sexta-feira, 19 de julho de 2013

O caldeirão transborda


A questão racial está novamente na ordem do dia na América, com manifestações em todo o país após o veredicto que absolveu George Zimmerman da acusação de homicídio em 2º grau de um jovem negro de 17 anos o ano passado. Zimmerman, um vigilante membro de um grupo encarregado de proteger a sua vizinhança – algo muito comum nos EUA – disparou sobre o jovem Trayvon Martin, que usava na altura do incidente um capuz sobre a cabeça, que não permitia visualizar o seu rosto. Como é habitual, surgiram de imediato acusações de racismo, e que a cor da pele da vítima teria sido uma das razões pela qual o réu não hesitou em disparar. Martin estava desarmado, se bem que uma das versões descreve um comportamento agressivo da sua parte no momento em que foi abordado pelo vigilante. O júri demorou 16 horas a decidir pela absolvição de Zimmerman de todas as acusações baseando-se no direito à legítima defesa, uma decisão que provocou a revolta de afro-americanos e não só. O próprio presidente Barack Obama diz ter ficado “desiludido” com o desfecho do julgamento.

Os Estados Unidos, referenciados como o berço dos mais elementares valores da liberdade e igualdade, o supra-sumo da democracia, é o país mais racista da face da Terra. É, foi e provavelmente será durante muito mais tempo. Os fundadores daquela que consideraram a maior nação da História esqueceram-se de garantir que “igualdade e justiça para todos” queria dizer para todos, mesmo, e não apenas para os brancos e cristãos. Os dois maiores grupos étnicos, os caucasianos e afro-americanos (designação politicamente correcta para brancos e negros) nunca se chegaram a entender realmente. Com a abolição da escravatura, os broncos começaram a temer a emancipação dos ex-escravos, e garantiram que estes demorariam a atingir a plenitude dos direitos civis que eles próprios sempre disfrutaram. Os segundos mantêm ainda nos dias de hoje um ressentimento e um complexo de inferioridade que os leva a vitimizarem-se e reclamar direitos que lhes foram negados durante séculos, mesmo que à custa de comportamentos à margem do cumprimento das leis que nos dias de hoje são aplicadas a todos os cidadãos nacionais, independente da sua cor ou credo.

É impossível não estabelecer um paralelo entre o caso de Trayvon Martin e os incidentes que em 1991 levaram à “batalha de Los Angeles”, quando Rodney King, um afro-americano, foi brutalmente agredido por quatro agentes da autoridade, levando ao primeiro grande incidente racial no país desde o fim da segregação. Na altura pouca importância teve que King fosse um marginal, e que na altura da detenção e consequente agressão estivesse sobre a influência de substâncias psicotrópicas. Era negro, os polícias eram broncos, e só isso bastou para que se agitassem as hostes da eterna luta das peças brancas contra as peças pretas desse grande tabuleiro do xadrez que é a América. Dois anos depois o julgamento do ex-atleta e actor O.J. Simpson, acusado do homicídio da sua mulher e do amante desta apaixonou os media, com o veredicto que decretou a sua inocência a deixar sérias dúvidas quanto às verdadeiras motivações que levaram a ilibá-lo do crime. Poucos acreditam hoje que O.J. era realmente inocente, e a teoria de que se tratou de uma decisão racialmente motivada é aceite pela generalidade.

Não existem vítimas neste conflito racial que, por muito que se acene com os ideiais de democracia e do sonho Americano, é uma realidade indesmentível. O que existe são responsabilidades pelo facto dos americanos não conseguirem atinar com a questão étnica, dando demonstrações constantes de sectarismo e diferenciação com base na cor da pele, religião e nacionalidade. Quando é altura de apurar responsabilidades ou procurar os culpados de problemas como o crime, a violência, o desemprego ou a crise, não falta quem aponte o dedo a um ou mais grupos étnicos, aos imigrantes e aos estrangeiros E de quem é a culpa, mesmo? É de todos. Não considero o racismo ou os comportamentos racistas exclusive de um só grupo étnico, e no caso da América isto é ainda mais evidente.

