terça-feira, 23 de julho de 2013

Nome? Leocardo. Idade? 38. Sexo? Sim, obrigado!


Sexo. E pronto, comecei um texto com a palavra “sexo”, o que não é para qualquer um. A vantagem de ser maior e vacinado e administrador de um blogue que ainda é lido por meia dúzia de gente com tempo livre a mais é poder falar de “sexo” sem levar com a moca. Atrevesse-me eu a falar de sexo numa composição do secundário e era no mínimo suspenso, ainda que me esmerasse em fazer uma abordagem séria ao tema. Agora tenho campo aberto para falar de sexo, pénis, vaginas e o que me der na gana, e ainda me posso dar ao luxo de mandar os puritanos irem mamar na quinta. Os que sabem o que “mamar na quinta” quer dizer, estão não só bem informados como ainda dominam a terminologia técnica da mais natural e saudável função do corpo humano, sem os constrangimentos da moral, do respeito e da tradição. São dos meus.

A palavra sexo é por natureza agressiva. Quatro letras, duas delas vogais, e com a presença do misterioso “x”, uma das letras que ocupa menos páginas no dicionário. A presença de um “x” numa palavra deixa os sentidos de alerta. O “x” marca o local, o “x” é o número da equação que procuramos decifrar, e é com o “x” que votamos e decidimos os destinos de um país (bem, ou mais ou menos isso). É através do Raio-X que nos conhecemos por dentro (literalmente), e já que estamos a falar de sexo, é nos filmes XXX que encontramos a mais desinibida e debochada javardice e pouca-vergonha, a pornografia. “Pornografia” não leva “x”, e é pena. Devia chamar-se “Pornografixa”.

Sexo não é um palavrão feio mas podia muito bem ser. Uma criança com menos de 10 anos que pronuncie a palavra na presença de um pai ou professor candidata-se a um raspanete, e no limite ainda leva com o rótulo de “problemática”, contribuindo para que psicólogos, pedopsiquiatras e assistentes sociais tenham pão na mesa. Somos ensinados desde novos que o sexo “é uma coisa suja”. Quando tomamos plena consciência de que afinal nos mentiram, sentimo-nos enganados, e em sinal de protesto procuramos praticar o sexo o maior número possível de vezes, e de preferência com muitos parceiros, só para ter a certeza que nos fazemos entender. Nada como deixar as coisas preto no branco, para que não restem dúvidas.

Nas sociedades mais conservadoras, na qual se inclui a nossa, termos como “erecção”, “orgasmo”, “ejaculação” ou “climax” são ainda tabu, mesmo que para qualquer criatura normal e funcional sugerem uma ou duas horas bem passadas. São palavras que não se ouvem no dia-a-dia, e ficam remetidas para as consultas médicas em casos de disfunção erectil ou frigidez, ou muito timidamente nas aulas de Biologia. Na TV enquadram-se em rubricas de sexologia que passam depois da meia-noite, e no evento de um jornalista precisar de pronunciar uma delas durante o Telejornal, não o faz sem sentir pelo menos algum desconforto. Mas porque carga de água? Todos gostamos de orgasmos, e pobres dos que no conseguem produzir uma erecção ou ejacular em condições. São aleijados, coitadinhos.

O evento da civilização trouxe-nos um sem número de benefícios, sem dúvida. O facto de não vivermos mais em cavernas cobertos de peles ensanguentadas, podermos usufruír de comodidades como água potável, saneamento ou electricidade são algumas das vantagens do progresso e da vontade do ser humano em tornar a sua vida melhor, digna de ser vivida. Por outro lado foi complicado encontrar um consenso no que diz respeito aos valores, à necessidade de estabelecer o que se entende por correcto e o que se entende por marginal. Foi bem pensado condenar acções que agridam outro ser humano, como o roubo, o homicídio ou a violência física e até verbal. No particular dos comportamentos primários, é de salutar a ilicitude da violação, do incesto ou da pederastia (ou pedofilia, como é hoje conhecida). Contudo tenho a certeza que os nossos antepassados hominídeos eram muito mais felizes sem as imposições de ordem moral que transformaram a percepção de “acto sexual”, que nos tempos do Paleolítico era praticado com a mesma naturalidade com que se bebe um copo de água. O que quer isto dizer? Que defendo a promiscuidade e a selvajaria? Nada disso. Já lá vamos.

