segunda-feira, 15 de julho de 2013

Lap sap cheong


Quem percorre a pé a Estrada do Repouso vindo da Av. Almirante Lacerda e contorna à direita depois do velhinho Cinema Alegria, depara com uma espécie de feira que tanto os locais como os estrangeiros residentes em Macau conhece pelo seu nome chinês: “Lap sap cheong”, ou numa tradução directa, “lixeira”. Não se trata de uma lixeira propriamente dita, mas antes um entreposto de revenda do mais variado tipo de objectos em segunda, terceira e enésima mão. Uma espécie de ferro-velho com uma orientação mais comercial e oferta mais diversificada. A versão macaense do “flee-market”, um parente afastado da nossa Feira da Ladra.

O “lap sap cheong” fica compreendido entre a Travessa da Corda e a Travessa do Garfo, junto ao Largo da Cordoaria. A maneira mais fácil de lá chegar sem precisar de calcorrear os becos e travessas do Bairro do Patane é usando como referência o já mencionado Cinema Alegria. Depois é só seguir as lojas, praticamente situadas ao lado uma das outras, e ver se encontra algo de interesse ou a que se possa dar alguma utilidade. Mesmo que não veja nada que valha a pena comprar, vale a pena visitar, e apesar do aspecto desarrumado da maioria das lojas, o aspecto de grande parte dos trastes ou de alguns dos comerciantes sugerir a presença de odores desagradáveis, os padrões de higiene mantêm-se dentro do tolerável. Para quem é mais “esquisito” o melhor é mesmo evitar o local.


Aqui encontra-se um pouco de tudo, desde aparelhos de televisão ou ar-condicionado, frigoríficos e máquinas de lavar, até roupas, sapatos ou loiça, passando por transistores de rádio, livros e discos de vinil! Se o seu ultimo gira-discos foi substituído por um leitor de CD ainda no século passado, pode comprar um no “lap sap cheong” e matar saudades do tempo em que o som da agulha a correr o disco dava um encanto especial à música. Quem tiver um pouco mais de paciência e não se importar em remexer nas velharias cobertas de pó, pode encontrar raridades ou peças históricas com valor que o próprio vendedor desconhece, e adquiri-las por qualquer coisa como dez patacas o quilo, dependendo do que se trata, lógico. Uma visita mais demorada pode ter ainda um inesperado toque de nostalgia. Numa das lojas onde passei durante a minha última visita vi uma daquelas antigas máquinas de costura que a minha avó usava. Olhando mais atentamente encontramos objectos de que nem nos lembravamos da existência. Para quem quiser começar um museu particular, o “lap sap cheong” é um bom começo.

A clientela é constituída maioritariamente por pessoas da classe média ou média-baixa, e é possível encontrar a qualquer hora do dia trabalhadores não-residentes que fazem deste local o seu “centro comercial”. O baixo poder de compra aliado à missão de mandar boa parte do vencimento para o país de origem não se coaduna com um gosto muito requintado, e até o vestuário usado, uma verdadeira pechincha, dá uma ajuda quando é altura de fazer as contas no final do mês. Quem tem jeito para reparações domésticas ou não se importa de realizar os consertos mais simples descobre ali peças avulsas mais difíceis de encontrar no comércio convencional, e mesmo algumas que já não se fabricam. O mais aliciante deste “lap sap cheong” são os utilitários que considere não valer a pena investir, remediando qualquer eventual necessidade com um já usado, desde que funcione. E na realidade a maioria dos electrodomésticos funciona, apesar de saltar à vista que tiveram um ou mais proprietários. A solução ideal para os nossos compatriotas que andam ano após ano com a casa às costas e querem evitar levar atrás objectos volumosos como frigoríficos, armários ou outra mobília. No “lap sap cheong” encontram isso e muito mais por uma fracção do preço do original. É mesmo possível adquirir peças de mobília mais elaboradas, como camas ou roupeiros, em peças separadas, e depois montá-los em casa. Uma actividade em que toda a família pode participar, garantindo uma tarde bem passada.


Apesar dos preços fracionados e da componente lúdica do “faça você mesmo”, a maioria das lojas tem serviço de entrega ao domicílio no caso dos volumes maiores ou mais pesados, e alguns electrodomésticos – nomeadamente os aparelhos de TV ou DVD – têm mesmo um curto período de garantia, assegurando que não estão à venda já moribundos, deixando de funcionar assim que chegam à nossa casa, ou no dia seguinte. O atendimento é feito com simpatia, sem cerimónias, distinção de tipo de freguesia ou julgamentos de valor. Os comerciantes, gente humilde e esforçada, não prometem mundos e fundos ou procuram gabar a qualidade dos seus produtos. De facto nem tentam sequer convencer ninguém a comprar o que quer que seja; o que está ali é o que têm, e no máximo podem fazer um pequeno desconto, se nesse dia tiverem acordado do lado certo da cama. Até pode ser que tenha azar e compre uma porcaria qualquer que mais tarde tem que deitar fora, ficando a dizer mal da vida, mas com a certeza que obteve algo que corresponde ao dinheiro que desembolsou, e não se sente enganado. Quem ainda não visitou o “lap sap cheong”, aproveite uma tarde de Sábado de sol, ou dê lá um pulinho no Domingo antes do almoço, e vai ver que não se arrepende.

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