A questão rácica está presente em quase todos os aspectos da sociedade Americana, e o cuidado em manter as aparências e o politicamente correcto chega a ser mesmo contra-producente. Existem grandes e medias empresas que se vêem quase obrigadas a cumprir critérios de recrutamento etnicamente diversificados, deixando para segundo plano outros como a competância e o perfil ideal para o cargo. A contratação obedece a uma espécie de princípio baseado na famosa publicidade da “United Colors of Benetton”. Nas operações situadas em bairros “étnicos”, as autoridades nunca se esquecem de incluir um ou mais agentes “não brancos”, para afastar eventuais acusações de brutalidade selectiva dirigida a minorias. Há alguns anos na cerimónia dos óscares não foi nomeado um único actor ou actriz afro-americanos, e a onda de protestos obrigou a Academia a “improvisar”, recorrendo a Will Smith para apresentar à última da hora um dos galardões, enquanto aproveitava para colocar alguma água na fervura.

Se há americanos brancos racistas, não faltam americanos negros igualmente racistas, e pouco importa quem é a vítima: é racismo na mesma. Há agências imobiliárias que são pressionadas por grupos de residentes de algumas vizinhanças mais abastadas para que não vendam casas naquela área a negros, hispânicos ou asiáticos – a não ser que se tratem de alguma celebridade, o que nesse caso é benéfico para o valor da propriedade. Se um grupo de brancos canta temas que tenham ou a que possa ser dada uma conotação racista ou xenófoba, são de imediato associados à extrema-direita ou ao Ku-klux-klan. Se forem negros a fazê-lo chama-se “hip hop”, e ironicamente há brancos que vão a correr comprar os discos. O tal Eminem, considerado o melhor “rapper” da actualidade apesar da evidência de ser branco, deve acordar com este dilema todos os dias. A escrita das letras das suas canções devem ser um processo criativo muito elaborado, sempre com receio de cair em contradição. Se um branco mata um negro, só pode ser intepretado como um acto racista, mas quando se dá o oposto não falta quem aponte o dedo “à sociedade”, que discrimina as minorias e as leva a enverdrar pelo crime. Quem sabe se os negros que cometem um crime na América foram procurar emprego numa empresa que nunca ouviu falar dos critérios de empregabilidade do “politicamente correcto”?

Se os negros e outras minorias étnicas passaram e passam por processos de emancipação, depois de anos de segregação, não é muito construtivo que depois se auto-segreguem, como tantas vezes acontece. Nos bairros nova-iorquinos de Queens ou Haarlem, onde reside uma maioria de afro-americanos, existem restaurantes, barbeiros, igrejas e outros serviços exclusivamente para negros. Não que tenham sido para ali relegados, ao estilo do “apartheid” sul-africano, mas optaram por este tipo de organização, simplesmente, e escusado será dizer que estes locais não são recomendáveis a não-negros. Nas prisões é o que sabe, com cada grupo étnico para o seu lado, e mesmo dentro dos broncos existe uma diferenciação. Americanos de origem italiana, polaca, eslava ou russa não vêm com muito bons olhos a intromissão dos restantes na sua interpretação do “sonho-americano”. Os russos especialmente sentem-se como peixes na água, pois na América é-lhes permitido ser “mais russo” que na própria Rússia.

Todos reconhecemos na América e tudo o que ela significa valores que nos são queridos, como a liberdade e a justiça, de que foram pioneiros. Valores que levaram a que gentes dos quatro cantos do planeta procurassem essa terra prometida, esse mundo novo de oportunidades. O problema é encontrar a fórmula eficaz e definitiva de conviverem uns com os outros sem atropelos.

Este “melting pot”, que em português se pode traduzir para “caldeirão”, serve uma sopa que não sei se gostaria de comer. Na evantualidade de se repetir o julgamento de George Zimmerman é o próprio estado de direito que está em causa. Pode abrir-se um precedente perigoso, que levará a que as decisões judiciais obedeçam a critérios tão subjectivos como a aprovação popular, o mediatismo ou o impacto que poderá ter junto das minorias. Nenhum jurista que se preze pode aceitar que uma decisão judicial seja colocada em causa com base na motivação étnica, que nunca ficou provada. E só mais uma coisinha, ó senhores americanos: o que importa a cor do criminoso e da vítima? Deixem-se de merdas.

1 comentário:

Anónimo disse...

broncos ??? podia ser engano mas é repetido ! estamos perante um racista anti-branco disfarçado de não-racista ?