Aceito – mesmo com reservas – a componente de “propriedade privada” que implica o casamento. É difícil imaginar um mundo onde a concretização do desejo comum de exclusividade quanto ao uso do equipamento genético do parceiro fosse negada, mesmo que a perspectiva de comer o mesmo prato até ao fim da vida seja algo assustadora. Casa quem quer, e se por acaso se arrependeu e quer partilhar a genitália com terceiros, quartos ou quintos, pode sempre optar pelo divórcio, uma modalidade criada para desatar o nó do matrimónio. Mas casamentos à parte, e gozando da plenitude do celibato, quem foi que se lembrou de colocar obstáculos à alternância de parceiros sexuais no número e na forma que muito bem entendermos? Onde estão escritas as regras da sexualidade, ou estabeleceu limites quanto a quem vai para a cama com quem?

Mais uma vez, e isto já parece um disco riscado, a culpa é da Igreja. Ou pelo menos grande parte da culpa. Atendamos aos nomes feios com que a Igreja se lembrou de decorar a actividade sexual, e estragar-nos a festa: “deboche” e “luxúria” para designar as manifestações naturais do libido, “sodomia “ para o sexo anal, e “onanismo” para a masturbação, inspirados numa cidade e num personagem bíblicos, respectivamente, que ainda por cima carecem de confirmação quanto à sua existência, e “fornicação” para o sexo praticado fora da santidade do casamento. Em pleno século XXI, um casal de namorados que tenha relações sexuais está a “fornicar”. É caso para responder: vão vocês! Não tivesse o próprio clero que tanto se orgulha do celibato dos seus sacerdotes um historial de deboche, luxúria, fornicação e etcetera e tudo isto faria algum sentido. Era estúpido na mesma, mas pelo menos livre da casca grossa da hipocrisia. Já o Direito, essa ciência mais séria, atribui aos actos carnais designações igualmente pesadotas, mas que se redimem pelo seu carácter regulatório. Palavras como “coito” ou “cópula” soam melhor quando ditas em tribunal do que simplesmente “foda”, que no fundo é o que querem realmente dizer.

A prática sexual sem compromisso com parceiros múltiplos recorrendo ao maior número possível de expedientes para maximizar o prazer passou a ser conhecido por “libertinagem”. Cortesia dos clássicos, com o Marquês de Sade como seu expoente máximo. Não compreendo porque se atribui à libertinagem uma conotação negativa, ou porque tanta gente demoniza o marquês, um mero “bon-vivant” francês que estava muito longe de ser um louco pervertido possuído por Satanás. Quem, no uso pleno das suas faculdades mentais, não pensa em sexo todos os dias? Mesmo os mais reprimidos que caíram na cantilena do “sexo é pecaso”, pobres diabos, que se vão lentamente afundando nas areias movediças da demência. Não é preciso que um homem deite a língua de fora e uive quando passa uma mulher atraente, ou que uma mulher estimule o clitoris em público quando passa um homem que a agrade, mas das poucas certezas que ainda vamos tendo, uma delas é que o sexo está sempre na mente de todos, sejam eles prefixados de hetero, homo ou bi.

Claro que o sexo não é tudo na vida, e mal de nós que fosse. É preciso encontrar um equilíbrio que evite uma indesejável tara que nos deixe à margem da sociedade. A liberdade de escolha de quantos parceiros e quais é algo que apenas a nós diz respeito, mas convém cumprir os preceitos próprios da vida em sociedade. Um homem e uma mulher – ou dois homens, ou duas mulheres, o que quiserem, desde que exista consentimento de ambos – que se sintam irresistivelmente atraídos um pelo outro não podem simplesmente tirar a roupa toda e satisfazer o desejo na esquina mais próxima.
É anti-social. Mas se realmente existe esta atração mútua, mesmo que o interesse seja apenas físico, o que os impede de a consumar com a maior brevidade possível, sem precisar do consentimento de ninguém ou preocuparem-se com o que os outros pensam?

