sexta-feira, 27 de junho de 2014

O annus horribilis



É tempo de ir de férias e dar fora de Macau durante uns tempos para espairecer. Não sei qual vai ser a minha disponibilidade para actualizar o blogue, mas sempre que puder mando uma linha ou duas. Não vão chegar a ter saudades minhas, pois daqui e menos de uma semana estou por cá outra vez (e depois vou outra vez embora, eh, eh). Entre um pé cá e outro lá, deixo-vos com o artigo de ontem do Hoje Macau. Até breve!

Pode-se considerar 2014 o “annus horribilis” deste III Executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), e para o responsável máximo, Chui Sai On. Tivemos o “chumbo” da população à Lei do Regime de Garantias dos titulares dos principais cargos, as manifestações mais concorridas dos quinze anos de história da RAEM, a postura “gaffeuse” dos elementos mais próximos do Governo, e para piorar as coisas nem a saúde ajuda, depois do próprio Chui ter sido acometido de uma crise de gota, e a panda-gigante Sam Sam falecido de insuficiência renal aguda – e tudo isto em ano de eleições para Chefe do Executivo. É caso para se dizer que se para descer todos os santos ajudam, esta tem sido uma queda feita aos trambolhões. Chui Sai On anda a precisar de ir à bruxa, ou adaptando esta expressão à realidade local, ao mestre do “fong-soi”.
Como se não bastassem todos estes rombos no casco da nau da harmonia, eis que apanha pela frente mais um rochedo: a censura académica, que levou a que um professor da Universidade de Macau fosse suspenso alegadamente pelo sua participação em activismo político, e o despedimento de outro docente, este da Universidade de S. José, devido às suas intervenções políticas. Este é um Adamastor difícil de contornar para Chui Sai On, pois no lançamento desta “crise” o próprio garantiu que a liberdade de expressão no território “está bem e recomenda-se”, mas se as próprias instituições de ensino superior, que formam os quadros da RAEM de amanhã, mandam uma mensagem no sentido contrário; é caso para dizer que a opinião é livre, pois, mas “não se recomenda”. A ideia com que se fica é que sim senhor, escrevam e digam o que entenderem, mas fora da nossa folha de pagamentos. Fica difícil pensar com as contas por pagar e a barriga a dar horas.

Pode-se dizer que 2014 é o somatório de todos os erros. A especulação imobiliária, a inflação, a deterioração da qualidade de vida (qual qualidade de vida?), o adiamento “ad eternum” das infra-estruturas de que Macau necessita, nomeadamente um novo hospital público, a forma falaciosa como se interpreta a lei, ora de forma rígida e inflexível, ora através de interpretações livres e difusas, conforme o freguês, a dependência assustadora do sector do jogo na economia, e consequentemente da generosidade de Pequim e da sua política de vistos individuais, parece que tudo isto somado dá 2014. A população cansou-se de tanta indiferença, de tanta inércia, de tanta corporacracia e clientelismo desavergonhados. O tal diploma do Regime de Garantias foi a gota de água. Isto foi como querer passar clandestinamente com o Buda de Leshan na alfândega do aeroporto sem que ninguém desse por nada. Por acaso terá o Executivo confundido a tolerância e a paciência da população com indiferença e cobardia?
A nomenclatura não soube reagir à crise. Pensou que bastava bater o pé e lembrar aos contestatários de que “estamos na China”, portanto “cuidadinho ou levam no focinho”. Só que estes já não vão na conversa – medo do quê, se o próprio primeiro sistema torce o nariz à forma como em Macau se realiza o segundo? Chui Sai On começa a ficar sem coelhos para tirar do chapéu. De que vale o paleativo cheque uma vez por ano se depois tudo aumenta, e ainda por cima a inflação atinge o pique exactamente na altura da distribuição dessa migalha do bolo? Do que valem as seis mil patacas para a formação contínua, se toda a gente que usa este subsídio para tirar a carta de condução? Eu ainda não usei a minha parte, mas já repararam na publicidade que passa na TDM sobre a segunda fase deste plano? A mãezinha aprende culinária, o avôzinho aprende caligrafia chinesa, a filhota, que supostamente é menos submissiva que a mãe, aprende a filmar, e quem sabe um dia se torna numa espécie de Sofia Coppola. Quando vos calais, autocratas duma figa? Ninguém compra esta banha da cobra.
Não queremos para Macau um Governo musculado, não desejamos o primado da lei acima das liberdades e garantias, não nos convém um regime disciplinador que meta toda a gente na linha. O que queremos é gente competente, que nos sirva e não se sirva ela primeiro e se esqueça do resto. Gostamos muito do primado do segundo sistema, adoramo-lo e queremos que se mantenha, mas andam por aí muitas patas metidas na poça a sujá-lo de lama. É a altura para esta avestruz tirar a cabeça da areia e olhar à sua volta. Se for para acabar com isto e irmos todos ao fundo, lembrem-se: podem contar com muitos náufragos agarrados ao salva-vidas.

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