa. Um cibernauta de Xangai publicou esta imagem de líchias com molho se soja, o que despertou a curiosidade de milhares de seguidores e visitantes acidentais. Utilizadores da rede das mais diversas partes da China aprovaram a ideia, e uma jovem de Chaozhou sugeriu mesmo que algumas frutas sabem melhor com um tempero salgado, nomeadamente amoras e outras com uma acidez mais acentuada.
O recheio é de carne de porco, mas mais uma vez, não são "van-tan". Sim, adivinharam, são líchias.
Não tardou a que chegassem outras sugestões de como incluir as líchias na preparação de pratos originalmente “salgados”. Desde líchias recheadas com carne de porco, apimentadas com malagueta ou wasabi, fritas com mariscos e vegetais, acompanhadas de molhos mais elaborados, há uma “trend” para libertar a fruta da sua mera função de sobremesa. Contudo esta não é uma ideia original, e a História prova que houve quem pensasse nisto antes. Liu Chang, último rei da dinastia Han do Sul que viveu no século X, era conhecido por preparar para as suas concubinas e séquito um banquete com pratos fritos e cozidos tendo como a líchia o ingrediente principal, e muitas vezes o único. Líchias fritas, líchias cozidas a vapor, líchias com molho de líchia, sopa de líchias, era uma ementa "lichiada" lá no palácio. Mas se é bom que chegue para um rei, este é um ponto a favor da inovação.
Camarão frito com feijão verde e...cebola? Errado! Líchias!
Mas da mesma forma que há quem prove e aprove, há quem reprove e não tenha intenção de provar. Os mais conservadores questionam se a utilização de temperos salgados e a fritura não afectarão as propriedades vitamínicas das frutas, enquanto outros não aceitam a mistura de doce e salgado no mesmo prato. Uma das críticas chegou curiosamente de Dongguan, província de Cantão, conhecida pela “capital das líchias” na China. Uma cibernauta aí residente considera que esta ideia “é extravagante”, e o único resultado “é o desperdício de líchias e de outros ingredientes”. Palavras fortes de quem sabe do que fala, vindas do lugar onde as líchias são o símbolo regional. Há ainda quem questione os possíveis efeitos em termos de saúde, e estes estraga-prazeres têm mesmo alguma razão. Os médicos avisam que comer fruta com molho de soja ou outros temperos pode a longo prazo causar problemas em pessoas com problemas digestivos, como diarreia, dores de estômago e irritações do aparelho gástrico. A “aventura” também não se recomenda a diabéticos e doentes cardíacos. Portanto ficam aqui as sugestões, as opiniões dos que gostam e dos outros, e a perspective médica do tema. Agora se quer ousar, é só exprimentar. Líchias fritas para o jantar?
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