A Associação da Nova Juventude de Macau apelou hoje aos jovens adeptos do futebol que evitem apostar nos jogos do mundial de futebol do Brasil, que tem início esta quinta-feira em S. Paulo, com a partida entre a equipa da casa e a Croácia. A Nova Juventude chama a atenção para os malefícios do jogo, mesmo tratando-se de apostas desportivas, algo que depende de um pouco mais que apenas "sorte", e pede aos jovens que vejam os jogos "apaixonadamente", sem pensar num eventual retorno financeiro. Por um lado isto é um conselho útil, sem dúvida, pois havendo campeonato do mundo de quatro em quatro anos, há centenas de jovens que engrossam a lista dos apostadores nas "slots" e afins, e no limite alguns acabam por ganhar o gosto à coisa, passam da bola para os casinos, apostam na roleta, no Bacará e no "big and small", e quando dão por eles estão a empenhar as jóias da avó e a violar a irmã. Perdão, a carteira da irmã, pois...Por outro lado torna-se pedir aos jovens que "curtam" o futebol como um mero espectáculo, especialmente atendendo ao facto dos jogos deste mundial se realizarem a horas proibitivas para quem trabalha: meia-noite, 3 ou 4 da madrugada e sete da matina. Não estando a China presente no torneio final - e mesmo que estivesse era a mesma coisa - não existe razão para vibrar com as vitórias de nações que não lhes dizem nada. É possível que alguns deles fiquem de pé a ver os jogos da Inglaterra, mesmo que não apostem, mas serão muito poucos. Os portugueses e os restantes lusófonos, com especial destaque para os brasileiros, que certamente não pregarão olho nos dias em que o Brasil joga, não entram para estas contas, aparentemente.
Já falei disto várias vezes (pelo menos duas ou três) aqui no blogue: para os chineses o futebol é antes de uma "paixão", um jogo, e como jogo há um que ganha e outro que perde, e quando isto acontece há apostas. E sem apostas, que importa quem ganha ou quem perde, se eles não ganham nem perdem? No início isto ainda me causava alguma estranheza, pois nos dias após os jogos em que o meu clube ou a selecção portuguesa ganhavam e eu expressava a minha satisfação por esse facto, a primeira coisa que os meus colegas chineses perguntavam era "se apostei". Caso a resposta fosse negativa (e era sempre, pois mesmo quando apostava nunca seria no meu clube ou em Portugal, pois isso implicava sempre o predomínio da paixão sobre a razão), ficavam espantados com a razão da minha alegria: "se eles ganharam mas tu não ganhaste nada, porque é que estás contente?". Aqui os chineses levam ao extremo o princípio dos americanos, que apostam para "tornar o jogo mais interessante" - para eles sem apostar, o jogo não tem interesse nenhum. Na China não existem adeptos de futebol. É possível que grandes clubes como o Guangzhou Evergrande ou o Shanghai Shenhua ou o Beijing Guoan, e outros que investem no futebol, tenham a mente a criação de umna base de fãs, de claques e todo o resto que existe no Ocidente e torna o futebol um desporto apaixonante e de massas, mas enquanto isso ainda não acontece, vão continuar a ter adeptos desses clubes a apostar contra o próprio. Em Macau e Hong Kong isto é multiplicado por mil: os chineses das RAE não acreditam sequer na honestidade dos jogadores do campeonato chinês.
A primeira vez que observei este fenómeno tão interessante foi no IRC, quando frequentava o canal #soccer, da Undernet, de que fui operador durante quase 13 anos, entre 1998 e 2011 (a sério, que foleirice, vendo bem). Na volta apareciam por lá alguns malaios que falavam dos jogos da Premier League inglesa sempre na perspectiva das apostas desportivas: "clube X vai ganhar? por quantas bolas?". Esta coisa das "bolas" custou-me a entender, e finalmente percebi que numa partida entre uma equipa mais forte e outra teoricamente muito mais fraca, a primeira "dava bola e meia", por exemplo, ou seja, para apostar na equipa mais forte e ter retorno, esta teria que vencer por dois ou mais golos de diferença. Aliás é fácil identificar quem são os culpados do futebol se ter corrompido: foram os ingleses. Basta ir a um desses "sites" de apostas do tipo Will Hill e perceber que este gajos apostam em tudo, desde os jogos da Premier League até às peladinhas entre os putos do pátio das traseiras, passando pelos carrinhos de choque e concursos de quem manda mais longe a escarreta. Não me surpreende portanto que na Ásia os "pioneiros" da corrupção desportiva sejam os campeonatos da Malásia e de Hong Kong, ambos ex-colónias britânicas. Felizmente há quem não pactue com este estado de coisas, e combata a corrupção desportiva, e aí vemos também onde reside o pecado: a maioria dos jogos "combinados" são normalmente de divisões secundárias do futebol inglês. Aparentemente an Premier League os jogadores são tão bem pagos que acham que não vale a pena arriscar. Este ano em Portugal tivemos também alguns "casos", com as suspeitas a recairem sobre três jogos da Liga de Honra, todos envolvendo a Oliveirense. Quando o bichinho da corrupção chega a um país onde existem malandrins que brincam aos dirigentes desportivos, pelo meio "esquecem-se" de pagar aos jogadores, o contágio é mais que provável.
Numa região como Macau onde as apostas desportivas geram receitas consideráveis - longe das que geram os casinos, mas mesmo assim consideráveis - é frustrante escutar conversas que apontam no sentido de clube X ou Y ter "vendido" o resultado devido a pressões das máfias que controlam esse negócio. Dá-se o caso do Barcelona empatar fora com o Getafe ou com o Levante, coisa perfeitamente normal, e levantam-se suspeitas escabrosas sobre a motivação que levou um clube claramente superior a "não querer ganhar". Isto não é apenas insultuoso para os atletas e adeptos do Getafe ou do Levante, como deixa também um sabor amargo na boca dos adeptos do futebol em geral, que querem acreditar que os resultados desportivos são o fruto do empenho dos jogadores dentro das quatro linhas, e que estes dão o seu melhor, e que o marcador no final do jogo expressa exactamente o produto do seu esforço. Vamos então esperar que neste mundial os resultados sejam exactamente isso, e que ganhe o melhor, e se os rapazolas que não quiserem apostar mas mesmo assim assistam aos jogos da mesma forma que se assiste a um filme ou um bailado, óptimo. Mas caso insistam em apostar e depois percam, evitem fazer comentários parvos do tipo: "o Brasil/Itália/Espanha/Japão perdeu
porque eu apostei neles. Olha que presunção tão interessante, essa. Para dizer este tipo de disparates, mais vale a pena ir dormir.
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