Prognósticos só no fim do jogo

Scott Chiang: 32 anos sem passar uma lâmina de barbear pela carinha de bébé

Faltam dois meses para as eleições legislativas, e depois dos SAFP terem publicado ontem as listas provisórias dos candidatos ao hemiciclo da Praia Grande (recomendo a visita, e aproveitem para espreitar as datas de nascimento e vão ter algumas surpresas; ex: o Scott Chiang tem 32 anos). O Hoje Macau foi ouvir a opinião de alguns politólogos - profissão curiosa - com destaque para o professor da UMAC Elio Yu, concomitantemente tido e achado nestas ocasiões, como se a sua opinião fosse uma espécie de verbu divinu. Concordo com alguns aspectos, poucos, e discordo do restante, que é suficiente para que se façam orelhas moucas às suas profecias mascaradas de opinião válida resultante de uma formação em ciência política que se preze.

Nisto dos resultados eleitorais, gostava de citar duas figuras incontornáveis da nossa cultura popular: a actriz Ivone Silva e o antigo capitão do FC Porto, João Domingos Pinto. A primeira cunhou a frase "com um vestido preto, nunca me comprometo", e o segundo proferiu o supra-sumo da premonição: "prognósticos só no fim do jogo". Como em Macau não prolifera a útil mas controversa indústria das sondagens que antecipam as intenções de voto, o melhor mesmo é esperar pelos resultados finais e dizer que "afinal eu tinha razão; ainda ontem estava concentrado a defecar no remanso da retrete, e visionava os resultados nos azulejos da parede". É um ritual que se repete de quatro em quatro anos, com resultados garantidos.

Primeiro atentemos ao mapa eleitoral e à sempre confiável lógica. Entre as eleições de 2005 e 2009, as duas últimas, a única alteração foi a perda de um mandato da Associação dos Moradores, vulgo "kai-fong", que foi direitinho para o Novo Macau Democrático (NMD), realizando com relativo sucesso a estratégia de se dividir em duas listas e eleger um terceiro deputado, algo que seria impossível com a adulteração do método de Hondt que impede a concretização da vontade do eleitorado no momento de escolher o vencedor do sufrágio. Mas se em 2005 e 2009 estavam em disputa 12 vagas no sufrágio directo, as 14 em aberto no próximo dia 15 de Setembro deixam tudo em perspectiva. O que vai mudar?

Atendendo à pouca mobilidade do grosso do eleitorado, que cumpre o seu dever cívico como um acto religioso obedecendo a convicções pré-estabelecidas e pouco impressionável com novos argumentos, é possível avançar com algumas certezas. Assim a Associação dos Operários e a lista de Chan Meng Kam voltará a eleger dois deputados, os "kai-fong", Angela Leong e Pereira Coutinho garantirão pelo menos um mandato, bem como Mak Soi Kun e Melinda Chan. Segundo Elio Yu, o aumento no número de eleitores recenseados determina que serão precisos "entre 7500 e 8000 votos para eleger um deputado", o que significa que Melinda Chan precisa de um resultado igual ou superior a 2009, quando obteve 7857 votos. A crer na tendência de distribuição de votos mais ou menos equalitária das últimas eleições, onde o número de eleitores registados também aumentou, é credível que a plataforma MUDAR atingirá os mínimos para manter a esposa de David Chow no hemiciclo.

Contas feitas, restam cinco lugares, e falta referir os vencedores crónicos das eleições: o Novo Macau. Os democratas dividem-se este ano em três listas distintas, e de acordo com Elio Yu, isto é "um erro". O politólogo refugia-se nos resultados das duas listas do NMD em 2009, onde obtiveram 28 mil votos. Este mesmo número de votos em Setembro, dividido por três candidaturas, significaria um máximo de três mandatos, arriscando-se uma das listas a não eleger qualquer deputado, e numa situação extrema os democratas poderão perder um dos actuais três assentos na AL. De facto é complicado prever o resultado final das listas da pró-democracia, uma vez que o seu eleitorado não é facilmente identificável; não pertencem a uma das associações ditas "tradicionais", e não se contabilizam entre trabalhadores do jogo, funcionários públicos ou gerações de imigrantes de províncias das China Continental. São uma incognita que incomoda.

Na melhor das hipóteses o NMD elegerá cinco deputados, deixando resolvida a questão dos cinco lugares em aberto: Ng Kwok Cheong e Chan Wai Chi numa das listas, Au Kam San na outra, Jason Chao e Scott Chiang na novel candidatura dos "Liberais do Novo Macau", sem dúvida a maior novidade destas legislativas, que promote atraír um segmento do eleitorado que anteriormente preferia ficar em casa. O resultado mais provável será a eleição de Jason Chao em conjunto com os actuais representantes da ala pró-democrática, e na pior das hipóteses o NMD manterá os três deputados, sem prejuízo para Jason Chao, mas com o "sacrifício" de Chan Wai Chi, que poderá perder o lugar no evento do NMD não ir além dos votos expressos há quatro anos. O cenário da perda de um mandato, vaticinado por Elio Yu, é improvável em 99,9%.

No caso do NMD não completar um "full-house" ou sequer um "poker", ficarão um ou dois lugares em aberto. E é aqui que os líricos entram, alinhando no jogo da adivinhação quanto a uma ou mais novidades na Praia Grande para a legislature 2013/2017. Caso o NMD não realize os planos de uma vitória esmagadora e deixe pelo menos um lugar em aberto, esse será decidido entre Agnes Lam, que se submeteu a um "baptismo de fogo" em 2009, e o nº 2 de uma das outras listas que garantem pelo menos um mandato. E é aqui que concordo parcialmente com Elio Yu; existe uma forte possibilidade de Angela Leong levar consigo mais um representante do sector do jogo, beneficiando do crescente número de residentes empregados nesta area de serviços. No evento de existir mais que um lugar deixado pelos democratas, a lista de William Kuan poderá disputá-lo lado a lado com Agnes Lam. Kuan é um conhecido empresário da indústria do entertenimento, e em 2009 a sua plataforma terminou à frente do Observatório Cívico por menos de duas centenas de votos.

Além do fracasso das intenções do NMD, uma grande surpresa seria a não-eleição de Pereira Coutinho, que ao contrário do seu primeiro mandato tem sido alvos de críticas em tempos recentes, o que leva os mais pessimistas a temer pelo pior. Apesar dos projectos menos conseguidos, acredito que o núcleo duro de apoio ao president da ATFPM garantirá pelo menos a sua eleição, deixando fora de hipótese essa vaga a preencher. Mais uma vez, e opinião de politólogos à parte, o preenchimento de alguns dos 14 lugares será decidido nas urnas. E prognósticos, mais uma vez, só depois da Comissão Eleitoral validar os resultados da vontade popular de forma definitiva.