E se em Yulin os cães fazem parte da ementa, em Macau realizou-se esta tarde uma manifestação a favor dos seus direitos. Dos "seus", quer dizer, dos cães, entenda-se, e dos restantes animais de estimação. A iniciativa partiu do Novo Macau Democrático (NMD), em conjunto com a Consciência Macau, e contou com a participação do deputado José Pereira Coutinho, que juntamentamente com os seus colegas do NMD, tem sido uma das poucas vozes a favor de uma legislação que proteja os animais da maldade dos humanos - e se estes são o que são uns com os outros, imaginem o que sofrem os indefesos bichos nas suas mãos. O local foi, como já é hábito, a praça do Tap Seac, e a manifestação contou com centenas de participantes. Mesmo não sendo uma acção contra o desempenho do Executivo, o número de aderentes é considerado significativo. Pereira Coutinho já apresentou um projecto de lei no sentido de proteger os animais de maus tratos, mas este foi rejeitado (duas vezes), e alguma da argumentação que serviu de base a esta rejeição teve contornos surrelistas, como podem recordar
neste artigo de Fevereiro último que assinei nas páginas do Hoje Macau.
No ano em que passamos pela "primavera macaense" e o "summer of love" em termos de manifestações aqui no território, esta é uma que se podia perfeitamente evitar. O Governo já adiantou que vai produzir legislação neste sentido, e sabendo o que a casa gasta será certamente aprovada, mas a iniciativa peca por tardia. É difícil entender porque se hesita tanto em dotar Macau de uma lei comum a todos os países civilizados. Quem não nos conheça ou nunca tenha cá posto os pés, ainda vai pensar que praticamos tortura em animais como desporto. Além do mais é descabido que não o exista uma legislação deste tipo em Macau. Com excepção daquele "bico-de-obra" que tem sido a questão dos galgos de corrida no Canídromo, a população tem condescendência com os animais - isto é, se aceitarmos a questão do "frangocídio" a que se assiste nos mercados, bem como a decapitação das rãs, como um "aspecto cultural". Mas a verdade é que há sempre um ou outro palerma que descarrega as frustrações nos inocentes, mas para que mais são as leis com carácter preventivo ou punitivo senão para os palermas e para os teimosos que só aprendem quando "levam nas orelhas"?
Com a já referida (nada) honrosa excepção dos galgos de corrida, não se entende a hesitação da Assembleia Legislativa em produzir uma lei, uma leizinha que seja para garantir aos animais irracionais protecção da irracionalidade dos animais racionais. O que é o pior que pode acontecer? Ir um cão à esquadra com um olho roxo alegar que o dono lhe bateu, quando isso não é bem verdade? O dono de um gato não ter o direito de o esfolar vivo depois dele o arranhar após tentar roubar-lhe um carapau? Privar um apostador que acabou de perder uma fortuna no casino do direito de pontapear o primeiro quadrúpede que encontrar pela frente? Eu próprio entendo a indignação de quem protesta, pois assim dá a entender que eu gosto de torturar a vaca só para dar um sabor mais agreste ao bife. Se me perguntassem se preferia esta lei ou outra que regulasse os preços da habitação e acabasse de vez com a especulação escolhia esta última, lógico, mas isto não é um concurso televisivo, e sinceramente fica-se sem entender a existência desta lacuna.
E falando de "indignados", certamente que na manifestação de hoje não terão faltado os radicais da causa, as madamas que dormem com os cães, dão-lhes beijinhos e levam-nos ao cabeleireiro e à "paticure" ao fim-de-semana, e choram baba e ranha cada vez que veêm um gato zarolho ou perneta. São estas pessoas que muitas vezes tiram credibilidade a esta luta; não aceito que se maltratem ou torturem os animais, mas também não aceitem que os tratem como pessoas. Por exemplo, enquanto houver gente a morrer por falta de cuidados médicos, não se entende que existam ambulâncias para animais. É fácil entender a que ponto pode chegar o ridículo, havendo a possibilidade de se requisitar essa ambulância porque a tartaruga se engasgou com um pintelho que alguém deixou na banheira. Isto para não falar de alguns vegatarianos, vegans e afins do tipo fascizóide, que impõem algo que devia ser uma opção, e gostam de chamar a atenção realizando funerais a casacos de vison e sapatos de camurça. E a hipocrisia de quem não come carne de vaca e quase arranca os cabelos quando ouve falar de touradas, mas usa produtos feitos de couro. Quer dizer, o exagero aqui impede que muito boa gente adira e esta luta - nem todos estão dispostos a fazer figuras tristes.
Penso que mais do que os direitos dos animais, o que é já de si um motivo perfeitamente legítimo, o que está aqui em causa é mexer um pouco com este Governo e pedir-lhe para que desça do pedestal e faça aquilo que lhe compete, que é, sei lá, governar? Se toda esta inércia se deve ao facto dos animais não votarem, isso nem chega a ser desculpa, pois as pessoas votam e isso não adiantado grande coisa. Ponham os olhos no deputado Pereira Coutinho, que esteve lá hoje, e por muito que se esforçe só consegue convencer alguns cucos e outras aves raras. Se o Executivo não gosta de ver fente nas ruas porque com isso passa uma má imagem para os "patrões" mandarins, então não anda a fazer o trabalho de casa. Que não se mexa quanto às uniões civis dos casais homossexuais ainda se compreende (nem convém, se a ideia é dar "graxa" a Pequim), que não se decida quanto à questão da violência doméstica é reprovável, e que não mova uma palha para resolver a inflação e o problema do imobiliário é exasperante, mas isto? Hoje são os cães e os gatos, amanhã as galinhas e os patos, depois as pulgas e os carrapatos - tudo vai servir para malhar no Governo. Olha quando se lembrarem de uma manifestação contra a CTM (e já fazia falta), contem comigo; eu vou estar lá na frente com uma forquilha e uma tocha em chamas.
1 comentário:
Realmente, a gente vê tanta maldade e tanta exploração dos animais pelo mundo que dá pena mesmo...
Abraços do Pedra do Sertão
www.pedradosertao.blogspot.com.br
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