segunda-feira, 2 de junho de 2014

A caminho do Brasil: um barril de pólvora


O médio-oriente, ou mais correctamente o próximo-oriente é uma região do globo problemática, onde as querelas entre países não se resolvem apenas nos estádios de futebol, infelizmente. Os imperativos de ordem religiosa, cultural e outros deixam o desporto-rei para segundo plano, mas nos últimos mundiais não têm faltado selecções oriundas destes países onde tantas vezes as tensões sobem de tom, e paira a ameaça de guerra. Vamos olhar para estes países onde se está sentado num barril de pólvora.


Senol Gunes, o treinador do pódio turco.

A Turquia é um país onde durante muitas décadas o desporto mais popular foi a luta-livre...na lama. Só que nos últimos anos os turcos desenvolveram um carinho muito especial pela sua selecção de futebol, que lhes tem dado alegrias, vencendo muitas vezes jogos internacionais com países europeus, os quais sentem que os "desprezam". Em campeonatos mundiais a Turquia participou pela primeira vez em 1954, tendo perdido com a Alemanha Ocidental por 4-0 na primeira partida do grupo 2, vencendo de seguida a frágil selecção da Coreia do Sul por 7-0, perdendo novamente no "play-off" com os alemães por 7-2. Depois de participações nos campeonatos europeus em 1996 e 2000, os turcos conseguiram finalmente uma nova qualificação para o mundial de 2002, na Coreia e no Japão, e o treinador Senol Gunes, ele próprio um ex-internacional, tendo feito a sua carreira no futebol como guarda-redes, levou a melhor geração de jogadores turcos da história, onde estavam nomes como o guardião Rustu Recber, os defesas Bulent Korkmaz, Fatih Akyel ou Hakan Unsal, os médios Yildiray Basturk, Umit Davala, Emre Belozoglu e Tugay Kerimoglu, e os avançados Hakan Sukur, Ilhan Mansiz e Nihat Kahveci, a maioria deles a alinhar em equipas estrangeiras.


A Turquia pode-se dar por satisfeita com o grupo onde foi colocada, sendo o Brasil um adversário de respeito, mas com Costa Rica e China a serem acessíveis para poder aspirar à fase seguinte. E assim aconteceu, mas não foi fácil, e depois de derrota com o Brasil e empate com a Costa Rica, a vitória sobre a China qualificou os turcos na diferença de golos marcados e sofridos. Nos oitavos-de-final venceram o Japão por 1-0, e nos quartos-de-final o sensacional Senegal, pelo mesmo resultado, sendo afastados de uma eventual final pelo Brasil, também por uma bola a zero. Pode-se dizer que a Turquia teve o caminho semi-aberto; não defrontou qualquer equipa europeia, e a única selecção cotada que apanhou pela frente foi o Brasil, com quem perderam nas duas vezes que os defrontaram.


No jogo para o 3º lugar os turcos defrontaram a Coreia do Sul, e venceu por 3-2, num jogo que registou um recorde: o avançado Hakan Sukur marcou o primeiro golo aos 15 segundos, o que passou a ser o golo mais rápido marcado em mundiais de futebol. A Turquia falharia o Euro 2004, em Portugal, e o mundial de 2006 na Alemanha, regressando no Euro 2008, onde voltou a surpreender, chegando às meias-finais. Contudo isto não se expressou na qualificação para o mundial da África do Sul, que voltariam a falhar, tal como o Euro 2012 e o mundial deste ano. Os fãs turcos queixam-se de "falta de amor à camisola" por parte dos jogadores da selecção, que "estão mais preocupados com os seus contratos".