O sexo tem um poder quase magnético que se manifesta em quase todas as actividades humanas, mesmo que de forma inconsciente. Existe uma relação íntima entre a ambição e o sexo. Quem se esforça por estudar, conseguir um bom emprego, ganhar mais dinheiro, comprar uma casa maior e um carro melhor, investindo na aparência habilita-se a mais e melhor sexo do que um pobretanas que mal tem onde cair morto, reduzido a partilhar a sua miséria com outra pobretanas que conheceu na fossa céptica que ambos frequentam. Pode parecer um disparate estabelecer um paralelo entre uma vida melhor e a tesão, mas pensar assim é negar as evidências. Porque é que os homens usam perfume quando têm um encontro? Que relevância tem o vestuário ou o penteado, se no subconsciente não estiver a esperança, mesmo que ténue, de acabar a noite na pouca-vergonha com a menina? De que vale estar rodeado de luxos sem que estes sejam complementados com a realização sexual? Está cientificamente comprovada a eficácia de uma vivenda com piscina e um Lamborghini na garagem no engate de modelos de biquini, actrizes principiantes e outras bimbas. E nem é preciso ser atraente, interessante ou ter bom hálito. Olhem para o exemplo do Jean Todt. Caso encerrado.

Em Macau os adeptos de um bom chavascal e restantes apreciadores dos prazeres carnais sofrem com o puritanismo e a hipocrisia vigentes. A mentalidade local está ainda presa às cordas da moralidade e da noção de que uma relação sexual é um caça ao tesouro através de rios infestados de crocodilos e savanas habitadas por leões famintos. Impera o pensamento retrógrado e medieval de que o prazer sexual é um privilégio dos homens e as mulheres as vítimas da procura desse prazer. Por vezes isto leva o "sexo fraco" a adoptar uma estratégia de auto-defesa, inibindo-se de se entregar, mesmo que por vontade própria, sem que o "invasor" lhe garanta contrapartidas. E assim nasceram as promessas de alcofa, o "pillow talk". Como se os homens não fossem já mentirosos quanto baste para que sejam obrigados a esta astúcia mais conhecida por "canção do bandido". E não fossem já as mulheres tão ingénuas que ainda por cima caem na esparrela. Um homem que durma com muitas mulheres é elevado ao estatuto de “mestre”, enquanto uma mulher que tenha mais que um parceiro é leviana e fácil. Se exigir que o seu parceiro a satisfaça da mesma forma que ela o satisfaz, é tida como devassa ou ninfomaníaca, e muitas vezes a melhor opção é ficar a olhar para o tecto enquanto geme num ritmo cadenciado, para que a virilidade do macho não fique beliscada. A virgindade é vista como um património em vez de uma simples membrana, e a pressão exercida sobre as jovens para que casem com o primeiro homem que as leve para a cama leva a que se tornem demasiado defensivas, ou encarem com desespero o fim de um relação.

Posto isto, o que tem o sexo de tão complicado ao ponto de necessitar que se cumpram tantos preceitos, em vez de mergulhar de cabeça no poço dos desejos? Que diferença faz que fulano ou sicrana tenham muita ou pouca tesão, prefiram outra posição que não a de missionário, a única que “não ofende”, ou que tenham um fetiche? A única implicação do sexo na personalidade, no desempenho profesional, no estado de espírito ou no equilíbrio emocional é só uma: a frequência com que se faz e a satsifação que se obtem dele. Se o problema é com o “equipamento”, não há que ter vergonha em procurar ajuda. Da mesma forma que se leva o automóvel ao mecânico quando não pega ou tem folgas na embraiagem, é fundamental tratar da mecânica do sexo, se esta nos impede de realizar os nossos desejos e fantasias mais deliciosas. Assim como quando vamos buscar o carro depois do conserto, o que nos interessa é que no fim seja possível dar as nossas voltinhas. Mais sexo e menos preconceito, mais sedução e menos inibição. E depois vão ver que após consomado o pecado original, dormimos mais descansados, sonhando com a próxima aventura dos sentidos. E quem disse que a culpa é nossa por pensarmos tanto no sexo, ao ponto de precisar de aturar tanta coisa? Somos mesmo assim. É defeito de fabrico.

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