quinta-feira, 11 de julho de 2013

Corrupção??? Que palavrão tão feio!


Um estudo recente demonstrou que oito em cada dez portugueses acredita que a corrupção piorou desde 2010, que como se sabe coincide com a altura do início da crise que gerou a recente onda de austeridade trazida pelos planos de desenrascanço na tentativa de salvar as finanças públicas e manter Portugal à tona da zona euro. Os portugueses são por natureza pessimistas, e poucos acreditam que a oportunidade não faça ao ladrão, e apontam o dedo sobretudo “ao sector público”, onde acreditam (ingenuamente) “haver dinheiro à mão de semear”. Apesar de países como o Chipre, Grécia e Espanha apresentarem níveis de desconfiança mais elevados, os portugueses não duvidam que o pagamento de subornos, ou “luvas”, como são conhecidos, tem sido mais frequente, e que o uso de influências de modo a obter emprego para familiares e amigos, vulgo “cunhas”, continua a ser praticado.

Confesso que durante o tempo que vivi em Portugal nunca senti que estas modalidades de “corrupção” constituissem um problema de maior. Na verdade surpreendeu-me que em Macau existisse um Comissariado com competências específicas para combater este “crime”, o que levava a discussões intermináveis sobre o que era realmente corrupção e não apenas “demonstrações de gratidão por um trabalho bem realizado”. No âmbito de uma administração colonial como era Macau antes de 1999, era paradoxal que fosse montada uma caça às gratituidades, e mesmo hoje as recomendações emanadas pelo actual CCAC pecam pela falta de flexibilidade: é praticamente ilegal que um advogado mande um cartão de boas festas aos funcionários de uma repartição pública, por exemplo.

Em Portugal o bom povo aceitou sempre com desportivismo a cultura da “cunha”. Quem fica revoltado com o patrão que “encaixa” um familiar ou o filho de um amigo no rol de pagamentos da sua empresa, mesmo que seja pública, é tido como um “invejoso”, e na verdade poucos hesitariam uma oferta de emprego dispensando o labirinto dos concursos, estágios e outras formas de recruta sem garantias de um final feliz. Os que podem, podem, os que não podem refilam por uns instantes e depois entretêm-se com outra coisa, resignados à triste sina de não ter um tio nas finanças que lhes dê um jeitinho. Quanto à corrupção propriamente dita, e posso estar enganado, duvido que exista. Um chico-esperto que sugira um pagamento extra para realizar as funções que são da sua competência arrisca-se a ser denunciado pelo “pobre mas honesto” utente, e muito provavelmente mediante um enorme arraial de peixeirada. Se a “gorjeta” é voluntária, aí o caso muda de figura, e a bola fica do lado do funcionário.

Nós que vivemos deste lado do globo sabemos bem o que é o enfado de “pagar, comer e calar”; basta visitar países como a Tailândia, Filipinas ou Indonésia para deparar com práticas que em Portugal seriam suficientes para chamar a Judiciária e aparecer na secção regional do Correio da Manhã. Os portugueses podem estar em crise, a apertar o cinto e sem dinheiro para encarar o último terço do mês antes do vencimento, mas nunca ao ponto de se venderem por tuta e meia, ou se recusarem a mexer um dedo sem uma notinha que os motive. Vontade não faltará às vezes, claro, mas temos sempre aquele vozinha que nos devolve à razão quando diz: “Epá não faças isso. Faz o teu trabalho e cala-te”. Corrupção? Que palavrão tão feio.

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