Família: todos temos uma
O simples facto de recebermos em Macau a nossa RTPi em sinal aberto é como uma benção. A bem ou a mal, sempre estamos mais próximos do nosso país de origem, e para quem lá nasceu e cresceu torna-se difícil preferir qualquer outro dos canais locais. Quando digo “a bem ou a mal”, quero dizer obviamente que existem programas interessantes e com valor em termos educacionais ou de entretenimento, e outros que se enquadram na categoria de lixo televisivo. Entre estes encontra-se o programa “Esta é a minha família”, uma pobre desculpa para preencher uma fracção das 24 horas diárias de emissão da RTPi – seria muito exigir 100% de qualidade, lógico, e há gostos para tudo.
Em “Esta é a minha família” a televisão entra pela casa de um tipo que ninguém ouviu falar, que desata a falar da sua vida, da sua profissão banal, das suas actividades medianas que em pouco ou nada diferem do cidadão comum, enfim, ficamos a conhecê-lo, mesmo que não estivessemos realmente interessados. Alguns dos detalhes chegam a tomar contornos tão pessoais, que eu próprio me sentiria embaraçado em dar a conhecer a milhões de compatriotas em todo o mundo. É esse peso insopurtável do anonimato que nos torna vulnerável aos encantos da câmara e do microfone que nos permitem existir por alguns instantes. É a eterna peleja pelos tais 15 minutos de fama.
Depois de nos ser apresentado, ficamos a saber o que pensam dele os familiares, os colegas e os amigos, e mais uma vez é possível verificar a pouca naturalidade com que os portugueses se comportam quando sabem que estão a ser filmados. Ou se intimidam e falam como se estivessem a ler um ponto, reduzindo os movimentos e as expressões faciais ao mínimo suficiente que dê a entender que estão vivos, ou extravazam a euforia recalcada por anos de indiferença e comportam-se como bárbaros. Estes “actores secundários” tecem considerações sobre a “estrela” do programa, apontando as suas virtudes e defeitos, e mais uma vez há coisas que mais valia ficarem pela esfera do privado.
No fim o “chefe de família” visualiza o video com os comentários dos seus entes queridos, comovido com os elogios e abnegado com as críticas, prometendo “melhorar no futuro”. Um atrevimento que talvez não fosse levado tão desportivamente sem a presença das câmaras, mas assim tudo bem, não faz mal e até ajuda a colorir o retrato. No fim ficam todos felizes com esta autêntica invasão da privacidade, e convencidos que da próxima vez que sairem à rua são imediatamente reconhecidos. É a magia do pequeno ecrã,
Não sei quem foi presunçoso ao ponto de acreditar que isto daria um programa interessante. Não há nada mais deselegante do que andar a espreitar a vida dos outros, e em termos de valor cultural, informative ou recreativo isto resulta num rotundo fracasso. É mais interessante passar a tarde a olhar para a câmara do elevador, a ver quem sobe e desce. Mas não faltarão candidatos que queiram dar a conhecer a sua família, o que fazem, onde trabalham, e enfim, no fundo até são gente que se acha interessante que não teve acesso aos mesmos canais da gente que é realmente interessante. E que giros são eles quando se sentam à mesa do jantar. “Passa o vinho!”. Ora aí está…
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