Vizinhos da Turquia e rivais fidagais, muito por culpa da invasão turca da ilha de Chipre em 1974, os gregos participam este ano pela terceira vez numa fase final de um mundial de futebol. A estreia foi em 1994 nos Estados Unidos, e não correu nada bem, com três derrotas em outros tantos jogos: 0-4 contra a Argentina e Bulgária, e 0-2 contra a Nigéria, com o treinador Alketas Panagoulias a utilizar um guarda-redes diferente em cada partida. Dez anos depois os gregos venciam o Euro 2004 em Portugal, um tanto surpreendemente, e às custas da selecção portuguesa, mas os helénicos voltariam a falhar a qualificação para o mundial seguinte, na Alemanha. O regresso ao mundial só se daria em 2010, na África do Sul, e depois de mais uma derrota por 0-2 com a Coreia do Sul, chegou a primeira vitória, e os primeiros golos, com Dmitris Salpingidis e Vasilis Torosidis a marcarem na vitória por 2-1 frente à Nigéria. A qualificação não chegaria, pois tal como em 1994, voltariam a perder com a Argentina, desta vez por 0-2. Este ano no Brasil é o português Fernando Santos quem vai tentar levar os gregos pela primeira vez à fase seguinte.


No centro da tensão da região está Israel, que participou uma única vez no mundial de 1970, no México. Os isralitas foram durante anos um problema para a FIFA, pois os seus vizinhos recusavam-se a jogar no estado judaico por não o reconhecerem, devido à ocupação dos territórios palestinianos. O problema ficou resolvido com a integração de Israel na UEFA a partir de 1991, mas à custa de uma eventual qualificação para outro mundial, uma vez que a competição é difícil. Em 1970 os israelitas contavam com Mordechai Spiegler, a sua maior estrela, que passou pelos franceses do Paris SG, onde foi colega de Humberto Coelho. Depois de uma derrota por 0-2 com o Uruguai no jogo inicial, os israelitas empatariam com a Suécia a um golo, com Spiegler a marcar o único golo, e o empate a zero com a Itália no jogo seguinte não chegaria para atingir a fase seguinte. Sem muitos argumentos técnicos, ou de outro tipo, os israelitas optaram por um futebol agressivo, às vezes duro, e muito faltoso.


Inimigos mortais dos israelitas, o Irão participou pela primeira vez num mundial em 1978 na Argentina, ainda em vésperas da revolução islâmica, e pelo meio de derrotas com a Holanda por 0-3 e Perú por 1-4, conseguiram um empate a uma bola com a Escócia. A braços com a adoração a Alá e a sua versão muito própria do radicalismo xiita, o Irão regressaria em 1998 no mundial de França, onde obtinha a sua primeira - e até agora única - vitória em mundiais, e contra os Estados Unidos, para eles "o grande Satã". Com uma equipa que contava com o trio de jogadores a alinhar no futebol alemão, Khodadad Azizi, Ali Daei e Karim Bagheri, alémn do jovem médio polivalente Mehdan Mahdavikia, que se viria a juntar a eles mais tarde, venceriam os americanos em Lyon, com golos de Hamiod Estili e Mahdavikia. Na primeira partida haviam perdido com a Jugoslávia por 1-0, e no jogo decivisivo perdiam com a Alemanha por 2-0. Em 2006 voltavam a uma fase final, e ficariam no grupo de Portugal, juntamente com o México e Angola. Depois de derrotas por 1-3 com os mexicanos e 0-2 com os portugueses, empatavam a um golo com Angola. Este ano regressam sob os comandos de Carlos Queiroz. Penso que não são necessárias quaisquer apresentações.


Vizinhos do Irão e igualmente inimigos é a selecção do Iraque, que apesar da paixão pelo futebol e algum talento tem sofrido nas últimas décadas com a ditadura de Saddam Hussein e com a guerra, e nos últimos anos com a reconstrução. Contudo participaram do mundial de 1986 no México, em pleno conflito com o Irão, e até deram boa conta de si, apesar de terem ficado pela primeira fase, só com derrotas, mas todas por apenas um golo. Na estreia e na despedida perderam por 0-1, com Paraguai e México, mas pelo meio marcaram um golo na derrota por 1-2 com a Bélgica, autoria de Ahmed Radi. O Iraque teve o seu momento de glória em 2007, quando venceu o Asiático, e três anos antes já tinha obtido um brilhante 4º lugar nos Jogos Olímpicos de Atenas, com a selecção de sub-23, mas não participou mais de nenhuma fase final de um campeonato do mundo.


