terça-feira, 16 de julho de 2013

Academia de enganos


A marcha dos desalinhados

A Polícia de Segurança Pública (PSP) de Macau atravessa o período mais conturbado desde a criação da RAEM em 1999, com uma sucessão de gaffes atrás de gaffes que começam a fragilizar a credibilidade da corporação. Quando penso em trapalhadas de farda azul, recordo-me dos filmes da série “Academia de Polícia”, que divertia a malta nas matinés de Domingo. Só que enquanto as tropelias dos divertidos cadetes dos filmes provocavam risadas, os equívocos dos últimos meses por parte da PSP local provocam apreensão por parte da população. Como vão os responsáveis cumprir com eficácia a função de manter a ordem pública quando eles próprios transmitem a ideia de desordem a nível interno? Perante a vaga de críticas que chegam de todos os quadrantes, a estratégia utilizada parece ser a mesma de sempre: o silêncio, na esperança de que a opinião pública se canse do assunto e mude de tema. Parece que desta vez esta táctica outrora bem sucedida não produzirá resultados.

A “crise”, se assim lhe podemos chamar, teve início nas manifestações do último 1 de Maio, quando os agentes destacados para acompanhar o desfile do Dia do Trabalhador foram acusados de abuso da autoridade e uso desnecessário da força por um grupo de manifestantes que se manifestavam pacificamente. Já antes disso a PSP havia detido Jason Chao e Lee Kin Yuen na Torre de Macau, quando tentavam entregar um manifesto a um alto-cargo do PC chinês. Um exemplo de uso de força desnecessário que terá embaraçado o próprio visitante de Pequim. Recuando alguns anos, até 2007, outro 1 de Maio ficou marcado pelos cinco disparos para o ar por parte de um agente na Av. Tamagnini Barbosa, um acto tresloucado que foi então considerado pelas autoridades como “justificado”. Isto apesar do agente em questão ter desaparecido e nunca mais visto. Se agiu em conformidade com as circunstâncias, deveria ter sido promovido, ou pelo menos condecorado. Em vez disso tornou-se numa espécie de versão macaense do homem que enfrentou os tanques durante o massacre de Tiananmen em 1989, só que em vez das intenções pacifistas do anónimo que tentou impeder a marcha das máquinas de guerra, este fez lembrar os “cowboys” do faroeste Americano.

Tinha sido o primeiro golpe da parte dos “contra”, que viriam a somar mais vitórias. Depois de 1 de Maio seguiu-se um período de acalmia, mas começava-se a notar alguma insatisfação generalizada, e rumores que algo ia mal por ali na PSP Macau. E aí entrou o “factor Florinda Chan”, com a sra. Secretária a servir de “carrasco” sem nunca ter mexido um dedo, mas o problema era nas ruas, na luta, no povo camaradas. Um grupo pedindo a demissão da secretária composto pelos suspeitos do costume (Novo Macau, Lee Kin Yuen) resolveu manifestar-se, e durante uma marcha de protesto entraram em confronto com as autoridades. Jason Chao e a sua banda pretendiam subir à Penha, e a polícia impediu, temendo pela segurança da secretária, que vivia nas redondezas. Jason Chao queixou-se que o director da PSP alegou que a Penha “era reservada a turistas”, o que deixou mal vista à polícia. Podiam ter resolvido respondendo que “eu sei lá se vocês vão à Penha incomodar a senhora, e atirar-lhe pedras às janelas”. Eu ficaria convencido. Mas ficaram por mais um dos seus estranhos “silêncios”, deixando que o vento leve as vozes.

