Todos temos a consciência de que o mercado de trabalho é um mundo cão, e sorte dos que ainda vão conseguindo ladrar de vez de quando. Em Macau não é muito diferente do resto do mundo, e como em tudo o que Macau implica, existem certas “especificidades” com que é sensato lidar caso não se queira perder aquele emprego que vai pagando as contas e ainda sobra, ou na pior das hipóteses entrar nalguma lista negra e tornar-se “inempregável”. Existem dois lados da barricada: para quem prefere ser competitivo e ambicioso, e para tal está dotado de capacidades técnicas e habilitações à altura, o sector privado parece um desafio aliciante. Para quem se quer encostar à garantia de um vencimento a cair-lhe todos os meses na conta sem que para isso necessite de tomar decisões ou mostrar serviço que lhe garanta o próximo cheque, nada como um lugar na Administração. A julgar pelos concorridos concursos de acesso que se têm realizado recentemente, a maioria do residente médio com o ensino secundário completo ou um grau superior sem muita saída no mercado de trabalho local prefere a Administração. Sempre joga pelo seguro e não tem que se chatear muito.
Quem opta por uma carreira no sector privado, onde os casinos e a hotelaria constituem a maioria das saídas profissionais, entra num mundo à parte, onde nem sempre a dedicação, competência e trabalho duro são sinónimos de sucesso ou estabilidade financeira. Os mais sortudos ainda conseguem cumprir o seu turno e voltar para casa sem que ninguém os chateie, mas muitos dependem do bom humor de superiores, “managers”, “supervisors” e outros cargos supostamente de “liderança”, tantas vezes improvisados para adaptar alguns nepotes e restantes afilhados com um ego inflacionado à medida do cargo. Na função pública existe um pouco mais de solidariedade, mas mesmo assim não se recomendam as “gracinhas” ou os assomos de personalidade, pelo menos no início, durante o período de integração. A sacanice é a mesma, no fundo, mas pelo menos na posição de agente público existe o “trapézio” dos recursos hierárquicos, e em última instância, o “patrão” é o próprio Estado, uma entidade abstracta. No casino basta não cair nas boas graças do australiano ou malaio que a empresa entornizou nas funções de chefia para que os horizontes fiquem mais curtos.
A fase da vida que dedicamos aos estudos, à formação académica e à especialização técnica é porventura a mais deprimente e cheia de incertezas. No papel de “estudante” e sem experiência profissional alguma ninguém nos leva a sério, e quanto mais evidente é a aparência de que temos “mais que idade” para trabalhar, mais dramático se torna para os preguiçosos, e mais embaraçoso para os pais. Nenhuns pais querem em casa um filho com 30 anos que insiste em não encontrar emprego fixo. A não ser que sejam pais idosos com necessidades específicas que se aproveitam de um filho semi-retardado para as atender, poupando assim numa enfermeira ou numa empregada doméstica. Não surpreende que tantos jovens profissionais façam o possível e o impossível para agradar à sua entidade patronal, acatando decisões mesmo que as considerem absurdas, e executando tarefas que os colegas com mais antiguidade recusam, ou aceitam cumprir sem antes protestar, resmungar ou demonstrar sérias reservas.
Quem possui qualidades ou conhecimentos raros, ou pelo menos escassos em termos de oferta e bastante requisitados. está no melhor dos dois mundos, pois o seu “génio” permite-lhes alguma audácia sem que disso resultem dissabores. É claro que em Macau estas são situações pontuais, e os “indispensáveis” contam-se pelos dedos de uma mão – mesmo que muitos tenham essa ilusão. Em norma não existe ninguém insubstituível, a não ser a própria entidade patronal, no caso do privado, ou algum tecnocrata esmerado cujas qualidades agradem aos seus superiores hierárquicos – e na quase totalidade dos casos existe sempre alguém acima daquele chefe de secção ou director mais porreiro que só pensa em fazer o que lhe compete com eficácia e não chateia ninguém. O mais cândido e benemérito dos chefes, directores, engenheiros, capatazes, etc. pode ser obrigado a tomar medidas dignas do mais cínico e rezinga fdp devido a “instruções superiores”. É injusto que tantas vezes o trabalhador médio precise de engolir a seco com decisões chatas que chegam de tipos que nunca sequer viram, orientações emanadas de quem não faz ideia de como funciona a máquina, e que o seu superior imediato faz cumprir com rigor mesmo que discord delas, mas é assim a vida. No lugar dos gajos faziamos o mesmo, não é, seus vendidos?
No topo da pirâmide estão os que todos já conhecemos bem, e na maioria são os mesmos há muitos anos. A quem prestam esses contas, é uma incógnita. É possível que tenham quem lhes bata a porta de vez em quando, seja para uma mera visita de rotina, ou para um leve mas sempre desagradável puxão de orelhas. O mais importante são as aparências inerentes ao cargo que se ocupa, e mesmo que as funções se resumam a assinar papelada que os subalternos compuseram em 99% do total (os 1% restantes são a tal assinatura), visitar uma ou outra subunidade e falar para a imprensa (mais uma vez, 99% do material é de autoria anónima), o que interessa é passar uma boa imagem. E já agora caso algo corra para o torto, ter um bode expiatório à mão, e se o caso for mediático e com contornos de escândalo, algum lacaio do círculo mais próximo que já se tenha “enchido” à conta do cargo sem que para isso tenha feito muito para o merecer. E para que o resto funcione está lá o mecanismo que faz com a porta seja aberta a horas certas, que o chão esteja sempre limpo, e que os utentes sejam servidos sem razões de queixa. E é aí, no meio, que elas mordem. Ou eles se mordem. Nada que não se resolva com o primério prémio do “Mark-Six”, e depois é só gozar a vida e rir dos pobres coitados que dependem do salário que faz com que se agarrem de unhas e dentes a um posto onde são muito provavelmente infelizes. Enquanto isso é só esperar…sentado, de preferência.
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