Carlos Alberto Parreira, um brasileiro das arábias.

Antes de falar dos países árabes onde o petróleo compra a ambição, convém falar de Carlos Alberto Parreira, o treinador brasileiro que é a par do sérvio Velibor Milutinovic (v. peça sobre os Estados Unidos) outro "globetrotter" do futebol mundial. Parreira participou em seis mundiais com cinco países diferentes: primeiro com o Kuwait em 82, depois com os Emirados Árabes Unidos em 1990, antes de se sagrar campeão mundial pelo Brasil em 1994. Regressaria quatro anos depois com a Arábia Saudita, e em 2006 voltaria a orientar o Brasil, mas desta vez ficou pelos quartos-de-final. E seria apenas com o Brasil que passaria da primeira fase, pois nem com a África do Sul, equipa da casa no mundial de 2010, passaria aos quartos-de-final.


E foi exactamente com Parreira que o Kuwait se estreou em mundiais de futebol, apresentando-se no Espanha 82 sem grandes ambições. A estreia foi auspiciosa, contudo, com um empate a um golo frente à Checoslováquia, mas as carências viriam ao de cima na segunda partida com a França, com quem perderiam por 4-1. No último jogo contra a Inglaterra as hipóteses eram mínimas, e um único golo de Trevor Francis aos 27 minutos mandou os kuwaitianos de volta para as arábias, mas não se pode dizer que tenham ficado mal de todo no álbum da história dos mundiais, apesar de ainda não terem voltado a participar desde então.


Ficaram bem melhor que os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, que também com Parreira participaram no mundial de Itália em 1990, sendo esta a sua primeira e única presença. Depois de uma derrota com a Colômbia por 0-2 na estreia, confirmaram frente à Alemanha Ocidental e à Jugoslávia que não tinham argumentos, e que a viagem serviria apenas para ganhar experiência, perdendo ambas as partidas por 1-5 e 1-4 - valeu terem marcado duas vezes, pelo menos. A experiência não foi aproveitada, pois os Emirados não mais voltariam a uma fase final.


De todos estes países do Golfo Pérsico, o mais bem sucedido é a Arábia Saudita, se bem que a sua estreia pecou por tardia, com a qualificação a chegar apenas em 1994, no mundial dos Estados Unidos. E para as américas os sauditas vieram cheios de ganas, fazendo uma participação muito acima das expectativas. Orientados pelo argentino Jorge Solari, estrearam-se com uma derrota frente à Holanda por 1-2, mas chegaram a assustar, ao marcar primeiro aos 18 minutos por Fuad Amin, o que lhe deve ter valido qualquer coisa como um Mercedes de último modelo, ou algo assim. No entanto mostraram que não estavam ali para fazer turismo, e venceram Marrocos na segunda partida por 2-1, e depois contra a Bélgica surpreenderam ao vencer por 1-0, com um golo muito especial; Saeed Al-Owairan marcou aquele que seria considerado o sexto golo do século XX, e o segundo em mundiais de futebol, depois do golo de Maradona em 86 contra a Inglaterra, o que valeu a Al-Owairan a alcunha de "Maradona das arábias". Nos oitavos-de-final perderiam por 1-3 com a Suécia, mas contas feitas, tinha sido uma participação bastante positiva.


Em 1998 voltariam ao mundial em França sob o comando de Carlos Alberto Parreira, e apesar do optimismo ficavam pela fase fase de grupos, depois de derrotas com Dinamarca e França, e empate com a África do Sul. Em 2002 tiveram a pior participação de sempre, com três derrotas em outros tantos jogos, incluíndo uma goleada de oito golos sem resposta frente à Alemanha, o resultado mais pesado desde a vitória da Hungria sobre El Salvador por 10-1 no mundial de Espanha, em 1982. Em 2006 seria a última participação dos sauditas, novamente com um empate e duas derrotas, e para 2010 e 2014 não se qualificariam, ficando à espera de melhores dias.



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