O pior foi o que aconteceu alguns dias depois, com um pobre residente da zona da Penha a resolver ir queimar papéis num cesto no passeio, aproveitando o ar livre na vizinhança dispersa. O problema é que a PSP viu, deteve o pobre indivíduo e chamou os bombeiros. Os soldados da paz quando lá chegaram temendo um Inferno, encontrou um cesto de cinzas. Especulou-se de imediato que isto seria uma conspiração contra Florinda Chan, dando a entender que a pobre secretária estava sitiada na sua casa na Penha, protegida por uma Fortaleza. Certamente que não seria boa ideia queimar correspondência e outros documentos pessoais na sala da casa, ou na casa-de-banho. Foi uma trapalhada, mesmo que discreta, mas ainda vamos na metade do cortejo. Mal refeitos de tudo isto, acontece a situação mais rocambolesca da lista. Um oficial da PSP é fotografado aparentemente alcoolizado a administrar disciplina física a um grupo de agentes num estacionamento, o que mereceu a risada geral da população mais informada. A PSP deu uma justificação muito “zen”, muito difícil de aceitar, e ainda acrescentou que as faces avermelhadas do oficial são resultado da sua feição rosácea. É apenas um rapaz coradinho. Foi uma situação que deixou a PSP meio envergonhada, pois deu uma demonstração de fraqueza e teve efeitos no respeito com que a população civil olha para os agentes. Foi como uma anedota de cabaré da coxa.

E foi aí que o grupo exigindo a demissão etc. etc. resolveu reagrupar-se, e pedir autorização para um protesto pacífico na Penha. O director-geral da PSP disse logo que não, que “iam por lá muitos autocarros de Turismo por subidas íngremes e estreitas”, ou ainda que “fica ali o Palácio de Santa Sancha, onde vão altos dignatários estrangeiros”. Jason Chao mandou o caso para o TUI, que lhe deu razão, deixando a PSP a braços com outra calinada. Os 30 anti-Florinda foram a Penha a mostrar que se portavam bem, quais anjinhos. Nem precisariam de fazer barulho, pois a vitória no tribunal já era mais que suficiente. As razões que a PSP apresentou são risíveis. O que iam fazer os manifestantes a Santa Sancha? Podiam soprar muito e estalhar-lhe a tinta? Eu teria sido sincero, e alegado que o grupo estava a fazer chincana politica organizando protestos junto de zonas residenciais privadas onde moram os seus alvos. Quer dizer, pelo menos isto colheria algum apoio da o.p., em vez da treta do turismo e sei lá o quê. Mas isto não é um problema de agora, mas no passado algumas acções menos ortodoxas tinham merecido reconhecimento oficial. Ninguém se incomodou muito com a proibição de visitantes de Hong Kong considerados “incómodos” de visitar a RAEM, interpretando muito livremente a Lei de Segurança Interna. Todos aceitam que não se possa desfilar pela Av. Almeida Ribeiro, se bem que as razões foram tão pífias como as restantes. A PSP está a comportar-se exactamente como sempre, e se agora está qualquer coisa mal, que tal mandar as novas directivas? Digam lá aos srs. polícias o “do’s and dont's”, ou dêm-lhes um manual de instruções. Assim é que não dá.

Já este Domingo o forum semanal da TDM organizou um debate sobre a actuação das forças policiais, marcada pela ausência da PSP. Creio que a corporação dispõe de uma secção de relações públicas ou qualquer coisa que responda a perguntas e argumente as críticas e explique os mal-entendidos? Mas acharam melhor não ir, porque tinham “muito trabalho”. Realmente deviam estar muito ocupados, para deixar um grupo de tipos a chamá-los de incapazes e de bêbados, sem se incomodar a dar resposta e defender o seu bom nome. Mas nem isso. E nunca mais o vento leva o raio das vozes.

E com isto quem tem ficado mal na fotografia é Lei Sio Peng, o tal director da dita corporação. É um pouco injusto que alguém que está ali há alguns anos sem que antes ninguém se queixasse seja agora “queimado”, por não conseguir responder às “mudanças” do tecido social e aos novos desafios. E de facto anda por aí muito turbulência ao nível da política, com muitas renovações no horizonte. Os protestos são apenas consequência das perguntas que ficam por responder, e as soluções para alguns dos problemas da população, que tardam em chegar. Se os grupos pró-democracia locais, os tribunais, e mesmo alguma imprensa pró-sistema andam de costas voltadas à PSP, é porque precisam mudar qualquer coisa. O problema é que a população quer saber se pode ou não contar com eles. Quer dizer, isto vai continuar assim suave e vai-se poder na rua sossegado, não? Apesar dos problemas continua tudo a ser “business as usual”, não? Vamos todos esperar que sim.

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