terça-feira, 30 de julho de 2013

Conflito da faixa de gaze


Mais um capítulo na polémica da putativa contratação de enfermeiros portugueses para a RAEM. Primeiro foi a vice-presidente da Associação Geral das Mulheres, Wong Kit Cheng, a opôr-se à importação de enfermeiros de Portugal, alegando mesmo que isto "colocaria em risco a vida dos cidadãos". A Associação Luso-Chinesa veio de seguida refutar essas afirmações, desvalorizando as preocupações de Wong, e agora é a vez da Associação de Enfermeiros propriamente dita lançar mais achas para a fogueira, fortalecendo a opinião da primeira. A Associação do Pessoal de Enfermagem de Macau (APEM), na voz da sua presidente Mónica de Assis Cordeiro, é mais moderada que Wong Kit Cheng nos argumentos que a levam a opôr-se a contratação dos enfermeiros portugueses, baseando-se sobretudo no facto de ser "desnecessário". Apesar disso as razões que apresenta não convencem, e parece-me que existe aqui um enorme mal-entendido, ignorando-se por completo o essencial: a falta de profissionais de enfermagem.

Mónica de Assis Cordeiro imita Wong Kit Cheng, escudando-se no factor da língua, e sai com uma calinada semelhante, alegando que a vinda dos portugueses não só não vai resolver o problema da falta de enfermeiros, como ainda vai "aumentar a carga de trabalho dos enfermeiros portugueses". O porquê dos enfermeiros portugueses virem atrapalhar em vez de ajudar não fica bem explicado. Os argumentos da qualidade do serviço, da comunicação com os pacientes ou o facto da maioria dos utentes do hospital ou dos centros de saúde são também usados, e como cereja no topo do bolo, Cordeiro remata com uma piada: "Actualmente os enfermeiros filipinos falam um pouco de português e chinês, reduzindo o obstáculo da linguagem". Se os filipinos aprendem outra língua que facilite a comunicação com os doentes, porque é que os portugueses não podem também vir a fazê-lo após um curto periodo de adaptação? Mistérios do arco-da-velha.

Fico sem perceber esta relutância com a vinda de enfermeiros de Portugal. Serão resquícios de algum trauma pós-colonial? Se os serviços de saúde de Macau estão necessitados de enfermeiros, pouca importa que sejam portugueses, chinesas, russos ou argelinos, desde que cumpram com a sua função. O Governo da RAEM pondera a contratação de portugueses porque existe um protocolo de cooperação nesta área com Portugal, e não por razões de natureza histórica ou cultural. Esta insistência que o domínio de um idioma é fundametal na qualidade do serviço é tão oco que nem um Pica-Pau se incomoda a bicar à procura de minhocas. Porquê exactamente têm os enfermeiros de entender os doentes de modo a ficarem cientes das suas necessidades? Estamos a falar de enfermeiros do serviço público ou de meros serventes? Quem quiser alguém que leve o idoso a passear ou para coçar as costas a um acamado não necessita de um enfermeiro. Basta contratar uma empregada indonésia, e a maioria destas até dominam o chinês.

É pena que a procura de soluções para os problemas sofra com estas questões que pouco ou nada têm a ver com critérios de qualidade, competência ou profissionalismo, e que se continue a dar primazia ao politicamente correcto. Existe um receio injustificado que algumas decisões possam dar lugar a dúvidas sobre a autonomia da região, e dá-se a entender que qualquer coisa que tenha a ver com a vinda de mais portugueses seja um regresso ao passado, e que o Governo não tem "um par deles no sítio" para mostrar quem manda. É preciso recordar a esta gente as palavras do pequeno grande Deng Xiaoping, o responsável-mor pelas reformas essenciais que serviram de base ao grandes progressos que a China realizou nos últimos trinta anos: "Não importa se o gato é preto ou branco, desde que apanhe o rato".

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